segunda-feira, 15 de abril de 2019

O último dia dos meus 39 anos

Difícil resumir em poucas linhas, quiçá em poucos parágrafos trinta e nove anos de vida. Nem de perto passou por minha cabeça essa possibilidade, afinal seriam muitas páginas, quem sabe um romance inconcluso, uma autobiografia que ninguém leria; então, resolvi fazer um texto de despedida. Não, não se animem, não é um texto de despedida da vida, mas de meus 39 anos.

Também algo me ocorreu: expor gente viva assim no texto, sem pudor, pode ser algo que gere problemas políticos e familiares desnecessários. Se fosse gente morta, lá vai, ninguém vai me ligar do além reclamando alguma confissão mais picante ou descabida. Mas, gente viva, é melhor se cuidar.

Cheguei aos trinta e nove anos passando por muitas coisas. Essa palavra é ótima, para uns, pode ser interpretada como eventos positivos, para outros, as mais tenebrosas aventuras. O fato, porém, é que desde que me inaugurei na vida, passei por várias religiões. Batizaram-me, apresentaram-me, batizei-me, mudei de religião, de fé, perdi a fé, voltei a ser meio crente, não daqueles do Malafaia, passei a ler posts de Budas, mensagens espíritas, usar aplicativos de meditação, passei a ser meio descrente, meio cheio de fé, acho que tudo depende da luz do dia, se chove ou faz sol, aí a fé aumenta ou diminui. 

De algo tenho certeza. Nada aconteceu como eu esperava. Talvez, por isso, tomei alguns antidepressivos, frequentei psiquiatras e psicólogos, como quem acredita em políticos e como um mal necessário, porém, mais isentos que os padres, que não me cobrariam ave-marias, nem uma missa, o que já é algum consolo.

Mudei de casas, de cidades, de profissões: entregador de jornal, cobrador, servente pedreiro, pintor e, por último, professor. Fiz amigos, inimigos, frequentei gente chata com sorrisos, abracei pessoas incríveis e que levarei comigo para sempre, irmãos que a vida nos presenteia sem sangue. 

Entediei-me muito também. Li jornais, revistas em consultórios médicos, vi gente medíocre em colunas sociais do interior do país, assisti TV, vi séries, li livros por obrigação da faculdade e da profissão, dissertações e teses, enquanto da estante me paqueravam livros fantásticos. Descobri que o que menos fazemos na vida é gozar, temos muitas dores, muitas frustrações, mas nada que nos mate, pelo menos por fora. 

Já tive redes sociais e perdia um tempão nelas, enquanto o mundo de verdade corria lá fora. Só não tive Orkut e não me lamento por isso. Quem tem 39 anos como eu, nasceu em uma época que não havia internet assim fácil, nem telefone celular havia. Quando precisávamos ligar íamos ao orelhão cheio de fichas prateadas para fazer um interurbano ou, então, em épocas de grana fraca, perturbávamos algum parente mais rico para fazer uma ligação demorada e nos demorávamos mais ainda ouvindo os lamentos dos parentes só por ter usado o telefone.  

Depois surgiram os primeiros tijolões de telefonia portátil, os computadores de mesa 486, que iniciávamos pelo DOS, a conexão de internet discada com seu barulho insuportável para poder usar o ICq ou usar um site de buscas que nem era o Google ainda. Depois vieram os primeiros Nokias de capinha azul. Paramos de usar walkman de fita e passamos para o de CD e sentíamos falta da época que ligávamos à rádio e pedíamos uma música para gravar e que o locutor todo satisfeito dizia: solta o play, essa é para você!!! Somos de uma época que vinil era falta de opção e não moda vintage.

No ano que completei 39 anos aconteceram inúmeras coisas, que não lhes cansarei aqui com particularidades. Gostaria de dizer que os primeiros fios de cabelos brancos surgiram neste ano, que passei usar óculos agora, mas seria uma triste mentira. Foi um ano intenso, de mudanças, conhecimentos, livros, pessoas, sentimentos, de vaivéns, de vou não vou e, por fim, cá estou eu em Lyon há vários meses. Mudamos de presidente, passamos a reviver fantasmas de 1964, passamos a navegar num mar de inseguranças, meninos voltaram a usar azul e meninas rosa e o sonho masculino de pelo menos 50% dos homens brasileiros de que as mulheres voltem a dirigir fogões voltou à tona. Nada do que esperei foi como eu imaginava ao chegar nos meus 40 anos, que ainda estão por vir. É bom valorizar as horas que faltam...

O fato é que hoje é o último dia de meus 39 anos. Estou na França e a previsão para amanhã é de chuva e frio. Será que isso é um mau-agouro? Ou só a previsão do tempo mesmo? Estou, porém, por um fio, e sei que as horas serão cruéis comigo e logo chegarei aos 40 anos. Resta-me uma dúvida, assumo meus 40 anos pela meia noite daqui ou pela meia noite do Brasil? É o caso em que algumas horas fazem a diferença.

Pelo sim, pelo não, nasci no Brasil e nunca ser brasileiro me fez tão bem. Que venham os 40 anos com as cinco horas de fuso que me separam da idade verdadeira que me cabe. Afinal, para que viver de antecipações...😉?



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