quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Minha prima tem 47 anos
amputou metade dos dois pés
tem 47 anos e tem diabetes.
Ninguém a consola
ela não se consola.
Tem 47 anos e metade dos pés
amputados sem chegar a lugar nenhum.
Não teve filhos, não terá filhos
não deixará ao SUS mais um diabético,
sente-se feliz porque tem 47 anos,
mesmo depois de seu pai tê-la
matado recém-nascida só
para vender um cavalo e fugir ....
não a cavalo, mas de trem...
oqueé-quetem-oqueé-quetem-oqueé-quetem.


O que é o Ano Novo?
Não tenho nada contigo.
Não te conheço, nunca te vi
e por que devo depositar em ti
minhas vagas e repetidas esperanças?
Serão os fracassos do ano anterior?
A insuficiência dos doze meses
para realizar todos meus planos?
Mas aí vem o Ano Novo, 
não espera, tem pressa,
atirando pela janela o Ano Velho.
Será bom para uns e cruel para outros,
mas não posso impedi-lo de chegar
está às portas e bate na sua terna
insistência de entrar tarde da noite
com a promessa de ser melhor
do que o ano que passou.
Não te conheço, mas sinto calmamente
nessa dor que não cessa que terei
de viver com ele mais doze meses.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Arquivo

Abri as gavetas
perambulei pelos armários
respirei o pó da memória
em todas suas partículas.
Uma foto pendia da parede
destroços de um passado
se amontoavam diante
de meus olhos turvos.
Soube, então, que havia restos
de mim naquela casa,
mas não podia juntá-los.
Estavam gastos demais
e quando os vesti
percebi meu eu renegá-los.
Era eu ainda, mas um eu
distante, apagado, uma sombra
que habitava o arquivo da memória.

Primeira Comunhão

Teu sexo se abriu
como um bater de asas
dos pássaros em alvorada.
Voou livre, solto
sobre aquele outro sexo,
duro, enrijecido de prazer.
E aquele pássaro rubro
deitou suas águas apocalípticas
sobre o falo batizado nas águas
da perdição eterna do gozo proibido,
do coito não interrompido
a zombar das sacras religiões.
Teu sangue, meu corpo
que seja em memória de nós
para os tempos vindouros
que anunciam aos prantos
outras chamas e outros amores.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Eu que NÃO quis
que disse NÃO
em todas as possibilidades
e oportunidades do SIM
arrebentei-me contra a realidade
desarmado pelos fatos.
Em doces controvérsias do meu eu
acabei gostando de aceitar
o NÃO, aquilo que negava,
e agora sinto esse prazer estranho
que se desliza em forma de um SIM
no amanhecer de meus dias.

O amor
a dose excessiva do amor
em seus jogos e ocultamentos
a exacerbação do ato,
do ato de amar
cego aos inícios das dores
das perdas e das ausências
que o acompanham
ele [ o amor] se faz indigno
egoísta em seus ensaios
entre o real e a fantasia.
Assim é o amor,
dose embriagante
um torpor que quando passa
deixa os olhos fundos de ressaca.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Não tenho tristeza nem alegria
tão somente um vazio
que me preenche e me completa
enormemente nas transições do dia.
Sinto esse vácuo dentro de mim
essa ausência do pulsar, do gozar
do amar e do sonhar.
Sou eu acompanhado desse vazio
que tomou conta de meu olhar
nada diz, só se contradiz
no brilho que julgam pela luz ser esperança
sem saber que são as ausências de todos
e fez-se a luz e a vida começou
nesse universo que gira ao redor do eu
do meu eu, eclipsado pelo vácuo de mim.

Avisem aos desavisados
que a morte tarda
mas não falha.
Vingança última
da iniludível das gentes
encarnada na figura
dentuça de um Bandeira
tuberculoso de 6 décadas.
Assim quero meu último 
dia "à toa à toa"
igual voo de andorinha
descompromissada com
a tola preocupação das horas.

Sou culpado de uma palavra
ela tem minha digital
emitida por caixas de ressonância
das quais minha boca
é berrante e boiada.
O verbo é um soco no estômago
que roxeia a alma.

Poema do rompimento

As flores
os cacos
os amores
os terrores
os prenúncios
a ruína
anunciada
a cada ato
em pétalas
tingidas
de um rubro
que bem podia
ser meu sangue.

domingo, 29 de novembro de 2015

Invenção da vida

Imagino tuas faces em sonhos fora de hora
desenho teus olhos, teus lábios
tecendo em sombras uma nitidez mágica
no labirinto das entranhas que seduz
pelo mar calmo e morno das carnes
que envolvem em um ninho a vida inventada.
Envolvo estas carnes disformes na roda do útero
como o oleiro que desenha as formas
desejadas de um vaso em processo de criação.
Como o oleiro sem mãos, modelo-te
dentro de meu corpo, dando ao sonho
a cada noite detalhes que compõem teu ser.

sábado, 28 de novembro de 2015

Descobri que te carrego dentro de mim
marca inexorável no bloco de cera d'alma.
Gestei-te em minhas entranhas estéreis como
a um filho que se carrega por nove meses!
Não! Por anos, longos anos te carreguei
e aquilo que julgava peso, hoje
deixa a ausência de partidas mudas
dos adeuses calados em noites sombrias.
A lenta gestação de ti teve um final
partida brusca; traumas de cacos de vidros
levantaram trincheiras dentro de mim.
E devorei cada estilhaço do amor
que deixaste para trás para reter a doce
azul lembrança de um desejo devastador
que nos arrastou por correntezas de
um rio que engoliu margens, rompeu
barreiras e desrespeitou a nós mesmos
na ânsia de sempre se avolumar mais.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Minha poesia é negra
como a asa de um corvo.
Seu piado espreita mortes
trabalhadas nas cumeeiras das casas.

Nas palavras e gestos de Penélope
teci mortalhas ao longo de anos,
evitei o antídoto de Sherazade
abortei os contos antes do amanhecer
e contemplei cabeças rolando.

Fiz da poesia minha guerra florida
nesses eclipses astecas em noites
de luas vermelhas.

No mundo das alegrias fabricadas
vendidas em milhares de terabites
quase na velocidade da luz einsteiana
meus versos são um refúgio de dor e 
S...O...L...I...D...Ã...O
e neles ainda se tem tempo de contemplar
a lápide de nossas vidas desprovidas
das horas e espaços desmemoriados
porque se volatizaram os conceitos da
E....T...E...R...N...I....D...A....D...E.

A dor de teu olhar
me prendeu no instante supremo
fez experimentar a morte
antes de cessar o tom da vida.
Passei a viver a morte em vida
porque o fim principia a libertação e
aos mortos não lhes aflige a consciência.
Quem julgará aos ossos? Quem quer ser
juiz das carcaças humanas?
A dor só é sentida na carne
e meu coração está em carne viva,
mas como fedem seus intentos
nesse bombear de bílis pelas veias.
Por isso, arranco meu coração
e te ofereço esse diamante negro
incapaz de sofrer os benefícios da lapidação.

Virgem de alabastro
rosto de bibelô diáfano
braços e pernas de porcelana
alva, branca, branquíssima.

Sorriso de página virgem,
misteriosa e sensual em
suas pernas porcelânicas.

Rompe teu vaso e deixa jorrar
o azeite doce e espiritual para
lubrificar em gotas de mirra flamejante
meus lábios de fel magoados da vida.

Banha-me do óleo santo 
no leito de desejos frêmitos
a tocar teus lábios de deusa etérea.

Embriaga-me dentro de ti
recolho-me ao seio eterno
da sepultura alabástrica
de tuas pernas e serei teu,
para sempre no túmulo do amor
secreto e eterno do Éden idílico.

Poesia escrita no ano de 2004

Ausências


Por que vieste,
se não podias ficar?
Se te era tão cara a estadia,
por que pediste pouso dentro de mim?
Eu que te apertei os ossos
como se quisesse te doar minha carne,
como se te quisesse gerar no ventre,
agora me vejo só e a lembrança
aguilhoa minha alma como um pecado mortal.
Hoje vivo de longos adeuses na varanda,
acenando a um passado embaçado
que não torna mais a mim
e como dói este quadro estático
que te tornaste, preso à moldura da memória.

Quando as doces palavras chegaram a meus ouvidos
prometendo delícias e a vida, devia ter desconfiado
que era levado pelo canto das sereias
e o mar e suas ondas de prometidas viagens
na verdade traziam a morte em seus enleios.
Se eu tivesse tapado os ouvidos
se tivessem me amarrado ao mastro da razão,
contemplaria as sereias e o mar, Odisseu estático,
não teria viajado, mas meu coração com vagas ondas
não seria este buraco negro que a tudo traga.
Mas, o canto da sedução é a elegia da morte
traga-se como mel as palavras melífluas
e curte-se o amargo na boca do estômago
em longas ruminações noturnas nos olhos
de uma plácida toura, triste nos campos da desilusão.

Preenchi os vazios com teus espaços
seus gestos miúdos, seus passos
e me tornei pleno de mim.
E já não havia espaços a ocupar
lugares vazios agora eram habitados
por essa sensação da longa espera
concluída, terminada em plenitude.

O passado é a ausência presente
contemplo estes porta-retratos mortos,
mas como doem em sua estaticidade.
Grito diante dessas imagens,
que mudas, zombam de minha aflição.
O passado, essa porta aberta às definitivas ações
olha-me inexorável do alto de seu orgulho
de ser e apenas ser o que é definitivamente.
Carrego no alforje porções de passado
e invejo a leveza das doces, suaves amnésias
que quase flutuam no tempo presente.
Felizes dos que viram, viveram e esqueceram
porque deles é o reino dos céus. Amém!!!

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Ainda tenho em mim
aquele Manuel Bandeira
quando a infância era só
"café com pão, café com pão".

Trago debaixo de meu braço
aquele volume de Drummond
das palavras mágicas e a constatação
da vida besta, meu Deus!!!

No espelho pela manhã
confundi meu rosto com o de Cecília
e coloquei minhas mãos frias
entre as conchas de suas mãos quentes.

Tive a certeza de Vinicius
de seja eterno enquanto dure
e beijei teus olhos como se fosse
a última vez do operário de Chico.

Eu, esse obreiro das palavras
só sabia questionar: E agora, José?
A vida é esse cotidiano dos continuamente.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Poesia...

Abandono-me a ti
solidão inexorável
das palavras mudas,
templo das imagens obcecadas.
Sinto a tua dependência
no meu gesto de calar
de me encerrar nessas caixas
a que chamo versos.
Não vejo o mundo fora de ti
acomodo-me à tua geografia sinuosa
e acompanho em suaves curvas
o destino torto que me legou
na herança das palavras soltas
o baile verbal do mundo,
onde me encaixei nas entrelinhas
e quase mudo aprendi a sussurrar
palavras, frases orações lúdicas,
sintaxes que não me conciliaram
com essa realidade chamada vida.


domingo, 18 de outubro de 2015

Estar só [...] a dose mínima
da porção de mim que gira
no carrossel das lembranças
traz a náusea dos fatos passados
que cavalgam espetados
no giro incessante do tempo.
Na roda da repetição
não respiro os mesmo ares,
só os fatos rejuvenescem
presentificam-se, alimentando
a dor do instante monumental
da sensação do tempo presente.
O carrossel da vida não cessa
somos atirados sobre seus cavalinhos
e giramos até encerrar o tempo
desse passeio pelo parquinho da vida.
Infelizmente, as pernas são curtas
e não posso descer antes do tempo,
estou à mercê do funcionário,
que desatento, olha o relógio
contando os minutos para desligar
a chave e encerrar o incessante giro
das catracas que movem a vida
daquelas pernas curtas que sonham
ser um cavaleiro e não percebem ainda
que lhes fogem o tempo e o caminho.

Decomposto,
o resto de mim,
ainda sou eu.
Pensei que o pó
me libertaria
dessa imagem 
que faço de mim.
Mas inaugurou
a dura eternidade,
a que me condenam
as religiões inconformadas
com o vazio.
Os sacerdotes me perdoem
mas ninguém me perguntou
se gostaria de ser eterno.
Aprendi a gozar a fugaz
ideia do vazio.
A ausência do tempo
conforta com mãos macias
e curam as feridas da eternidade.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Na ausência de teu corpo
velo fotos no retrato
a ausência se pendura
no fio da memória
e incomoda como uma
faca cravada no peito.
Essa sensação que não termina
a percepção de que não é o fim
alonga a dor incurável da ausência. 
Se a memória é do passado
por que essa dor é do presente?

Soube que era um rato
tive a sensação de ser um rato.

Preso na ratoeira da vida
fui pego em flagrante
roendo retratos de uma
história inútil. 

As pessoas não gostam de ratos
sou um rato na ratoeira,
mas meus olhos congelados
ainda incomodam os que passam.

E agora todos se abaixam
para ver os olhos do rato.

Estou no centro do retrato
a ratoeira é um templo.

O busto no oratório é o meu
e como rato sou adorado.


A dor de ser eu
não é maior 
do que a dor
de ser Outro.

O Outro que me dói
que me arrebata
é de ter um corpo
como limite do meu eu.

Meu fracasso:
sempre ser eu
nunca aprendi a ser o Outro.

Esbarrei em fronteiras
encontrei as trincheiras
e como sou somente eu
abandonei o campo de batalha.


Ah... teu corpo
o ritual das horas
a via crucis do desejo
a umidade rasa
dos naufrágios. 

Os pássaros de agouro
nunca trazem boas notícias
por isso o clima negro
que cerca meu dias
lembra o piado que 
inaugurou meu primeiro
choro no mundo visível.

E aí surgiu teu corpo
com a promessa das delícias.
E sobre ele pousou o pássaro
aquele mesmo que me recebeu
no mundo com o canto.

Soube ali que começava
a guerra florida
e só me restava iniludivelmente 
"la noche boca arriba".


Impossível o amor
essa palavra irascível
o ódio contido em doce conluio
de um par de inimigos
que dividem a mesma cama.

Impossível o amor
essa tragédia cristã
na qual os casais se crucificam
pelas manhãs entre xícaras.

Impossível o amor 
empacotado em reality shows
e pacotes de canais privados
que alentam os sonhos da classe média.

Impossível o amor
essa palavra antiga
falha da criação quando
o mundo ainda era verbo.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Não faça versos,
faça sexo.
Essa masturbação
de palavras
nunca encheu
uma cama.
Por isso, todo poeta
é solitário
otário, vário,
em seu desvario diário.
Não faça versos,
faça sexo.
O gozo
ao menos
é real.
Mesmo que fugaz
preenche de adeuses
esse longo ensaio da
vida em se despedir
do mundo.
Não faça versos,
faça sexo
que a morte
como noiva
é ilusão de poeta.
Não faça versos,
faça sexo
porque na campa fria
ninguém deita acompanhado.

Quero o poema que reúna todas as pessoas do mundo
alegres e tristes, negros e brancos, pardos e amarelos,
todas unidas no encadeamento dos versos
de mãos dadas, livres de conceitos e preconceitos
que nos atam em celas todos os dias.
Quero o poema liberdade, livre de regras
cheio de desejos, de sonhos, prenhe de vida
capaz de encher as pessoas e suas almas
com o sentimento de poesia que me inunda.
Quero o poema que transborde as barreiras
exceda as margens estabelecidas entre o mar
e o limite das areias da praia morna.
Assim, quero o poema. Sem regras, livre
para ser poesia, dono de si, de mãos abertas
sempre pronto a afagar os versos ondulados
de um corpo nu que salta entre as ondas do mar.

Vi um pássaro da janela de meu apartamento
não era belo, era desprovido de encanto, feio.
Era um filhote, não se pode dizer que era
um passarinho desses de se pôr na palma da mão.
Não estava implume, mas ainda lhe restava
uma penugem branca sobre as penas negras.
Seu bico era longo, adunco, cravado entre
um par de olhos negros amedrontados.
Provavelmente caíra do ninho e sozinho
tinha receio de mim que o olhava.
Ficamos nesse olhar silencioso dias.
Pela manhã abro a janela e vejo
no telhado da garagem meu pássaro.
Olho para ele e ele para mim
irmanamo-nos nesse olhar negro e sombrio.
Hoje abri a janela e não o encontrei
meu pássaro voou ou morreu, não sei.
E só restou o vazio daqueles olhos negros
daquele urubu soturno e solitário com quem
compartilhava as primeiras horas da manhã.




Da série Haicais

Ensaio para o fim

Surge na mente uma quimera
ainda primavera
no outono das dignas eras.


Promessas

Quem nunca de si por si
sofreu da ilusão
e prometeu ficar só?

Sedução

Encompridei da conversa
o ritmo dos lábios
fiz a ponte entre nós dois.



sábado, 26 de setembro de 2015

Dizem alguns
de meus versos
que são tristes.
Respondo
como me é habitual
que sou poeta,
se fosse palhaço
daria uma cambalhota
cairia no picadeiro
e o espectador inebriado
gargalharia um riso frouxo
desprendido da vida.
Mas sou poeta
e aferro-me à palavra muda
casmurra de todos os dias,
com a qual me alimento
e dou vazão à dor
nossa de todos os dias
AMÉM.

Porque me sinto estranho
tomo essa xícara de café
olhando o nada proporcionado
pela parede em branco na qual confio
as minhas primeiras horas do dia.
Flerto com uma janela imaginária
abro horizontes perfeitos
repletos de uma felicidade folhetinesca.
E diante desse horizonte branco
rabisco os projetos do que seria
minha vida se eu fosse outro
se não tivesse nascido em um 16 de abril
e não tivesse essa carteira de identidade
que me denuncia por onde passo.

O meu gosto por palavras complexas
se inaugurou com a palavra AMOR
com ela descobri os nós da vida.
Seduzido por esse fascínio
que me despertam os reveses
disse "eu te amo" e multipliquei
por mil a barreira da comunicação
entre os homens e as mulheres.
Descobri que o verbo exige ação
e indolente demais para herói
voltei à palavra AMOR
e contemplei sua beleza
e sua inexorabilidade
diante da volubilidade do homem.

Ah se soubesses
se tivesses certeza
se te admirasses
se rompesses
contigo este pacto
de ser tua, só tua
eu requereria para mim
um espaço na varanda
de teus braços,
veria o entardecer tranquilo
na ilusão dos casais apaixonados
mas apenas se soubesses
se tivesses certeza
que a menor varanda
é espaço suficiente para dois.

Durmo de olhos abertos
me é impossível o sono
o sono dos justos repousantes
desprovidos de alma.
Alguns dormem, sentem a lenta
modorra circundá-los
como a serpente esmaga
os ossos de suas presas.
Comprimidos pelo cansaço
se entregam à morte momentânea
ilusão da eternidade rota
pelo soar do despertador.
Quanto a mim, não vivo de ilusões
e durmo de olhos abertos
na angústia do dia que amanhecerá.

Caía a chuva sobre meu corpo
mas não podia lavá-lo de quem sou.
Sinto-a roçando os poros da pele
cavando pequenos poços no meu eu,
perfurando minha personalidade.
Quer batizar essa ausência de alma
esse trovão entre nuvens que relampejam
meus olhos derramados no horizonte.
Construí paredes fortes demais
para que a chuva pudesse romper
essa barreira de mim e desnudar-me
diante dos flashes do céu
que buscam o raio-x de mim
e só encontram a permanente tempestade
de nuvens negras em noites escuras.

domingo, 20 de setembro de 2015

Ah....aquele sentimento de poesia
tão nítido, tão claro, tão presente
seus contornos se fixam no meu coração
e ouço, tum, tum, tum, tum, tum....
do peito em festa, reverberando sons
enquanto o rosto sorri diante do mar.
Mas por que escapas-me agora entre os dedos,
se te vivi intensamente há alguns instantes?
Singularidade de ser poeta,
receber essa visitação a qualquer hora,
fora de hora e desfrutar desse momento único
irrepetível em suas graças e danças,
na qual as palavras são insuficientes
para esse enorme sentimento
que não cabe no peito, "nem na cama de amar"
e me leva a abandonar-me à poesia
essa voz estranha que me acompanha
e hoje me sussurrou pelas ondas do mar
"estou aqui, não permita que eu parta sem ti".

.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

não me abra os braços
abra-me as pernas
essas margens que
levam ao leito macio
e morno dessa maternidade
incestuosa que é toda mulher
essa cálida, morna
recompensa do penoso dia,
que se gesta no desejo
e falece no negro gozo
o corpo que me deu a vida
não é o mesmo que me dá a morte
assim, persigo e sigo nos mergulhos
entre as pernas
certo de que no gozo
que se escorre
nasço e morro
todas as noites
nesse balbucio cio.

Via crucis da inocência

A menina canta
em pé, no ônibus.
A menina canta
não percebe o calor
nem transita pelos olhares.
Com os fones de ouvido
a menina canta
crucificada na coluna,
agarrada às barras do coletivo
equilibra-se numa nau estranha.
A menina canta uma cantiga
quase muda, seus lábios
mexem ao som de uma melodia.
A menina canta despercebida
de sua marca de mulher
alheia à fenda que
lhe abrirão no corpo
que inaugurará seu abismo
e sua derrocada da cruz
onde canta feliz, crucificada
às barras do coletivo.
E o Cristo, do alto do Corcovado,
nem espreita, alheio à marca
de mulher que começa a se desenhar
nessa via crucis da inocência
que se equilibra em um coletivo
a 60km nas ruas de Botafogo.

sábado, 12 de setembro de 2015

Tertúlia a dois

Compuseram à luz da lua
versos estranhos e abusados
comovidos pelo álcool.
Pela embriaguez dos olhares
os versos volatilizaram o ambiente
e deram ao céu e às estrelas
um véu nupcial tendo a lua
por abajur de uma cena pintada
no calçadão, de madrugada,
entre dois boêmios abalados
pelas doses de conhaque.
Bêbados, com os cotovelos
no centro da mesa circular,
encontraram o tênue equilíbrio
que os casais necessitam
e ali, de braços entrecruzados,
perceberam que nem a última
dose no fundo do copo
poderia separá-los naquele momento. 

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Ah... as letras, as palavras...
com elas discorri sobre a vida,
mas não soube computar os erros,
as falhas de cálculos nos projetos
tão certos da juventude.
Muitos se revelaram fora da escala.
Nunca fui bom em cálculos,
mas como matemático obsessivo
calculei os erros, as perdas, as dores
e percebi que minha conta está no vermelho.
Não fui bom vendedor, meu caixa zerou,
os cobradores vieram, não tive como pagá-los.
Ainda calculo os erros e tento fechar uma conta
que não compreendo bem.
Sinto-me como criança, que desmonta o brinquedo
tão desejado que ganhou e ao montá-lo
algumas peças sobraram e agora não se encaixam.
A vida se mostrou uma Letra que não tenho
como saldar nessa balança em déficit do destino.




Ah Alegria....
onde te escondeste?
Palavra de dicionário
verbete oculto,
lenda da infância.
Por ti, Alegria,
muitas pessoas
foram infelizes;
de te buscar
se perderam em lágrimas,
em decepções sem fim.
Por ti, Alegria,
muitos separaram,
outros casaram,
alguns tiveram filhos,
outros adotaram,
na ilusão de te encontrar.
Mas sempre sorrateira
escapas, Alegria, aos planos
de te prenderem.
Por ti, Alegria alegre,
muitos deprimiram
outros se mataram
por ti, Alegria,
por não te encontrar
no frágil horizonte
dos amanheceres.

Volto aos fragmentos para casa
peso o peso do dia na balança
de uma mente atenta aos alaridos
ocultos no negro silêncio da noite.
Ando de cabeça baixa, mãos soltas
como se calculasse os passos 
no jogo de ladrilhos da calçada.
Medo da solidão? Do quarto gelado?
Apenas a certeza do vazio anunciado.
o céu ou o inferno do jogo da amarelinha
Volto no dois/um à infância mentalmente
nesse jogo solitário de ser alguém
que não sou para preservar meu eu
sempre intacto da estranheza do mundo.
No fundo ainda sou criança, as cãs
disfarçam o apelo constante da fantasia
e vivo nesse mundo disfarçando no velho
a criança que ainda sonha com o abraço
apertado de uns pais ideais que nunca tive.


segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Porque hoje é feriado
não se lê poesia
tira folga a fantasia
e não se pensa em palavras!!
Porque é feriado 
se ausentou a poesia,
a minha amiga alegria
partiu e eu fiquei só
esperando o feriado terminar
e a poesia voltar!
Porque hoje é feriado
não se lê poesia
nem se vive de fantasia.
Viva a história do Brasil.

domingo, 6 de setembro de 2015

Sempre a vida nesse meio tom
aquele temor do vazio
aquela desilusão após o coito
aquela dor após o gozo
aquela obrigatoriedade do amor
aquela incerteza da morte
aquela incerteza do após a morte.
Sempre o medo: da solidão
do Outro, de nós mesmos,
o medo de mudar, de se arrepender.
E essa vida que passa, que se arrasta
em direção ao nada, ao vazio.
A certeza que a morte finda a vida,
a incerteza do tempo da eternidade.
A vida é esse copo pela metade
é esse copo que só se esvazia
e escorre em direção do nada.
Vivemos esse eterno ensaio de voo
que nunca alcança as alturas
em que o bater de asas é um mero
grito de agonias caladas
desse tempo que chamamos vida.




sábado, 5 de setembro de 2015

Circe

Bebi as palavras melífluas que da tua boca
destilavam em cada doce sílaba
a promessa de um azul celeste encantador.
Cedi a cada dose, a cada promessa de cálice
que nunca terminava de derramar
em meus lábios a flor macia hiante
marcada a ferro de escravo em meu desejo.
Sedento de um líquido que me soava à vida
converti-me em teu animal de estimação.
Afável a teus caprichos e desdéns 
comia as bolotas parcamente que
escorriam de teus dedos de cera branca.
Mas um dia, despertei do sonho e quando
pensava que em ti cravava a espada da vingança
percebi-me em teu leito e aquilo que tanto 
negaste à força do teu volúvel caráter
cedeste, de repente, por vontade e leviandade
deixando a mim a porta do chiqueiro aberta
para que partisse ou ficasse e por vontade
me prendi mais um ano a esse leito de compensações.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Estou fragmentado
há uma estranha incoerência
entre minhas partes.
O desajuste é a forma externa
dos cacos que perambulam
mostrando as formas de mim.
Dou apertos de mãos
beijos suaves nos rostos
e meus cacos vão cortando
os que ousam aproximar-se.
Preciso de uma pá:
recolham-me da insensatez
que é viver esta vida aos pedaços. 

Aprendi a olhar com as palavras
exercício cego de quem constrói
mundos tateando de cabeça baixa
para quem a frequência da vida
é insuficiente para viver todos os dias.
Ausentei-me do mundo dos outros
editei minhas árvores, desenhei minhas flores,
arquitetei minha fantasia numa sintaxe frouxa
sem horários, sem regras, sem patrões.
Nesse mundo de palavras anoiteço quando quero
sem ter a obrigação de amanhecer todos os dias.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Não me envergonho mais das palavras
elas saem despudoradas de mim
e se atiram contra o papel
essa materialidade na qual insisto
em esculpir essas formas verbais
semelhantes à poesia na vibração
do tempo eterno das repetições.
Repito a palavra incansavelmente
até convencer-me de que é poesia
até que as articulações gaguejem 
um som primitivo, grunhido sagrado,
totem de mim e tabu para os outros.
Assim, dispo as palavras nesse incesto
de pai amoroso, devorante do verbo
parido no sofrimento da própria carne.

Para quem ama o dia
a noite tem véus de viúva
que pranteia estrelas
até o doce amanhecer.
O consolo solitário da lua
persiste até o nascer do sol;
novo dia, novo amor
fantasia renovada dos
crentes do amor e da loucura.


Uma lágrima caiu
não é de homem nem de mulher
é salgada como todas as lágrimas
é uma gota salgada
que despencou do alto de um corpo
era uma lágrima humana,
por incrível que pareça,
tão transparente no voo solitário
rumo ao chão desfeito das expectativas
que desconfiei de sua autenticidade
e não tive dó nem pena daquele
ensaio de humanidade contida.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Despi-me de meus ossos brancos
tornei à maleabilidade macia, morna,
de uma carne surrada por anos,
que cede à impotência diante da sina.
Evito assim as quebraduras, as luxações
inúteis, herdadas dos embates da vida,
bebedeira de anos, embrigado de sonhos
interrompidos pela doce luz da lúcida
manhã, estrangeira, portadora de novas
e velhas histórias que se repetem na roda
dos azares antigos, redesenhando o mundo.
Porém, não estou quebrado, tenho a suave
maleabilidade daqueles que deixaram
seus ossos pelo caminho e vivem com
a carne mole, tépida, que cabe numa mala
de viajar e espiar o mundo em seus auspícios.

Uma flor brotou da maçã de teu rosto,
tive vontade de tocar essas pétalas rosas,
mas apenas contemplei o jardim juvenil
de teus anos de debutante frente ao espelho.
Vi o reflexo e a pessoa, imaginações
distantes de meus dedos gotejantes
de orvalho que queriam chover sobre
tuas faces de augustas estreias.
Olhei o avesso de teus olhos e amei
mais a mim refletido nessas órbitas
aprisionado por vontade à íris úmida
do que ao jardim de tuas faces
de onde brotavam pétalas de rosas
como convite ao amor e ao desafogo.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Olhei, olhaste. E nessa longa
guerra muda, gastamos dias, meses,
horas de uma angústia confortadora
e silenciosa de gritos emudecidos no peito.
Só, calado no nobre gesto de olhar e ser olhado
 como se as pálpebras levemente pousadas 
me privassem da leve ausência de uma luz escura
capaz de iluminar sonhos e esperanças desfeitas.
 Fatalmente, quando trocamos esse gesto
de olhar pelo tocar suave dos lábios,
esses túmulos mudos que selaram eternamente
a ausência desse vazio deixado pela separação,
soube que a perda era inevitável e chorei minha
prece sozinho pelos olhos que tanto cultuei
em devoção legítima de adorador fiel.



Eu que te marco com as horas
nessa roda incessante de girar
que consumo meus dias em lamentos
em solidões deliciadas na pauta da manhã,
caminho pelas ruas estilhaçado por dentro.
Sangro sem que ninguém veja o rubro
líquido correr quente pelas veias
quando queria apenas esvair-me
pelos olhos, exorcizando-me de ti,
de mim, sendo outro, porque assim
seria possível viver de novo e não
caminhar como o autômato que
viu a alma partir num sereno adeus
definitivo que levou-me contigo
naquele último olhar atirado para trás
porque os beijos ficaram apenas na memória.


terça-feira, 11 de agosto de 2015

Tenho olhado muito pouco para fora de mim
nada vejo além do horizonte de minha íris,
invertida nos labirintos de um corpo às avessas.
Não posso suportar o pavor de me revelar
no quarto escuro das fotos familiares.
Nada fiz para merecer o retrato
para ficar exposto às comparações
genéticas inevitáveis da febres familiares.
Aquele olhar de loucura também habitou
outros corpos que saltavam das pupilas
para o manicômio das lentes fotográficas.
O cacto, o cacto, o cacto plantado
em frente à minha casa, desafiador
no seu verde espinhento, agourento,
é insólito como os pesadelos das horas
sagradas na noturna cama de horrores.
O cacto me olha, enviesadamente,
como se cravasse na palma de minhas mãos
suas unhas tutelares em busca do sacrifício.
Anseiam crucificar-me na calçada seus espinhos
e só eu o olho, estático, fascinado pelo seu

verde estranho que me condena à contemplação.
Abandonei este jardim de esperanças ativas
na expressão de um olhar ausente
fora de mim, deslocado da realidade,
certo de que o mundo se retirava
para um plano desconhecido e insólito.
Não pude resistir a um último olhar
deixar aquele vago adeus no ar
na promessa de uma volta nunca pensada.
As despedidas sempre prometem a volta,
mas deixam apenas a certeza da dor ausente,
esse olhar estampado na janela a acenar ao nada
como os quadros dos mortos na parede da sala,
sempre fixos numa eternidade incompreensível. 

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Descaminhos

Você que vem e salta diante de meus olhos
dançando essa longa música silenciosa,
que meus olhos não cessam de seguir ligeiros
no vão esforço de te apreender e prender num instante.

Meus passos seguem após os teus doidamente
sem rumo, faço caminho em teu andar inocente
perco-me por vontade e desejo, sem saber onde chegar
após os passos teus como se o futuro não existisse.

Não tenho mais pernas e não procuro indicações
na estrada que possam guiar-me ao destino
traçado no início dessa doida viagem.

Abandonei os mapas, as bússolas, estou sem latitude
desgovernado de mim, por prazer e volúpia
de um corpo que salta e dança diante de meus olhos.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Não sei dançar

Não sei dançar,
Também não sei cantar.
Não fumo, não sei tragar.
Meus passos são ligeiros
e inquietas minhas mãos.
Então danço, rodopio,
arrocho um maxixe de palavras
e meu poema dança, gira
por um salão branco
e tira para dançar
o solitário leitor.
Meu poema declama
ao pé do ouvido
uma balada antiga
e sem ter o que fazer
o leitor dança esse maxixe
encarnado de desejos
em núpcias com o poema.

Vazio

Não vejo estrelas no céu
nem peixes no mar
nem poesias nos versos.
Estou vazio de tudo
de mim e dos outros.
Fizeram um buraco
no meio do meu peito,
por ele escapuliu
meu doido coração,
saltando jardins e montes
buscando emoção
fora do peito
de seu estranho dono.
Meu coração não me suportou
e fugiu de mim, deixando esse oco
esse vazio dentro mim.

terça-feira, 7 de julho de 2015

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Haicais

Fatalidade
Sorriso de mágoa
instante menorizado
mesquinhez do ser.

 Perspectiva
Correr solitário
não reduz o caminhante
aumenta o horizonte.

Alvorada
Canta o passarinho
adulando a solidão
amanhece o dia.

Despertar
Desilusionou-se
rota, desfeita a boneca
surgiu o pesadelo.

Partida Invernal
Orvalho da noite
em alcova solitária
chora triste o céu.

Sala de estar
Termina em velhice
depositar em estantes
álbuns de família.

sábado, 27 de junho de 2015

Canteiros da solidão

A flor da recordação
desabrochou pétalas
cinzas e sem cheiro
no jardim das parcas
lembranças familiares.
Nessa praça outonal
experimentei o frio
da solidão  e a ausência
daqueles que partiram.
O tempo,
esse jardineiro incansável,
cultivou todas as flores
mortas desidratadas
para o momento da visitação
 a essa praça vazia
dos meus anos de infância
quando as ambições
eram apenas sonhos.

Bordado estereotipado

A realidade
a idade
esta louca vaidade
de anos perdidos
na frente do espelho.
Há uma transformação
muda da pele
em mapa de dores e ausências
que se desenham na geografia
da face explícita, despudorada
em seus envelhecimentos
envilecimentos agudos
que desenham com a agulha
do tempo o bordado dos anos.

Borboleta

Voou da praça dos sonhos
para as linhas de minhas mãos
essa geografia de caminhos
ainda não trilhados
e história desconhecida.
Bateu levemente as asas
com seu leque colorido
de esperanças e  de sonhos
de quem já foi lagarta.
Essa borboleta espreita
minha vida
com os olhos de suas asas.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Poesia
essa vadia
vazia.
Medito
à tardinha
nessa magia
vândala
vagina
corpo úmido
de doce céu
jogado ao léu
essa poesia
essa vadia
me leva à orgia.
Fodamentalisticamente
me converto a essa
magia que é a poesia.
Orgia de joelhos
nesse enjambement mental.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Não posso te ver, não posso aceitar
que sejas tão igual a mim em minha
solitária indiferença.
Estamos irmanados no egoísmo dos dias
dos gestos e das armadilhas que sorrateiramente
foram armadas ao virar da esquina.
Caímos no mesmo ato de falsidade
das mãos que se cumprimentam
em falsa cordialidade.
Estes somos nós homens tão iguais
que não suportamos o reflexo
de nós mesmos nas retinas
que se chocam no palco do teatro
da sociedade que representamos.
Não posso suportar o meu eu que há em ti.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...