Está chegando ao fim...
do ano
das vidas
dos sofrimentos
das alegrias
dos gozos
dos choros
das promessas
que inauguram....
novo ano
novas vidas
novos sofrimentos
novas alegrias
novos gozos
novos choros
novas promessas
que se renovam
no velho ciclo da vida.
sexta-feira, 13 de dezembro de 2019
segunda-feira, 9 de dezembro de 2019
Luzes de Natal
Cintila um jogo de luzes
ao redor do globo inflado.
O mundo cabe em um balão
e as luzes não cessam.
O universo é uma esfera
nítida, lisa, transparente.
As minúsculas mãos dançam
e criam um mundo colorido.
O sorriso é pequeno para o rosto
e os olhos brilhantes cintilam.
O balão fica pequeno
e não cabe mais entre as pálpebras.
A criança adormece no colo
e o universo de luzes brilha só.
ao redor do globo inflado.
O mundo cabe em um balão
e as luzes não cessam.
O universo é uma esfera
nítida, lisa, transparente.
As minúsculas mãos dançam
e criam um mundo colorido.
O sorriso é pequeno para o rosto
e os olhos brilhantes cintilam.
O balão fica pequeno
e não cabe mais entre as pálpebras.
A criança adormece no colo
e o universo de luzes brilha só.
domingo, 8 de dezembro de 2019
Do prazer e da alma
Por que sempre a alma?
O que fazer dela na cama,
se o corpo pede e o prazer emana
de lascívias indizíveis, de atos cúmplices
de mãos atadas à procura do Outro?
Não do Outro idealizado
mas do outro corpo que se estende
e se agita à nossa frente.
Deixem a alma fora desse prazer,
conjuguem os lábios e todas as bocas,
as fendas e todos os encaixes
porque a Alma, a alma espera tudo
e o corpo não pede nada
a não ser a doçura do prazer.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2019
Às pressas
Chegaste tão depressa
como essas aves sem pouso,
que a sombra de teu beijo
tão somente roçou meus lábios.
E és assim, grande rio caudaloso,
que serpenteando entre meus braços
escorreste pelo meu corpo.
Deixaste, porém, o som de novas águas
o aroma de flor da manhã
e a promessa de novas correntezas
a fluir de teu poço corpo infinito.
quinta-feira, 28 de novembro de 2019
Roda gigante
Havia um parque na cidade. Não tínhamos dinheiro, mas mesmo assim pedimos aos nossos pais para ir ao parque ver as luzes, os brinquedos, espichar os olhos para os meninos ricos que giravam no chapéu mexicano, exibindo suas alegrias aos quatro ventos, trombando nos carrinhos e soltando gritos à força do impacto. Ligeiros minutos que podiam ser estendidos ao se apresentar um novo bilhete.
Não reclamávamos da situação. Sabíamos ser pobres e só de estar naquele ambiente de luzes, sentindo o cheiro de pipoca, vendo as vermelhas maçãs do amor e quebra-queixos saindo pelas mãos dos visitantes nos confortava de um modo estranho.
Era o parque, as luzes, os sons. Tudo entrava por nossos poros. Éramos livres naquele momento, isto é o que mais importava. Estávamos longe dos olhos vigilantes e punitivos do pai e nos fazíamos um pouco homens naquele ambiente.
Não, não olhávamos as meninas, só tínhamos olhos para os brinquedos, para o desejo de entrar desapercebido em uma das cadeiras e desfrutar os curtos minutos de uma volta antes de sermos surpreendidos pelo vigilante do parque.
A noite estava agradável, a brisa nos enchia a pele de pequenas carícias que aliviavam a mão do calor. O grande desafio era a roda gigante. Eu tinha medo de altura e, assim, me sentia tranquilo de nessa hora não ter dinheiro, o que me livrava de admitir minha covardia.
Parados, meu irmão e eu, observávamos o giro longo da roda gigante. Os casais no ar, a girar, a se beijarem enquanto a roda parava por um instante seu giro, para que seus ocupantes vissem a terra do alto.
Do nada surgiu Rodrigo. Um amigo nosso de escola. Menino camarada, contrário a brigas e barulhos. Também ele olhava a roda gigante. Ao nos ver, imediatamente, se aproximou, puxou conversa e nos chamou para dar uma volta no brinquedo.
Esse momento foi doloroso. Mas, para evitar a desculpa do medo disse abertamente que não tínhamos dinheiro e só estávamos olhando o movimento. Rodeou um pouco, olhou para o brinquedo e disse que a mãe lhe dera dinheiro para andar na roda gigante e assim perder o medo de altura.
Propôs-se a pagar minha volta. Tremi nessa hora. Como dizer que não iria porque tinha medo de altura, como fazer para dizer que não poderia ajudá-lo naquilo que eu também temia. E o convite era para mim, teria de deixar meu irmão a olhar-nos da plataforma.
Então, certo de que ele diria não e eu poderia escapar da vergonha do medo, disse: "Estou com meu irmão, se ele não for, não posso ir"; havia um pouco de verdade no que eu dizia. Culpar-me-ia a vida toda caso deixasse meu irmão de fora dessa experiência.
Meu alívio durou o instante de minha fala. "Tudo bem!" respondeu Rodrigo. "Minha mãe me deu bastante dinheiro para andar quantas vezes eu quiser". Foi e comprou três bilhetes. Nunca em minha vida quis que a volta de um brinquedo demorasse tanto. Mas, a roda parou, os casais e meninos desceram e era a hora de nossa vez.
Meu irmão se aconchegou rápido no banco, sozinho, altivo, sem medo. Rodrigo e eu fomos para o outro banco. Tremíamos, os passos eram lentos e caminhávamos como condenados à morte. Sentamos, nesse momento não havia mais segredos, o medo nos irmanava e cúmplices atamos os cintos de segurança.
O giro deu seu início. Tentávamos conversar normalmente, porém, nossos queixos tremiam e a fala saía engasgada. Giramos até o alto, até o baixo e suando frio enfrentamos a experiência-medo de altura. Sem ter como descer antes do tempo, abreviávamos os minutos sorrindo e até felizes de nossa coragem, nos fazíamos ali um pouco mais homens.
Enfim, a roda parou, descemos tremendo ainda enquanto meu irmão descia todo feliz por ter andado no brinquedo. E novamente fomos três, livres, felizes, olhando a vida que se distribuía pelo parque de diversões. Nunca mais vi Rodrigo, mas ele está apegado à minha memória como um irmão que se foi, deixando atrás de si o sorriso menino de quem foi bom por um dia.
segunda-feira, 25 de novembro de 2019
Esquizofrenia
Convivo com enormes fantasmas
são todos eles quase reais,
em suas opiniões inabaláveis,
rasteiros em suas atitudes.
Travo com eles enormes batalhas
das quais nem sempre saio ganhando.
Meus amigos de longa data
surgem em suas piores versões
e imagino brigas cruéis com eles.
Enfrento a guerra nas sombras
todos eles são mudos
e só eu falo um solilóquio gigante
conduzido por minha mania
de criar inimigos onde só há paredes.
domingo, 17 de novembro de 2019
Não precisava ter acontecido.....
Aconteceu....mais uma vez a vida se esvaiu, coada por um buraco vermelho no corpo.
Era dia de ir para a escola. A mochila nas costas estava pesada de sonhos infantis, cheia de sóis amarelos, bailarinas rodopiantes e futuros imaginados. Estava cheia de si, por seus poros exalava a vida cheirosa que vêm das fantasias mais nítidas. Um mundo todo a existir e seu corpo pequenino imerso naquele calor da manhã.
A menina ia de mãos dadas com a mãe. A concha da palma da mão de mamãe trazia uma segurança morna e gostosa de sentir. Ela vivia e isso era tudo. Seu sol, mesmo nos dias difíceis, aliviava as dores, as incertezas e a menina era toda astro brilhoso, em torno do qual, girava a mãe e o pai. Mãe sol, pai lua, seu mundo ainda não necessitava de outros planetas. Era só aquela sensação gostosa de espera, que sempre terminava no final do dia, com o pai ou mãe a pegá-la pelas mãos e levá-la de volta para casa.
Mas, ainda era cedo. A menina reinava em seu mundo encantado e nada lhe prendia a imaginação.
Os estampidos não demoraram a romper as nuvens brancas em forma de um enorme rebanho de ovelhas. A menina olhava para o céu, como se ele a convidasse para evadir-se do mundo. Sentia uma enorme alegria e as nuvens roçavam seu rosto.
Logo um riozinho de sangue desceu por suas pernas. Era vermelho e quente como o sol. Não sentiu medo, afagou a mãe, sorriu e não entendeu porque ela chorava. Olhou nos olhos de mamãe e disse: "não precisa chorar, mãe, vou com as nuvens".
Sem soltar a mão da mãe, a menina navegou em seu sangue. Sentiu quando subia pelas nuvens e seu corpo esgotava-se por um pequeno furo. Não havia dor, apenas os olhos úmidos de mamãe e um mundo inteiro que desabava sobre aqueles que ficavam.
Não houve mais tempo para a menina, mas não precisava ter acontecido. Nunca precisa acontecer, os pais só querem a certeza de que filhos voltem para casa, enquanto eles esperam o tempo certo das fantasias se transformarem em sonhos.
quarta-feira, 13 de novembro de 2019
Deite comigo esta noite
Deite comigo esta noite!
Deixe o homem que conhece de fora,
esqueça seus títulos, seus pronomes de tratamento,
feche a porta atrás de suas costas
e espere encontrar nu o homem que deseja.
Ame-o com seus defeitos e suas falhas,
faça dele o que seu corpo desejar.
Deixe de espreitar a imagem pré-concebida
das paixões e devore o corpo à sua frente.
Deixe que nada mais reste além do prazer
das mãos que percorrem o corpo,
das bocas que brigam mudas num balé
ritmado de corpos em seus chiados,
suas derrapagens e seus atritos.
Não ame o homem que sonhou
ame o homem real, de carne, de ossos e de suor.
Deslize sobre seu peito desatenta
dos caminhos que sua boca possa percorrer.
Mas, antes de tudo, ame seu prazer, sua dor,
a dose de realidade que estende sob seu corpo,
cavalgue sobre o peito acelerado
e ao ritmo das batidas do coração
sinta-o ofegante parar por um instante.
Por fim, beba a dose de realidade
dos corpos que nus desabam sob o cansaço,
abraçados no mutismo da solidão
que são dois corpos após o coito.
Deixe o homem que conhece de fora,
esqueça seus títulos, seus pronomes de tratamento,
feche a porta atrás de suas costas
e espere encontrar nu o homem que deseja.
Ame-o com seus defeitos e suas falhas,
faça dele o que seu corpo desejar.
Deixe de espreitar a imagem pré-concebida
das paixões e devore o corpo à sua frente.
Deixe que nada mais reste além do prazer
das mãos que percorrem o corpo,
das bocas que brigam mudas num balé
ritmado de corpos em seus chiados,
suas derrapagens e seus atritos.
Não ame o homem que sonhou
ame o homem real, de carne, de ossos e de suor.
Deslize sobre seu peito desatenta
dos caminhos que sua boca possa percorrer.
Mas, antes de tudo, ame seu prazer, sua dor,
a dose de realidade que estende sob seu corpo,
cavalgue sobre o peito acelerado
e ao ritmo das batidas do coração
sinta-o ofegante parar por um instante.
Por fim, beba a dose de realidade
dos corpos que nus desabam sob o cansaço,
abraçados no mutismo da solidão
que são dois corpos após o coito.
segunda-feira, 11 de novembro de 2019
Liturgia dos corpos
Tiro tua roupa
como quem professa
a doce liturgia
dos entardeceres.
O mistério revela-se
e teu sexo reluz desafiador,
vivo, quente, úmido.
Sei que dessas águas
mornas não posso escapar.
Então, devoto fervoroso,
bebo das águas desse poço
numa sede de nunca acabar-se.
domingo, 10 de novembro de 2019
Sombras de Lyon
Lyon é um reflexo na poça d'água
mas chove-me por completo
em meus ossos.
Doem-me as juntas, as atrites
e as dores acumuladas
em um único corpo
reclamam ares de outros tempos.
Queria como o poeta
dizer que Lyon é apenas um retrato
pendurado na sala de visitas,
que o ímã da geladeira é só um souvenir,
mas como dói reduzir um mundo
a poucos objetos comprados
a dois euros em uma loja de Montmartre.
Indecisões
Não gosto de dias indecisos.
Ou chove ou faz sol,
mas essa intermitência
esse ir e vir de nuvens e sol
chuviscos e secas
incomoda-me imensamente.
Não posso mudar de humor
tão rapidamente como as nuvens
ou estou comodamente depressivo
ou modestamente alegre,
mas esta indecisão me mata
me põe o dia para baixo
e não sei quem sou ou quem posso ser.
Não tenho tantas máscaras
para um único dia.
terça-feira, 5 de novembro de 2019
Naquele tempo nós pulávamos o trem
Na cidade onde nasci a disposição geográfica da zona urbana estava dividida pela linha do trem. Morávamos para cima ou para baixo da linha do trem. Assim, ficávamos divididos em para cá da linha ou para lá da linha, dependendo de onde estávamos.
Sempre gostei de morar para baixo da linha do trem. A cidade me parecia mais viva, mais pulsante, embora tivesse apenas 30 mil habitantes, as pessoas de baixo era mais a minha cara, mais a minha forma de sentir a vida.
Fiquei triste quando precisamos nos mudar para a casa de meu avô. Passamos a viver na parte de cima da linha do trem. Até os meninos eram diferentes, tinham ares de riqueza e uma arrogância coletiva por estarem morando na parte de cima da linha do trem.
Rápido, porém, fiz as amizades. Mas, eram cheias de entreveros e brigas por selos de caminhão e carros que colecionávamos, brigas por bola, por brinquedos. Não havia paz naqueles corações nem disposição em travar uma real amizade.
Logo me recolhi. Confesso que também não era uma pessoa fácil, mas o pessoal da linha de baixo do trem era bem mais animada. Embora taxados de pobres, a vida para baixo da linha do trem era mais vida.
Começaram as aulas e as caminhadas. A escola ficava bem mais longe de casa e precisávamos sair bem antes do horário de entrada na escola. Meu irmão e eu éramos os companheiros daquela jornada. Ríamos, brigávamos, pensávamos a vida e o futuro. Essa intimidade anos depois seria desfeita. Na vida adulta, tornamo-nos quase desconhecidos. Mesmo assim, o respeito foi mantido e aquele pacto de infância sobre segredos nossos nunca foi quebrado e nem houve necessidade de apelos para o silêncio, nos entendíamos naturalmente.
Descobrimos que precisávamos passar a linha do trem todos os dias. Sujeitos entre duas realidades seguíamos a vida. Não pertencíamos ao grupo de cima da linha do trem e fomos excluídos do grupo de meninos da linha de baixo. Viramos estrangeiros em nossa terra. Não havia as gangues da época do meu pai, mas um silêncio violento passou a nos envolver; era como se não fôssemos mais os mesmos para aqueles meninos.
O certo é que por aquela época surgira uma nova aventura no nosso mundo infantil. Naquele tempo nós passamos a pular o trem. Como assim? Bem no horário de nossa ida à escola o trem, com seus incontáveis vagões, cortava a cidade em duas, rasgando suas entranhas com um longo apito.
Nos primeiros dias nós esperávamos o trem passar, olhando assustados aquelas pessoas saltando os intervalos entre um vagão e outro, passando bicicletas, sacolas, levantando vestidos e saias para atravessar para o outro lado. Esperando o trem, chegávamos todos os dias atrasados à escola. Não adiantava explicar em casa, tínhamos de sair no horário de sempre.
Assim, encontramos um novo prazer. Primeiro, assustados, tremendo, com medo que o trem largasse partida e nós fôssemos arrastados por ele para outras cidades e lugares desconhecidos. Depois, passamos a atravessar sem medo, quase desafiadoramente e até ficávamos tristes quando ao chegar à linha férrea, não víamos o trem por lá. Eram dias mais tristes, às vezes, compensados na volta, com trem a nos esperar. Naquele tempo nós pulávamos o trem, a terra era azul e nos banhávamos à luz do sol.
segunda-feira, 4 de novembro de 2019
quinta-feira, 31 de outubro de 2019
A última vez que vi Teresa....
A última vez que vi Teresa
ela chorava de olhos esbugalhados
e vermelhos como duas brasas vivas.
Conhecera ela a dor oculta das chegadas
que inauguram as inevitáveis partidas.
Ao contrário....
da vez primeira em que vi Teresa...
Ela ria aos potes e todo seu rosto
afundava-se num riso transbordante
como se seu rosto não tivesse limites.
Suas pernas ginastas flutuavam no ar
e eu pensei que Teresa fosse apenas pernas.
Assim, caminhei em direção a Teresa....
e de pernas para o ar é que Teresa
virou meu mundo.
Foi assim, como nos eram uma vez
A vez primeira em que vi Teresa...
sem expectativas, sem medos
sem receios das inevitáveis partidas.
ela chorava de olhos esbugalhados
e vermelhos como duas brasas vivas.
Conhecera ela a dor oculta das chegadas
que inauguram as inevitáveis partidas.
Ao contrário....
da vez primeira em que vi Teresa...
Ela ria aos potes e todo seu rosto
afundava-se num riso transbordante
como se seu rosto não tivesse limites.
Suas pernas ginastas flutuavam no ar
e eu pensei que Teresa fosse apenas pernas.
Assim, caminhei em direção a Teresa....
e de pernas para o ar é que Teresa
virou meu mundo.
Foi assim, como nos eram uma vez
A vez primeira em que vi Teresa...
sem expectativas, sem medos
sem receios das inevitáveis partidas.
quinta-feira, 17 de outubro de 2019
Tempos sombrios
Uma noite a mais
um dia a menos
no calendário dos compromissos.
De mãos dadas
veem o tempo passar,
as certezas se diluírem
e o armário de sombras
a crescer-lhes dentro do peito.
Somos aqueles
Somos aqueles que se desencontraram
que não tomarão café juntos
nem compartilharão a cama pela manhã.
Somos aqueles a quem a vida
[ou nós, quem vai saber]
dissemos não às possibilidades e aos medos.
Somos aqueles que não andarão de mãos dadas
nem trocarão carícias ao cair da tarde,
que não disputarão a última fatia de pão sobre a mesa.
Somos aqueles que não brigarão pela disposição
dos pratos nem divagarão sobre o tubo de creme dental.
Somos aqueles que não contemplarão a lua
nem saberão do calor dos abraços nas noites frias,
que dormirão à espera do milagre.
Somos aqueles que não compartilharão as leituras
nem discutirão por bobagens para se reconciliar depois.
Somos aqueles que não enviarão flores nos dias dos namorados
nem darão presentes no Natal ou trocarão chocolates na Páscoa.
Somos aqueles a quem a chegada já trazia o sabor das despedidas
e dos inevitáveis desgastes dos adeuses.
Somos aqueles que ficarão no passado
e que apenas à sombra da memória
distribuirão beijos e carícias.
Mas, sobretudo somos aqueles a quem
as palavras de amor foram insuficientes
diante das tragédias da vida.
que não tomarão café juntos
nem compartilharão a cama pela manhã.
Somos aqueles a quem a vida
[ou nós, quem vai saber]
dissemos não às possibilidades e aos medos.
Somos aqueles que não andarão de mãos dadas
nem trocarão carícias ao cair da tarde,
que não disputarão a última fatia de pão sobre a mesa.
Somos aqueles que não brigarão pela disposição
dos pratos nem divagarão sobre o tubo de creme dental.
Somos aqueles que não contemplarão a lua
nem saberão do calor dos abraços nas noites frias,
que dormirão à espera do milagre.
Somos aqueles que não compartilharão as leituras
nem discutirão por bobagens para se reconciliar depois.
Somos aqueles que não enviarão flores nos dias dos namorados
nem darão presentes no Natal ou trocarão chocolates na Páscoa.
Somos aqueles a quem a chegada já trazia o sabor das despedidas
e dos inevitáveis desgastes dos adeuses.
Somos aqueles que ficarão no passado
e que apenas à sombra da memória
distribuirão beijos e carícias.
Mas, sobretudo somos aqueles a quem
as palavras de amor foram insuficientes
diante das tragédias da vida.
sexta-feira, 11 de outubro de 2019
O riso
O riso
é a expressão dolorosa do tempo
em que havia motivos para sorrir.
Deitado, contemplo o nada
e um rictus desenha sobre o espelho
de minha face
o lastro de um tempo intangível
que só avança, desenrolando
o novelo de minha vida,
esticando cada vez mais o longo
fio de Ariadne.
domingo, 6 de outubro de 2019
Reflexos
Sou um grito surdo no meio da noite.
Paulo Honório ouve pios de coruja,
Bentinho vê os olhos de Escobar
e me pergunto de quem herdei
a mania de ouvir passos no escuro
e ver vultos detrás das cortinas?
Sondo a mim mesmo no jogo
silencioso dos reflexos.
quarta-feira, 25 de setembro de 2019
Onde está Ágatha+***
Onde o brilho de seu olhar
a luz de seu sorriso
o amor de seus (a)braços?
Tudo se foi
e não sei onde está.
Onde os sonhos
onde o futuro
onde os planos ainda nem feitos?
Onde a mulher
que nunca existirá?
Onde os filhos inexistentes
os sonhos de família
a profissão perdida?
Onde está Ágatha
que à força do pesadelo
não pôde se prender à vida?
Onde está o sonho amarelo
que explodiu à força de um projétil?
a luz de seu sorriso
o amor de seus (a)braços?
Tudo se foi
e não sei onde está.
Onde os sonhos
onde o futuro
onde os planos ainda nem feitos?
Onde a mulher
que nunca existirá?
Onde os filhos inexistentes
os sonhos de família
a profissão perdida?
Onde está Ágatha
que à força do pesadelo
não pôde se prender à vida?
Onde está o sonho amarelo
que explodiu à força de um projétil?
segunda-feira, 23 de setembro de 2019
O que sobra de nós...
O que nos faz mais ou menos,
quais as máscaras que vestimos,
quem somos de verdade
quando se apagam as luzes?
Quem somos quando tiramos a roupa,
guardamos os diplomas na gaveta,
quando tiramos a maquiagem,
o perfume e as meias rasgadas?
O que sobra de nós depois do pó de arroz
social que nos encobre a face,
da cama no quarto escuro
da noite no vazio da solidão?
O que resta de nós quando sozinhos
nos olhamos no espelho,
e voltamos a ser nós mesmos
de pura face perdida no olhar?
quais as máscaras que vestimos,
quem somos de verdade
quando se apagam as luzes?
Quem somos quando tiramos a roupa,
guardamos os diplomas na gaveta,
quando tiramos a maquiagem,
o perfume e as meias rasgadas?
O que sobra de nós depois do pó de arroz
social que nos encobre a face,
da cama no quarto escuro
da noite no vazio da solidão?
O que resta de nós quando sozinhos
nos olhamos no espelho,
e voltamos a ser nós mesmos
de pura face perdida no olhar?
quinta-feira, 29 de agosto de 2019
Ninguém nos espera
Ninguém nos espera
do outro lado da vida
nem do outro lado do telefone.
Não há espera
só expectativas
e não cabe a ninguém
atendê-las, nem aqui
nem do outro lado
seja do mundo
seja do universo
seja do outro lado da rua.
Estamos sós
e é só o que importa.
quarta-feira, 28 de agosto de 2019
No meio do caminho
Não me achei em mim
nem em ti
e nessa fuga desesperadora
de mim
encontrei-te [vazia]
no meio do caminho.
É no meio do caminho
que não sei onde me perdi
só sei que te encontrei
numa rua [nua]
e no meio do caminho
entre o bar e a padaria
entre o café e o pão
assim vi
você no meio do caminho
de nossas insossas
existências.
Mínimas
Poetizei-me
e depois de escandido
restaram-me só meus versos
partidos.
A coisa está preta
nem por isso vou branquear-me
para caber no teu céu.
Sou muita cor
para caber no teu
papel branco
de preconceitos.
segunda-feira, 26 de agosto de 2019
Lágrima
O que é a lágrima
senão essas duas lâminas
a cortar-me a face?
Uma lágrima nunca está só,
desce duplamente vincando
a face pelos extremos.
Lágrima, teu mar salgado
não me mata a sede
tuas águas não me iluminam
o rosto.
sexta-feira, 23 de agosto de 2019
O eu do outro lado do rio
Do outro lado da margem me encontro
sempre neste alheamento do eu,
que gera a resistência em atravessar
esse rio de possibilidades.
Do outro lado estou a postos
na breve necessidade de lutar.
E estou pronto à luta
mas, com unhas e dentes afiados
nego a travessia, nego a outra margem.
Tenho medo do que me diga
o outro eu a quem alienei.
No entanto, o outro eu
é todo rio, é todo margem, é todo fluir
e eu observo o outro na margem oposta
como quem receia da profundidade
e tem medo que o rio não dê pé.
quinta-feira, 22 de agosto de 2019
Rhône
O rio seguia caudaloso
imenso, impetuoso,
serpenteando sua cauda
docemente silencioso.
Mas era o rio, apenas o rio
sendo ele mesmo
indiferente aos meus olhos,
que fluíam seguindo
a correnteza daquele azul-esverdeado.
O rio assustado
recolheu-se ao meu olhar
e flui emoldurado em meu cérebro.
Impossível apagá-lo,
impossível esquecê-lo.
quarta-feira, 21 de agosto de 2019
Corpo
Teu corpo é um mar de esperanças
uma saudade de viagens noturnas
de gozo de auroras,
mas também é mar revolto
de naufrágios inevitáveis.
Teu corpo é essa cidade de corais
onde encalhei meus olhos viajantes.
sábado, 17 de agosto de 2019
Isqueiro
Bato com os dedos a pedra do isqueiro
e vejo brilhar um mar de ilusões.
Deslumbrantes luzes brilham na chama azul
e perguntam quem sou, se sou um violento
aventureiro queimado pela chama da ilusão,
essa ilusão que mansa e sorrateira rouba o brilho
de uns olhos também em chamas
consumindo a alma de terrores.
Brilha nessa chama um mar de detritos
recolhidos pelo caminho
a queimar-me o peito em nome da saudade.
Ainda não retornei à casa e a chama azul
deste isqueiro me queima a alma
devorando num incêndio
as dores da partida inusitada.
Bato a pedra do isqueiro
e mais uma vez sinto
que a vida se me consome na chama
de um brilho azul que reclama
o oxigênio de minha alma.
quinta-feira, 15 de agosto de 2019
Maringá, capital nacional do escorregador de papelão
Há pouco tempo discutia-se na cidade de Maringá qual seria o prato típico. Discussões não muito acaloradas decidiram pelo "dogão prensado". Confesso que não vi muito sentido, mas vá lá, cada um sabe onde lhe aperta o pé.
Para mim, o que representa o maringaense é o papelão para escorregar ao redor da elevação onde está o estádio de futebol Willi Davis. Famílias inteiras se reúnem aos sábados, domingos, feriados, e também nos fins de tarde para escorregar sobre o papelão.
Alguns trazem o apetrecho de casa. Debaixo do braço chegam as caixas de papelão que logo são rasgadas e transformadas em pranchas para descer a encosta. Mulheres, jovens, crianças, adolescentes, todos disputando espaço para escorregar.
A atividade é um espetáculo. Alguns comem um pouco de grama, o papelão escapa no meio do caminho e saem com a bunda suja de terra e grama, outros trazem papelões maiores e seguram as pontas com as mãos fazendo uma espécie de carrinho que lhes guia na descida, há quem desça de peito, enfim, a descida é livre.
Pais levam seus filhos bem pequenos e os incentivam a perder o medo da descida. Descem juntos, ficam embaixo agitando os braços e dizendo: "vem" e quando o filho desce todos aplaudem. São felizes com um pedaço de papelão e isso faz o maringaense de modo natural, sem classe social específica ou luxo qualquer. Todos irmanados na mesma brincadeira e ali a felicidade simples reina.
Isso prova para nós que além dos luxos de celulares caros, brinquedos eletrônicos, tablets, Iphones, tudo isso é dispensável. O maringaense sabe ser feliz com pouco e aqui não vai nenhum preconceito na afirmação, apenas a constatação de que a felicidade pode reduzir-se a um pedaço de papelão trazido de casa ou emprestado a alguém que acabou de descer.
Fica, então, o convite para a descida. Escolha a sua caixa de papelão, o lado da encosta favorita, afinal há morro do dois lados do estádio e faça sua descida, é grátis e o sorriso de felicidade no rosto das pessoas é impagável.
Para mim, o que representa o maringaense é o papelão para escorregar ao redor da elevação onde está o estádio de futebol Willi Davis. Famílias inteiras se reúnem aos sábados, domingos, feriados, e também nos fins de tarde para escorregar sobre o papelão.
Alguns trazem o apetrecho de casa. Debaixo do braço chegam as caixas de papelão que logo são rasgadas e transformadas em pranchas para descer a encosta. Mulheres, jovens, crianças, adolescentes, todos disputando espaço para escorregar.
A atividade é um espetáculo. Alguns comem um pouco de grama, o papelão escapa no meio do caminho e saem com a bunda suja de terra e grama, outros trazem papelões maiores e seguram as pontas com as mãos fazendo uma espécie de carrinho que lhes guia na descida, há quem desça de peito, enfim, a descida é livre.
Pais levam seus filhos bem pequenos e os incentivam a perder o medo da descida. Descem juntos, ficam embaixo agitando os braços e dizendo: "vem" e quando o filho desce todos aplaudem. São felizes com um pedaço de papelão e isso faz o maringaense de modo natural, sem classe social específica ou luxo qualquer. Todos irmanados na mesma brincadeira e ali a felicidade simples reina.
Isso prova para nós que além dos luxos de celulares caros, brinquedos eletrônicos, tablets, Iphones, tudo isso é dispensável. O maringaense sabe ser feliz com pouco e aqui não vai nenhum preconceito na afirmação, apenas a constatação de que a felicidade pode reduzir-se a um pedaço de papelão trazido de casa ou emprestado a alguém que acabou de descer.
Fica, então, o convite para a descida. Escolha a sua caixa de papelão, o lado da encosta favorita, afinal há morro do dois lados do estádio e faça sua descida, é grátis e o sorriso de felicidade no rosto das pessoas é impagável.
Ao meu perdido avô africano
De que argamassa foram feitos teus braços
que não puderam abraçar teus netos?
Por que te perdeste na árvore genealógica
e teu sopro nunca alevantou
as mechas dos cabelos das crianças?
Ah.... pedaço de pau preto
foste excluído das conversas alegres,
restando-lhe o burburinho das vozes cegas
sussurradas aos ouvidos.
Quando te escapaste dessas armadilhas
e pousou tua biografia escura em meus ouvidos?
Não sei de que matéria foste feito
apenas sei que um dia brilhou tua pele negra
e como aurora de sorriso largo,
que nunca vi, iluminou a pele
que estico sobre meus ossos.
A este avô não biográfico
é que canto meus versos vazios
do verniz que brilha
no ébano de minhas origens.
quinta-feira, 8 de agosto de 2019
Sobre o desespero
Tento sair de meu invólucro,
mas as correntes que me prendem
são pesadas demais.
Sigo encarcerado
em mim
e sou um carcereiro cruel
que a nada perdoa
por mais que me doa.
Daí, vem esse meu olhar
de desespero.
Herança familiar
marcada a ferro quando nasci.
Reforçada a cada vacina que tomei,
a cada remédio que engoli
para me tornar este corpo,
que carrega consigo
o olhar desesperado
de quem ainda não compreendeu
a que veio neste mundo.
quarta-feira, 7 de agosto de 2019
Mão dupla
Entre idas e vindas
nesse vaivém temeroso
há o sonho de não regressar,
estacionar no tempo
pedir licença aos relógios
e interromper seus ponteiros.
No ir e vir há perdas irreparáveis
e medos constantes de receios.
Mas, continuo indo [ou vindo]
inerte corpo que desconhece
da volta o seu sentido.
domingo, 4 de agosto de 2019
Despedida
Ambos estavam ansiosos.
O ônibus como sempre estava atrasado no terminal de Curitiba. Havia várias pessoas impacientes na plataforma de embarque e, indiferentes ao casal, nem imaginavam, que os dois desfrutavam cada minuto de atraso. Se fosse em outra situação, talvez, tivessem pressa, mas agora não, era diferente.
O moço acercou-se à namorada e a envolveu em um abraço de serpente, ela sentiu sufocar um pouco, mas precisava daquela força para resistir à ideia da partida e aos fantasmas que viriam juntos com a distância. Sentiu que o coração dele acelerava. Era a certeza do amor.
Mal sabiam eles que a distância seria o término em suspenso naquele dia fatigante na rodoviária. O amor não resistiria ao adeus ou ao meio adeus, misturados às promessas de volto logo, eu vou te ver e outras formas de iludir a dor e a tristeza.
Se fumasse, o moço estaria trocando um cigarro pelo outro. Mas, não fuma, aspira lentamente o odor que exala do cabelo da namorada; não quer perder o cheiro que o agradava tanto quando era deixado por ela no travesseiro logo pela manhã. Várias vezes trocou seu travesseiro pelo da namorada, para guardar consigo o cheiro que sairia pela ruas, longe de suas mãos.
Agora era diferente. O clima frio, a garoa, a solidão que se aproximava. A cada instante estiravam ainda mais a corda do tempo. O ônibus poderia não vir, mas ele veio. O motorista começou a dança dos braços para encaixar a frente na plataforma correta.
O silêncio precisava ser quebrado, romper a barreira da boca e converter-se em signos compreensíveis para os dois.
Enfim, falam desconexamente.
- Eu volto, espere-me, eu voltarei. Não é para tanto.
- Sim, eu sei, mas dói essa coisa de despedida.
- É temporário, eu volto.
- Então, tá. Vou esperar.
- Então, é isso...
- Sim, é isso....
O ônibus se aproxima ainda mais da plataforma encaixando-se perfeitamente.
O estômago retorce-se em mil e um nó na garganta impede novas palavras.
A moça vigia as malas, enquanto ele mostra o bilhete ao condutor.
Abraçam-se de novo, novas promessa, novos beijos... a impaciência do motorista.
Chega de adeuses, não é o fim do mundo, talvez, o fim de nosso mundo (mas, eles ainda não sabiam disso), que mal começava e já apresentava traços de corrosão no canto dos lábios que arqueavam sobre o queixo.
-Tem certeza? Você volta?
- Sim, eu volto....
Tudo ficou suspenso no ar. O vazio, a solidão de novo a preencher a ausência de um corpo. Ele ainda olha pela janela, procura sorrir, acena tristemente, enquanto o outro corpo vigia, até onde os olhos alcançam, o ônibus que parte só com passagem de ida, sem data certa de retorno.
O tempo que cuidará do resto, começa a corroer os laços, as promessas e até os corpos. Mas, eles ainda não sabem disso
O ônibus como sempre estava atrasado no terminal de Curitiba. Havia várias pessoas impacientes na plataforma de embarque e, indiferentes ao casal, nem imaginavam, que os dois desfrutavam cada minuto de atraso. Se fosse em outra situação, talvez, tivessem pressa, mas agora não, era diferente.
O moço acercou-se à namorada e a envolveu em um abraço de serpente, ela sentiu sufocar um pouco, mas precisava daquela força para resistir à ideia da partida e aos fantasmas que viriam juntos com a distância. Sentiu que o coração dele acelerava. Era a certeza do amor.
Mal sabiam eles que a distância seria o término em suspenso naquele dia fatigante na rodoviária. O amor não resistiria ao adeus ou ao meio adeus, misturados às promessas de volto logo, eu vou te ver e outras formas de iludir a dor e a tristeza.
Se fumasse, o moço estaria trocando um cigarro pelo outro. Mas, não fuma, aspira lentamente o odor que exala do cabelo da namorada; não quer perder o cheiro que o agradava tanto quando era deixado por ela no travesseiro logo pela manhã. Várias vezes trocou seu travesseiro pelo da namorada, para guardar consigo o cheiro que sairia pela ruas, longe de suas mãos.
Agora era diferente. O clima frio, a garoa, a solidão que se aproximava. A cada instante estiravam ainda mais a corda do tempo. O ônibus poderia não vir, mas ele veio. O motorista começou a dança dos braços para encaixar a frente na plataforma correta.
O silêncio precisava ser quebrado, romper a barreira da boca e converter-se em signos compreensíveis para os dois.
Enfim, falam desconexamente.
- Eu volto, espere-me, eu voltarei. Não é para tanto.
- Sim, eu sei, mas dói essa coisa de despedida.
- É temporário, eu volto.
- Então, tá. Vou esperar.
- Então, é isso...
- Sim, é isso....
O ônibus se aproxima ainda mais da plataforma encaixando-se perfeitamente.
O estômago retorce-se em mil e um nó na garganta impede novas palavras.
A moça vigia as malas, enquanto ele mostra o bilhete ao condutor.
Abraçam-se de novo, novas promessa, novos beijos... a impaciência do motorista.
Chega de adeuses, não é o fim do mundo, talvez, o fim de nosso mundo (mas, eles ainda não sabiam disso), que mal começava e já apresentava traços de corrosão no canto dos lábios que arqueavam sobre o queixo.
-Tem certeza? Você volta?
- Sim, eu volto....
Tudo ficou suspenso no ar. O vazio, a solidão de novo a preencher a ausência de um corpo. Ele ainda olha pela janela, procura sorrir, acena tristemente, enquanto o outro corpo vigia, até onde os olhos alcançam, o ônibus que parte só com passagem de ida, sem data certa de retorno.
O tempo que cuidará do resto, começa a corroer os laços, as promessas e até os corpos. Mas, eles ainda não sabem disso
sábado, 3 de agosto de 2019
Os pés da morte
Já tive os dois pés. Minha família pode confirmar. Os meninos sabem o tanto que andei por esta cidade. Marcar consulta para uns, cuidar da minha sogra, aguentar minha mãe e, às vezes, mas só de vez em quando, dar-lhe uns safanões.
Era requerida por todos e a todos eu estendia minha mão. Tinha um prazer mórbido pelos doentes da família e até dos vizinhos que precisassem de mim.
Acho que a morte de minha mãe me trouxe a culpa. Fazer o quê? A vida se melindra em algumas situações.
Meu estado atual não é bem culpa dela. Herdei, porém, um diabetes desgraçado que me assolou desde a tenra juventude.
Quase fui mãe. A criança, ainda não totalmente formada no ventre declinou da vida. Evitou carregar o mesmo peso que eu e se foi. O filhos que não tive, a vida me devolveu nos meus meninos (primos mais jovens, sobrinhos que herdei de meu amásio e de minhas irmãs). O diabetes não deixou que a maternidade visitasse minha porta.
Estou viva e isso é um percalço no meu destino.
Voltando aos meus pés, que os deixei lá atrás. Utilizei-os ao desgaste máximo. Agora estão aqui pela metade. O que prova que duas metades não fazem um pé. Tenho metade de cada um dos pés, mas isso não me faz andar melhor nem pior. O plano falhou.
Desde jovem, sabendo do meu diabetes e sabendo-me morta desde o nascimento (o pai resolvera aplicar um golpe ao sogro e a outros desavisados e vendeu vários bens que ajudariam a pagar o velório da filha natimorta), resolvi acabar com minha vida pela boca. Abusei de todos os açúcares e não feliz ajuntei-me a um dono de bar. Minha cota de cachaça eu comia em doces.
Um belo dia, sem estar morta, descobri que o diabetes estava na estratosfera e precisava me cuidar, o que não sabia é que metade de meu pé direito estava morto, um simples arranhão de gato penetrou a pele e devorou todas as células da extremidade. Uma cirurgia e lá se foi metade de um pé, meses depois e sem melhoras, foi-se a outra metade, agora do pé esquerdo.
Mesmo aqui nessa cadeira de rodas e morta por antecipação, acompanhei aos velórios de um sobrinho, minha sogra e mais dois tios. Meus pés agora andam pouco, mas pude ver cada um dos féretros.
Se meu objetivo era a morte, ela veio, chegou aos poucos e vejo-a devorando-me pelos pés, esses, ou melhor, essas duas metades de pés, que tinham enterrado a tantos, agora me enterram lentamente na vida que se passa diante de minha cadeira de rodas. Não que fique nela o tempo todo.
Caminho pouco e lentamente, assim vou imitando a morte que desde cedo se negou e me levar. Quem sabe meus pés, mesmo cotocos, ainda enterrem muita gente. E nisso vou fazendo-me sócia da indesejável dos homens.
sábado, 27 de julho de 2019
As noites
Aqui as noites são longas
loucas desvairadas
e eu contorço-me na cama
acompanhado da insônia,
esta amante insaciável das horas.
A noite salta diante de meus olhos
e seu breu me alucina.
Lobo aceso atrás do cio louco
remexo-me na cama ensandecido.
As mão se descontrolam,
o corpo entra em convulsões
estranhamente conhecidas
e busco, amante, a flor em combustão
que me queima as horas.
sexta-feira, 26 de julho de 2019
Primeiros passos
Sobre a linha da imaginação equilibra-se a menina,
bracinho para cá, bracinho para lá e pernas oscilantes
desdenhavam da linha imaginária de seu destino.
Ainda inocente da vida, sua única preocupação
era equilibrar-se para não cair seu cão de pelúcia.
E o respeitável público dos pais
segurava o fôlego diante de tamanha ousadia
daquela que há poucos dias chorava para não descer
do seguro colo que a mantinha.
Em um extremo: a mãe, no outro extremo: o pai
ambos esticando as cordas do coração.
Anjos no porta-retrato
- Papai, o que é isso?
-Um anjo filha.
-Mas o que ele faz aí?
- Não sei filha! Deve estar voando - [fala um pouco com desdém].
- Não, pai, olha para mim! [muito insistente]. Esse aqui na foto, com asas brancas e um vestido creme.
- Ah...esse aí, no porta-retrato...Deve estar protegendo as pessoas que ficaram presas dentro da moldura.
- Mas, os anjos não ficam na igreja, papai?
- Acho que ficam. Mas, papai está ocupado agora.
- Ah, pai, olha aqui...que é isso nas costas dele?
- São asas, filha. Os anjos têm asas - [pelo menos foi assim que me ensinaram].
- Mas, por que eles não voam? Ficam aí parados? [momento show da Luna e suas intermináveis perguntas]
Pois é, filha...quem explica isso? [no fundo está extremamente irritado, mas responde à filha com o máximo de serenidade possível].
- Não sei filha, papai está ocupado, brinca um pouco.
- Tá bom, papai. [o que pode ser um estou livre para fazer tudo].
Alguns minutos depois o pai resolve olhar o que a filha está fazendo. Ao entrar no quarto, os anjos do porta-retrato estão com chifres e as asas quebradas.
-Eles não voam mais, papai.
-Ah...estou vendo, estão sem asas. Eles viraram diabinhos...mas tudo bem, depois explicamos à sua mãe o acontecido. Eram só anjos no porta-retrato. Vamos brincar...
-Agora não quero, papai, vou ficar aqui no meu quarto.
- Está bem, mas deixe os anjos em paz. [no fundo nunca quis punir a filha, mas neste dia estava se segurando ao máximo para evitar as palmadas nas mãos ou no bumbum].
Nova volta, novas atividades frente ao computador...... hora de olhar a criança e ver o que ela está aprontando.
- Não bate em mim, papai, só estava brincando.
Quando o pai olha o retrato, os anjos não estão mais ali, foram arrancado pelas pequenas mãos da criança e estão no chão sem as cabeças.
- Tudo bem, papai?
- Sim, tudo bem. Vamos limpar isso antes de sua mãe chegar.
- Mas, eu quero brincar.
- Está bem filha, vamos recolher isso e depois brincamos.
- "Cuida eu", quero atenção, papai, ninguém brinca comigo. [o lamento é sincero e, realmente, a entendo, não é fácil viver em um ambiente de adultos, sem nenhuma outra criança por perto. Quantos de nós já não arrancaram as asas dos anjos? Só para pedir um pouco de atenção?].
- Já brinco, meu amor, espera um pouco.
Com os anjos fora do porta-retrato, o pai bola um maneira de explicar o acontecido à mãe quando chegasse em casa. Isso era o mais seguro, evitar que além dos anjos, o porta-retrato também fosse para o lixo. Afinal, ele custou caro e a perda dos anjos seria suficiente para o mar de asneiras a escutar. Melhor preservar pelo menos a moldura, que agora estava levemente alterada, expondo a cola usada para fixá-los nas bordas.
Pai e filha, cúmplices do delito começam as limpar a sujeira.
-Pai, os anjos não ficam na Igreja?
- Ficam sim, filha! Lembra-se deles no dia que fomos à Missa?
- Lembro sim. Eles ficam cuidando de nós.
- Então...vamos dizer à sua mãe que eles voaram para a Igreja. Quem sabe uma chamada para ir à Missa, faça que ela esqueça o porta-retrato. Ou melhor [ cara de quem pede cumplicidade], deixaremos o porta-retrato longe do alcance dela, assim quando descobrir, terão passado dias e a bronca terá esfriado e ficará sem sentido.
- Boa ideia, papai....vamos mostrar para o pessoal no canal? Para eles verem como ficou o porta-retratos?
- Sim, filha. Vamos.
Em gestos, caras e bocas, a pequena anuncia o episódio do dia no canal imaginário que ela tem no Youtube, pedindo likes e cliques no sininho para que possam segui-la.
Enquanto isso, os anjos que partiram em debandada do porta-retrato, olham sorridentes para a pequena youtuber, que ao lado de seu pai, dança e se exibe frente ao espelho, que se converte em câmera filmadora.
- "Até a próxima pessoal, não esqueça de dar like e marcar o sininho". "Bora lá".
-Um anjo filha.
-Mas o que ele faz aí?
- Não sei filha! Deve estar voando - [fala um pouco com desdém].
- Não, pai, olha para mim! [muito insistente]. Esse aqui na foto, com asas brancas e um vestido creme.
- Ah...esse aí, no porta-retrato...Deve estar protegendo as pessoas que ficaram presas dentro da moldura.
- Mas, os anjos não ficam na igreja, papai?
- Acho que ficam. Mas, papai está ocupado agora.
- Ah, pai, olha aqui...que é isso nas costas dele?
- São asas, filha. Os anjos têm asas - [pelo menos foi assim que me ensinaram].
- Mas, por que eles não voam? Ficam aí parados? [momento show da Luna e suas intermináveis perguntas]
Pois é, filha...quem explica isso? [no fundo está extremamente irritado, mas responde à filha com o máximo de serenidade possível].
- Não sei filha, papai está ocupado, brinca um pouco.
- Tá bom, papai. [o que pode ser um estou livre para fazer tudo].
Alguns minutos depois o pai resolve olhar o que a filha está fazendo. Ao entrar no quarto, os anjos do porta-retrato estão com chifres e as asas quebradas.
-Eles não voam mais, papai.
-Ah...estou vendo, estão sem asas. Eles viraram diabinhos...mas tudo bem, depois explicamos à sua mãe o acontecido. Eram só anjos no porta-retrato. Vamos brincar...
-Agora não quero, papai, vou ficar aqui no meu quarto.
- Está bem, mas deixe os anjos em paz. [no fundo nunca quis punir a filha, mas neste dia estava se segurando ao máximo para evitar as palmadas nas mãos ou no bumbum].
Nova volta, novas atividades frente ao computador...... hora de olhar a criança e ver o que ela está aprontando.
- Não bate em mim, papai, só estava brincando.
Quando o pai olha o retrato, os anjos não estão mais ali, foram arrancado pelas pequenas mãos da criança e estão no chão sem as cabeças.
- Tudo bem, papai?
- Sim, tudo bem. Vamos limpar isso antes de sua mãe chegar.
- Mas, eu quero brincar.
- Está bem filha, vamos recolher isso e depois brincamos.
- "Cuida eu", quero atenção, papai, ninguém brinca comigo. [o lamento é sincero e, realmente, a entendo, não é fácil viver em um ambiente de adultos, sem nenhuma outra criança por perto. Quantos de nós já não arrancaram as asas dos anjos? Só para pedir um pouco de atenção?].
- Já brinco, meu amor, espera um pouco.
Com os anjos fora do porta-retrato, o pai bola um maneira de explicar o acontecido à mãe quando chegasse em casa. Isso era o mais seguro, evitar que além dos anjos, o porta-retrato também fosse para o lixo. Afinal, ele custou caro e a perda dos anjos seria suficiente para o mar de asneiras a escutar. Melhor preservar pelo menos a moldura, que agora estava levemente alterada, expondo a cola usada para fixá-los nas bordas.
Pai e filha, cúmplices do delito começam as limpar a sujeira.
-Pai, os anjos não ficam na Igreja?
- Ficam sim, filha! Lembra-se deles no dia que fomos à Missa?
- Lembro sim. Eles ficam cuidando de nós.
- Então...vamos dizer à sua mãe que eles voaram para a Igreja. Quem sabe uma chamada para ir à Missa, faça que ela esqueça o porta-retrato. Ou melhor [ cara de quem pede cumplicidade], deixaremos o porta-retrato longe do alcance dela, assim quando descobrir, terão passado dias e a bronca terá esfriado e ficará sem sentido.
- Boa ideia, papai....vamos mostrar para o pessoal no canal? Para eles verem como ficou o porta-retratos?
- Sim, filha. Vamos.
Em gestos, caras e bocas, a pequena anuncia o episódio do dia no canal imaginário que ela tem no Youtube, pedindo likes e cliques no sininho para que possam segui-la.
Enquanto isso, os anjos que partiram em debandada do porta-retrato, olham sorridentes para a pequena youtuber, que ao lado de seu pai, dança e se exibe frente ao espelho, que se converte em câmera filmadora.
- "Até a próxima pessoal, não esqueça de dar like e marcar o sininho". "Bora lá".
quinta-feira, 25 de julho de 2019
Diálogo Insólito
Sou de extrema.....
Direita ou esquerda?
Tanto faz [....]
Tudo depende do ângulo
que me vês.
Sou de direita quando me olhas
aí de onde estás.
Mas, se ocupares meu lugar
[por um instante que seja]
sou de esquerda.
Enfim, sou de extremas
porém, posso ser de centro,
e antes que me perguntes
[só digo]
depende de onde me vês.
Sou de centro esquerda ou direita,
tudo é uma questão ponto de vista.
E nessas questões, prefiro não opinar.
Temores
Ainda temo estar certo,
vivo nas desconfianças
porque certeza mesmo
ninguém tem.
Ainda temo estar errado,
vivi de certezas
até saber que elas não existiam.
Ainda temo não saber
nada disso que eu disse
mas, a vida é assim:
uma eterna (in)certeza.
vivo nas desconfianças
porque certeza mesmo
ninguém tem.
Ainda temo estar errado,
vivi de certezas
até saber que elas não existiam.
Ainda temo não saber
nada disso que eu disse
mas, a vida é assim:
uma eterna (in)certeza.
sábado, 20 de julho de 2019
Sobre o caminho
Para quem carrega um peso,
qualquer caminho se alonga.
Um pedrisco logo vira pedregulho
para em seguida ser ROCHA
e por fim, MONTANHA
INTRANSPONÍVEL
sexta-feira, 19 de julho de 2019
Olhar
Tem um olhar em algum lugar
que terrivelmente me desnuda.
Estou sem roupas, nu diante do mundo
a rir de mim.
A menos não há mais nada
a esconder ou ocultar,
Sou apenas o corpo que segue
rumo ao seu fim.
que terrivelmente me desnuda.
Estou sem roupas, nu diante do mundo
a rir de mim.
A menos não há mais nada
a esconder ou ocultar,
Sou apenas o corpo que segue
rumo ao seu fim.
Amarelinha
A vida crava em mim suas unhas
arrastando-me pelas ruas, vielas,
avenidas e becos sem saída.
Cansei de resistir
não atento mais a mim [contra mim]
sigo e não questiono
respiro o ar a dentadas
como se estivesse faminto
Avanço nessa amarelinha saltitando:
um pé, dois pés, um pé
e chego ao Céu
não sem antes ter passado
pelo INFERNO
arrastando-me pelas ruas, vielas,
avenidas e becos sem saída.
Cansei de resistir
não atento mais a mim [contra mim]
sigo e não questiono
respiro o ar a dentadas
como se estivesse faminto
Avanço nessa amarelinha saltitando:
um pé, dois pés, um pé
e chego ao Céu
não sem antes ter passado
pelo INFERNO
quinta-feira, 18 de julho de 2019
Me segura, que vou dar um troço
Marido e mulher há anos juntos, pode-se dizer, casados, esposa e esposo sempre tem suas picuinhas, suas miudezas que azedam o dia ou até uma semana.
No andar de cima do prédio onde moro, conheço um casal que tem brigas gigantes por pequenos temas e, não raro, voa algum pires ou alguma porta é batida com estrondo. Ambos em um diálogo extremo levado aos extremismos.
A última arenga foi a polêmica quanto à palavra "enfarto" ou "infarto". Digladiaram por dias a respeito do assunto. Cada qual com sua razão e seu rancor. Buscaram dicionários: novos e antigos, fora de uso, foram ao latim, à filologia românica, só para não terem de dar o braço a torcer. O fato é que um ficou com o enfarto e a outra com o infarto.
Pela manhã, à mesa, e protegidos pela fumaça que levantava de suas xícaras de café, eles rangiam entre dentes: "enfarte" - "infarte" e saíam ambos azedos da mesa do café da manhã. Ele não se despedia para ir caminhar e ela fingia falar com uma amiga ao celular, tudo por causa de um enfarte...ou infarte....
Esta manhã, seu Luis enfartou. Foi um deus nos acuda. Ele caído ao chão, com a mão no peito, urrando de dor, pedia que ela ligasse ao corpo de bombeiros, à ambulância, ao diabo que fosse, que ele estava enfartando. 'Chame o médico, estou enfartando', 'Calma homem, é só um infarte', 'Enfarte', 'Não, é só um 'infarte', 'deixe disso, mulher. Chame o médico'.
Havia um prazer sórdido no olhar da mulher, que sentia seus lábios crispados pela vingança. Olhava-o sem dó nem piedade, devorando cada colherada daquela sopa fria da vingança. Seus olhos brilhavam e ela sentia-se encantadora. Até pensou na encomenda de um vestido preto para o luto triunfal.
'É só um infarte, não faça escândalos'. 'Está bem, estou INFARTANDO', gritou a todos pulmões. Nisso, a mulher despertou do transe e desesperou, bateu à porta dos vizinhos, ligou aos berros ao corpo de bombeiros, ficou só frangalhos.
Deitada sobre o corpo do marido ela chorava a partida de seu velho de discussões. Chorava copiosamente e sem vergonha alguma diante dos vizinhos atônitos, que até pouco tempo antes, com os ouvidos colados às paredes ouviam o derradeiro debate.
Ao final do dia seguinte, recebendo os familiares e as visitas pelo luto, ela solenemente declarou: "Ele morreu de enfarte, um homem tão bom, meu Luis".
quarta-feira, 17 de julho de 2019
Desertos
Quanto de deserto cabe em um homem?
Quanto de solidão cabe no deserto (em mim)
e no homem que enfrenta o deserto?
A ampulheta mínima da razão
escorre pelos meus olhos
e Sou simplesmente.
Sou deserto, areia que o ar leva no vento.
Mas, também sou solidão
areia que arrasta da palma da mão
o ir e o vir, o subir e o descer
da ampulheta do tempo.
Sou deserto, sou solidão, sou areia
que arrasta em mim o tempo.
Quanto de solidão cabe no deserto (em mim)
e no homem que enfrenta o deserto?
A ampulheta mínima da razão
escorre pelos meus olhos
e Sou simplesmente.
Sou deserto, areia que o ar leva no vento.
Mas, também sou solidão
areia que arrasta da palma da mão
o ir e o vir, o subir e o descer
da ampulheta do tempo.
Sou deserto, sou solidão, sou areia
que arrasta em mim o tempo.
sábado, 13 de julho de 2019
Esquecimentos
Vou me esquecer,
esquecer-me de tal modo
e sempre
até que haja em mim
só o esquecimento
puro e simples.
E serei todo esquecimentos
daquilo que passou.
Já nem mais sei
se algo posso dizer[...]
se cabem aos inúteis argumentos
as esmaecidas palavras...
Sem memórias e sem lembranças,
desmemoriado de dias,
terei esquecido, esquecido
de tal modo e sempre
sem as conhecidas esquivanças
até que eu não mais saiba
do que me havia esquecido.
Serei assim: esquecimentos
sem mágoas ou ressentimentos,
apenas folha que se desprende
esquecida do galho ao qual pendia,
como o fôlego tolo à vida se prendia.
esquecer-me de tal modo
e sempre
até que haja em mim
só o esquecimento
puro e simples.
E serei todo esquecimentos
daquilo que passou.
Já nem mais sei
se algo posso dizer[...]
se cabem aos inúteis argumentos
as esmaecidas palavras...
Sem memórias e sem lembranças,
desmemoriado de dias,
terei esquecido, esquecido
de tal modo e sempre
sem as conhecidas esquivanças
até que eu não mais saiba
do que me havia esquecido.
Serei assim: esquecimentos
sem mágoas ou ressentimentos,
apenas folha que se desprende
esquecida do galho ao qual pendia,
como o fôlego tolo à vida se prendia.
sábado, 6 de julho de 2019
Estamos todos sós
E....
a vida recobra seu ritmo modorrento
de monotonias, melancolias e tristezas.
Os adeuses, as partidas indesejadas
as bocas que trocam de lábios
e deixam entreabertos os silêncios
das dores mudas suspensas no ar.
O debate político na televisão
o corpo que se pendura no quarto....
Estamos todos sós....
as pás do ventilador gritam no teto da sala
enquanto a família indiferente
vê o noticiário e come pipocas brancas
diante da última tragédia do casal......
que morreu abraçado ao desespero
do inelutável adeus.
a vida recobra seu ritmo modorrento
de monotonias, melancolias e tristezas.
Os adeuses, as partidas indesejadas
as bocas que trocam de lábios
e deixam entreabertos os silêncios
das dores mudas suspensas no ar.
O debate político na televisão
o corpo que se pendura no quarto....
Estamos todos sós....
as pás do ventilador gritam no teto da sala
enquanto a família indiferente
vê o noticiário e come pipocas brancas
diante da última tragédia do casal......
que morreu abraçado ao desespero
do inelutável adeus.
domingo, 30 de junho de 2019
Linha tem(cor)poral
Sei-te em outra linha tem(cor)poral
e alheio aos fatos
sonho-te.
As linhas unem-se
e rompem as distâncias
do corpo ausente que fala,
dos lábios que se fendem
e se juntam a outras linhas tem(cor)porais
que não são a minha.
Mas, sei-te aí presente,
toda corpo luminescente.
E eu ausente
ocupo outro espaço na linha
incorpórea da memória.
Por isso, não existo,
sou linha-tempo de um ricto
perdido no espaço,
solto nas horas agudas,
presa da imponderável dor do silêncio.
e alheio aos fatos
sonho-te.
As linhas unem-se
e rompem as distâncias
do corpo ausente que fala,
dos lábios que se fendem
e se juntam a outras linhas tem(cor)porais
que não são a minha.
Mas, sei-te aí presente,
toda corpo luminescente.
E eu ausente
ocupo outro espaço na linha
incorpórea da memória.
Por isso, não existo,
sou linha-tempo de um ricto
perdido no espaço,
solto nas horas agudas,
presa da imponderável dor do silêncio.
domingo, 23 de junho de 2019
Orai pelas vítimas do incêndio!!!
Esses últimos dias têm sido frequentes os incêndios na França. Ontem mesmo a televisão noticiou um outro incêndio no 11e arrondissement de Paris. Houve três mortos e quase trinta feridos. Aqui os dias têm sido longos e as noites extremamente curtas. Então, com o sol ainda alto, mas já sendo 22h00 uma fumaça preta e espessa brotou no apartamento ao lado do meu. Eu estava tentando ver o jogo do Brasil contra o Peru em um link da internet.
Neste momento, a vizinha aperta a campainha e golpeia desesperadamente a porta de meu apartamento. Mal controlando seus maxilares, avisa que o apartamento dela está pegando fogo. Foi ao banheiro e deixou a panela sobre a placa elétrica. Quando saiu, o apartamento estava tomado pela fumaça preta e a cozinha em chamas.
Saio apressadamente em busca de um extintor para entrar no apartamento e apagar as chamas. Logo descubro que não havia nenhum extintor no prédio. Nisto eu já havia subido, descido, batido à porta do síndico e nada. Subo novamente e pego meu passaporte, computador e os comprovantes do término de meu pós-doutorado, tiro o chinelo e coloco um tênis para facilitar a corrida se preciso fosse, desço com o corpo e as roupas que estavam nele (que diga-se de passagem, neste dia, não eram muitas). Com o telefone em mãos disco o 18 para chamar os bombeiros.
Devia estar nervoso, porque a moça do outro lado da linha pedia para eu sair do prédio e ter calma, que os bombeiros logo chegariam. Nesse curto ínterim, eu respondia às perguntas e dizia que não havia feridos, dando o endereço completo. Havia um pouco de pânico em algumas pessoas, principalmente nas do sétimo andar e uma calma excessiva em outros moradores do prédio que ao serem avisados, literalmente saíam à francesa como se não fosse problema deles. Alguns estavam com seus cães, outros indo passear e uma senhora, indiferente à ideia do fogo, subiu para seu apartamento como se fosse imune à fumaça e ao incêndio.
Quando olho para a moça do apartamento que estava em chamas, vi que teve a mesma ideia que eu, pegou seu computador e com ele estava abraçada e trêmula. Descubro que ela é da Guiana Francesa e vamos esperando os bombeiros. Conversa vai, conversa vem, com mais pessoas à volta e tensas, percebo que não havia largado o picolé e enquanto tentava uma solução, não o havia parado de chupar. Já havia outros vizinhos no pátio da garagem e olhávamos com os pescoços tortos para cima na esperança de que o fogo não alastrasse.
Minha cabeça fervilhava e eu pensava que meu último fim de semana na França estava se tornando um verdadeiro desastre. Comecei a calcular possíveis prejuízos e só fiquei mais calmo porque com o passaporte a salvo, era comprar umas roupas e embarcar. Só me lembrei bem depois do incêndio controlado que minha carteira com cartões havia ficado no apartamento.
Os bombeiros chegaram e subiram rapidamente. Fizeram meia dúzia de perguntas, enquanto chegavam a ambulância e uma quantidade exagerada de policiais, que excedia ao número de bombeiros. Graças a Deus, ao universo ou seja lá o que estava olhando por nós, o fogo foi controlado, sobraram as manchas pretas, o cheiro de fumaça e algumas pessoas fazendo inalação, que por curiosos tentaram entrar no apartamento e ver o estrago enquanto ainda estava em chamas.
Clima mais calmo, semelhante ao que acontece nos velórios, falávamos da Copa do Mundo de Futebol Feminino, da Copa América e das diferenças entre Brasil e França, aguardando a liberação para retornar ao sétimo andar. Um pouco de tosse, talvez psicológica, nos demos conta de que era quase meia noite.
O mundo estava voltando à sua ordem e percebo, então, que às vezes a morte pode passar muito perto, talvez ela ronde um pouco, passe do lado, lembre-nos de nossa fragilidade e naquele dia, já tendo levado consigo alguns parisienses, resolveu apenas passar por Lyon e lembrar imigrantes, estudantes estrangeiros e franceses, que se colocar no lugar do outro pode ser mais do que um ato de solidariedade.
A morte pode brotar de uma simples panela no fogão. Espero não ter mais surpresas até a volta.
Au revoir France!!! Priez pour les victimes de l'incendie du 11e arrondissement de Paris. Amen!!
domingo, 12 de maio de 2019
Breve amanhã
Um dia morrerei e nada importará
do que houve na vida.
As histórias de amor soarão
a anedotas em breve esquecidas
e não mais amarei o calor dos corpos
nem o finito das palavras,
serei nu e leve com uma pena
branca levada pelo vento.
Com minha boca rirei das ilusões
e não mais haverá memória
deste corpo que carrego todos os dias.
Pouco importará se fui belo ou feio
se fui jovem ou sempre velho.
A morte me despirá de mim
e com ela irão minhas dores,
nem meu corpo terei mais
e serei uma sombra, talvez vaga lembrança,
nalgum mar revolto das memórias.
do que houve na vida.
As histórias de amor soarão
a anedotas em breve esquecidas
e não mais amarei o calor dos corpos
nem o finito das palavras,
serei nu e leve com uma pena
branca levada pelo vento.
Com minha boca rirei das ilusões
e não mais haverá memória
deste corpo que carrego todos os dias.
Pouco importará se fui belo ou feio
se fui jovem ou sempre velho.
A morte me despirá de mim
e com ela irão minhas dores,
nem meu corpo terei mais
e serei uma sombra, talvez vaga lembrança,
nalgum mar revolto das memórias.
sábado, 11 de maio de 2019
Saltam espirais de pássaros de sua boca
e a alvorada de seus dentes
tem janelas de luzes
e olhos que espiam a manhã.
Nos jardins há balanços vazios
aguardando as crianças adormecidas
em seus sonhos de alados.
É dia e as horas engolem os pés
as mãos, as bocas e os olhos
que escorrem pelo ralo
da vida adulta dos compromissos.
La casa
Hecha de manos invisibles
las paredes están llenas
de ojos, oídos y almas
destrozadas de sueños.
Duermen sometidos por el adobe
esperanzas mudas de gente extraña
ajena y extranjera
a los que viven bajo el cielo de tejas.
Pero las voces rotas
tartamudean detrás de las paredes
oraciones raras, deseos oscuros
en contra aquellos que indiferentes
les cerraron las puertas y las bocas.
Hay fotografías, cuadernos antiguos
gente muerta que nunca dejó de hablar
dentro de los baúles y roperos
que exigen los mismos espacios en la mesa.
Y cuando allá fuera brillan las estrellas
en el cielo azul oscuro de Hipnos
las almas abren sus bocas negras
y sin dientes se rien a carcajadas
indiferentes a los relojes que gotean
las horas deshaciendo el tejido
de los cuerpos durmientes
que ensayan la cama definitiva.
La casa es un vientre tibio
arriesgado y desconocido
es una boca negra de hambre
y deseos de vida y muerte
que saltan de los agujeros y huecos
de cerrojos que engullen las llaves.
quinta-feira, 9 de maio de 2019
Vigilia Nocturna
Duermo a tus espaldas
mientras sueño con tus pechos
al otro lado de la montaña.
Miro la oscuridad en que las telarañas
prenden a sus presas inadvertidas
del inevitable destino.
Duermes y tu aliento llena el aire
con el peso de tu noble
existencia
y yo, presa de ti, hago que duermo.
Sueño tus sueños
y los ojos son dos brasas vivas
como el gato que maulla
acariñando a su víctima.
De ti soy todo existencia
en el hilo que me tejes la cuna.
quarta-feira, 8 de maio de 2019
Día
De tu vientre
caliente
burbujean olas
de calor,
llamas del
alma cándida
en fiebres
de novedad.
Te siento
húmeda e inexorable
Y el día
anuncia viscosidades
de cueva sana
llena de
hambres y sed.
Sé mía: te
murmullo en los oídos
y nada me
dices.
Miro el
día y tu aliento tibio
del
mediodía devora
las horas
en un hueco
de
vértigos rosados y blancos.
Y no te
veo, día enamorado,
pero sé
que huele a rosas,
y nada
puedo contra el silencio
de las
horas mudas rencorosas.
domingo, 5 de maio de 2019
As velhas mães de Drummond
Hoje pela manhã estava a pensar sobre o tempo, sobre a vida, sobre as coisas comuns que assolam todos os seres humanos. Lembrei-me de uns versos de Drummond: "e ele velho embora/será pequenino/feito grão de milho". Ah... pobre Drummond, as mães mudaram muito desde quando escreveste teus versos.
Ontem, após alguns dias sem falar com minha mãe, ela ao me ver sem barba respirou aliviada. Confessou, meio abismada, que não acreditava ser o homem da foto, que minha prima lhe mostrara alguns dias antes, o filho dela. "Como pode este homem ser meu filho? Está velho! Não é meu filho? Estão brincando comigo!!!"
Meu irmão, enxergando melhor que ela, ainda, e sempre sarrista, riu e disse: "Sim, é o Weslei! Certeza que é ele! Ao que, segundo ela, rebateu entre triste e desconsolada que não podia ser.
É mãe, os filhos envelhecem, ganham rugas, peso, cabelos e barba brancos, ganham cicatrizes visíveis e invisíveis, erram, acertam, viajam, amam, odeiam, separam, devem; os grãos de milho viram espigas e só Deus sabe o que podem fazer.
C'est la vie, diriam os franceses. O caminho natural das coisas. Os homens e mulheres nascem bebês e viram velhos ao longo do tempo. Claro que este tempo demora, mas para quem está alguns anos à frente, ver os filhos envelhecerem é ter de aceitar que também estão envelhecendo, que a linha cronológica encurta em direção ao futuro e alonga em relação ao passado. É um exercício de longa e, às vezes, chocante revelação.
No fim das contas, acabou sendo engraçado. Impedi que minha mãe tivesse um enfarte, pelo menos a curto prazo, e ela como Drummond, talvez sem saber que ele exista, respirou aliviada ao ver seu grão de milho quase intacto.
É Drummond, abre teus olhos, prepara tua pena e continua declarando que as mães, se tu fosses Rei do mundo, baixava a lei que elas nunca deveriam morrer. Porém, coloque nelas uns óculos, convide-as para um café, um vinho, uma cerveja e vamos celebrar a vida em movimento, enquanto todos existem, velhos ou jovens, recauchutados ou aceitando seus cabelos brancos.
E a vocês, mães do mundo, sim, os filhos envelhecem, engordam, ganham cabelos brancos, usam barba, óculos, erram, acertam, basta alongar as vistas ao passado e verão o mundo se repetindo, talvez com pequenas alterações, mas celebrando a vida, renascendo, morrendo, girando as folhas que caem das árvores e são varridas das calçadas.
segunda-feira, 29 de abril de 2019
Al día de tu nacimiento
Podría decir que nació un ángel,
pero el mundo está cansado de ángeles
y sus alas de sueños.
El día de sus estrenos en el mundo
ha roto el útero en llantos
anunciando al mundo que vendría
una mujer que jamás callaría.
Una mujer de ojos azules,
pelo rubio, boca rosada
y piel de nácar.
Y ella vino al mundo
con fuerza, con prisa, con hambre
de vivir, de amar, de romper
las tonterías de los hombres necios.
Y pronto ella se hizo mujer.
Sin pedir perdón o licencia a nadie,
supo que el mundo le pertenecía.
Sus ojos azules brillaban aún más,
porque el cielo le era pequeño
y la vida le cabía en sus manos.
Hoy, el día de sus años,
ella sabe que es mujer
y recoge manzanas rojas
porque le gusta el color,
la vida es chica
y ella es una mujer
que no cabe bajo ningún árbol.
segunda-feira, 22 de abril de 2019
Fotografia
Sinto que falta à foto
frente ao espelho
o meu rosto.
Falta a esta história
o contorno de quem está ausente.
E não posso gritar ao espelho
que, surdo envidraçado,
não me ouvirá.
Estou do outro lado do espelho
e quem vejo é a outra parte de mim,
que intocável aguarda o reencontro.
sexta-feira, 19 de abril de 2019
Recuerdos
Te recuerdo cuando no imaginas....
aún cuando el día no ha salido
ni la noche ha llegado.
Pero te recuerdo en el tiempo
de mis memorias y te reconstruyo
con mis manos, cómo menos te lo imaginas.
Te recuerdo porque no me es posible olvidar
lo que mejor me trajo la vida y el olvido
es lo imposible, pues siempre estás presente.
Te recuerdo aun porque no tengo salida,
el tiempo pelea con mi alma
y los relojes rotos de otras vidas
se niegan a golpear contra el viento
las campanas de mi regreso.
Te recuerdo para que el futuro no muera
y para que las astillas de los relojes vuelvan
a girar en el anhelo de las horas
que desconocen el dolor de las partidas.
quarta-feira, 17 de abril de 2019
"Se eu fechar os olhos agora"
Romance bom é assim, só o título já vale a pena. Demorei muito a me interessar pela literatura de Edney Silvestre. Talvez, por preconceitos e receios de ele ser um repórter da rede de televisão Globo, talvez por outras leituras que me corriam pelas mãos e meus olhos ávidos por novas aventuras decidiam-se a percorrer outros caminhos.
No entanto, agora, estou a ler o romance. Sei que foi prêmio Jabuti, que deve ter sido lido por inúmeras pessoas e que só o descubro quase uma década depois da premiação. Mas, eis que o tenho diante de mim em uma tela de Kindle, justo eu que resisti por tanto tempo à leitura longe das páginas de papel.
Não, não falarei do romance. Falarei do título, do provocante título de "se eu fechar os olhos agora". Quantas pessoas, quantos fatos, quantos eventos posso lembrar "se eu fechar os olhos agora"? Como selecionar o fato ideal, desencavá-lo da memória, do único espaço em que ainda temos a impenetrável privacidade? É bom lembrar que da nossa memória só podem saber o que contamos.
"Se eu fechar os olhos agora", o que posso lembrar, que mundo posso visitar, que saudades sentir, que eventos reviver? "Se eu fechar os olhos agora", que fotos posso ver, que olhos me chamarão atenção, que rostos ganharão vida?
Vejo um e-mail, desses de propaganda, que te enviam sempre que fazes aniversário, seja por teres feito o cadastro, seja porque acessaste a rede de WiFi com teus dados, que um programa de computador te manda no dia do aniversário, chamando para comer, beber ou hospedar-se em algum lugar onde já estiveste, fez me voltar à capa do romance e o ler o título de novo, quase como uma descoberta.
E então, "se eu fechar os olhos agora".....posso voltar ao hotel do e-mail, de nome pomposo - Master Gold - e posso te ver sentada ao pé da cama, os pés sem tocarem o chão, quase colada à janela fechada com uma cortina blackout , jeans, tênis prateado, uma blusa azul da cor de teus olhos, os cabelos com frizz , que até hoje não vi e um quadro.
Meus dedos desenhavam esse quadro e o desenho era perfeito. Os contornos ainda são nítidos, tenho a impressão de ter esse rosto colado em meus dedos "se eu fechar os olhos agora..." mas não, não quero deixá-lo nas teclas desse computador que está sobre minhas pernas, quero deixá-lo em minha memória, em meu espaço privado que se eu precisar e quando eu sentir falta de lembrar-me daquele momento mágico de minha vida, eu simplesmente diga e a voz do vento possa te procurar, onde quer que estejas e te diga: "se eu fechar os olhos agora...." o resto nós já sabemos e o resto é tudo, tudo que vai ficar guardado para mim, "se eu fechar os olhos agora..."
segunda-feira, 15 de abril de 2019
O último dia dos meus 39 anos
Difícil resumir em poucas linhas, quiçá em poucos parágrafos trinta e nove anos de vida. Nem de perto passou por minha cabeça essa possibilidade, afinal seriam muitas páginas, quem sabe um romance inconcluso, uma autobiografia que ninguém leria; então, resolvi fazer um texto de despedida. Não, não se animem, não é um texto de despedida da vida, mas de meus 39 anos.
Também algo me ocorreu: expor gente viva assim no texto, sem pudor, pode ser algo que gere problemas políticos e familiares desnecessários. Se fosse gente morta, lá vai, ninguém vai me ligar do além reclamando alguma confissão mais picante ou descabida. Mas, gente viva, é melhor se cuidar.
Cheguei aos trinta e nove anos passando por muitas coisas. Essa palavra é ótima, para uns, pode ser interpretada como eventos positivos, para outros, as mais tenebrosas aventuras. O fato, porém, é que desde que me inaugurei na vida, passei por várias religiões. Batizaram-me, apresentaram-me, batizei-me, mudei de religião, de fé, perdi a fé, voltei a ser meio crente, não daqueles do Malafaia, passei a ler posts de Budas, mensagens espíritas, usar aplicativos de meditação, passei a ser meio descrente, meio cheio de fé, acho que tudo depende da luz do dia, se chove ou faz sol, aí a fé aumenta ou diminui.
De algo tenho certeza. Nada aconteceu como eu esperava. Talvez, por isso, tomei alguns antidepressivos, frequentei psiquiatras e psicólogos, como quem acredita em políticos e como um mal necessário, porém, mais isentos que os padres, que não me cobrariam ave-marias, nem uma missa, o que já é algum consolo.
Mudei de casas, de cidades, de profissões: entregador de jornal, cobrador, servente pedreiro, pintor e, por último, professor. Fiz amigos, inimigos, frequentei gente chata com sorrisos, abracei pessoas incríveis e que levarei comigo para sempre, irmãos que a vida nos presenteia sem sangue.
Entediei-me muito também. Li jornais, revistas em consultórios médicos, vi gente medíocre em colunas sociais do interior do país, assisti TV, vi séries, li livros por obrigação da faculdade e da profissão, dissertações e teses, enquanto da estante me paqueravam livros fantásticos. Descobri que o que menos fazemos na vida é gozar, temos muitas dores, muitas frustrações, mas nada que nos mate, pelo menos por fora.
Já tive redes sociais e perdia um tempão nelas, enquanto o mundo de verdade corria lá fora. Só não tive Orkut e não me lamento por isso. Quem tem 39 anos como eu, nasceu em uma época que não havia internet assim fácil, nem telefone celular havia. Quando precisávamos ligar íamos ao orelhão cheio de fichas prateadas para fazer um interurbano ou, então, em épocas de grana fraca, perturbávamos algum parente mais rico para fazer uma ligação demorada e nos demorávamos mais ainda ouvindo os lamentos dos parentes só por ter usado o telefone.
Depois surgiram os primeiros tijolões de telefonia portátil, os computadores de mesa 486, que iniciávamos pelo DOS, a conexão de internet discada com seu barulho insuportável para poder usar o ICq ou usar um site de buscas que nem era o Google ainda. Depois vieram os primeiros Nokias de capinha azul. Paramos de usar walkman de fita e passamos para o de CD e sentíamos falta da época que ligávamos à rádio e pedíamos uma música para gravar e que o locutor todo satisfeito dizia: solta o play, essa é para você!!! Somos de uma época que vinil era falta de opção e não moda vintage.
No ano que completei 39 anos aconteceram inúmeras coisas, que não lhes cansarei aqui com particularidades. Gostaria de dizer que os primeiros fios de cabelos brancos surgiram neste ano, que passei usar óculos agora, mas seria uma triste mentira. Foi um ano intenso, de mudanças, conhecimentos, livros, pessoas, sentimentos, de vaivéns, de vou não vou e, por fim, cá estou eu em Lyon há vários meses. Mudamos de presidente, passamos a reviver fantasmas de 1964, passamos a navegar num mar de inseguranças, meninos voltaram a usar azul e meninas rosa e o sonho masculino de pelo menos 50% dos homens brasileiros de que as mulheres voltem a dirigir fogões voltou à tona. Nada do que esperei foi como eu imaginava ao chegar nos meus 40 anos, que ainda estão por vir. É bom valorizar as horas que faltam...
O fato é que hoje é o último dia de meus 39 anos. Estou na França e a previsão para amanhã é de chuva e frio. Será que isso é um mau-agouro? Ou só a previsão do tempo mesmo? Estou, porém, por um fio, e sei que as horas serão cruéis comigo e logo chegarei aos 40 anos. Resta-me uma dúvida, assumo meus 40 anos pela meia noite daqui ou pela meia noite do Brasil? É o caso em que algumas horas fazem a diferença.
Pelo sim, pelo não, nasci no Brasil e nunca ser brasileiro me fez tão bem. Que venham os 40 anos com as cinco horas de fuso que me separam da idade verdadeira que me cabe. Afinal, para que viver de antecipações...😉?
domingo, 14 de abril de 2019
Gramática amorosa
Meu corpo, teu corpo...
essas conjunções...
esses pronomes relativos
à posse, aos lugares,
dêiticos de nosso amor.
Meu corpo, teu corpo...
os sujeitos ocultos,
os objetos diretos,
os objetos indiretos
dos desejos e das fantasias.
Meu corpo, teu corpo...
complementos nominais
dessa gramática dos sentidos
de todos os verbos do Amar
de todos os nomes do Amor.
essas conjunções...
esses pronomes relativos
à posse, aos lugares,
dêiticos de nosso amor.
Meu corpo, teu corpo...
os sujeitos ocultos,
os objetos diretos,
os objetos indiretos
dos desejos e das fantasias.
Meu corpo, teu corpo...
complementos nominais
dessa gramática dos sentidos
de todos os verbos do Amar
de todos os nomes do Amor.
sexta-feira, 5 de abril de 2019
Terra brasilis
Sobre as notícias da descoberta
encontrando as pernas abertas,
disse o rei e o ditador:
em aqui se plantando tudo dá
tem grama ao deus dará
e a manada zurrou feliz:
esta terra tem até meretriz
e a vida é viver por um triz
tem atentado, tem tocaia,
mas antes que eu caia,
quero te dizer povo meu
que se não sou Romeu
também não sou plebeu.
Não perco da burrada uma reunião
e assim em união
zurramos todos juntos
é por isso que sempre trago no bolso
a zurrada agastada
porque não falta ocasião
de zurrarmos em união.
encontrando as pernas abertas,
disse o rei e o ditador:
em aqui se plantando tudo dá
tem grama ao deus dará
e a manada zurrou feliz:
esta terra tem até meretriz
e a vida é viver por um triz
tem atentado, tem tocaia,
mas antes que eu caia,
quero te dizer povo meu
que se não sou Romeu
também não sou plebeu.
Não perco da burrada uma reunião
e assim em união
zurramos todos juntos
é por isso que sempre trago no bolso
a zurrada agastada
porque não falta ocasião
de zurrarmos em união.
Abraço
Estico os braços
mas sinto-os curtos
para tamanha distância.
Por que desperdiço-me em palavras?
São elas inúteis trastes velhos no fundo
das inúmeras definições do dicionário.
Quero abandonar os verbos
e abreviar teu mundo no curto espaço
que fecha a circunferência de meus braços.
mas sinto-os curtos
para tamanha distância.
Por que desperdiço-me em palavras?
São elas inúteis trastes velhos no fundo
das inúmeras definições do dicionário.
Quero abandonar os verbos
e abreviar teu mundo no curto espaço
que fecha a circunferência de meus braços.
terça-feira, 2 de abril de 2019
Ausência?
O que é ausência,
se carrego comigo o teu corpo
colado às minhas costas?
Não mais celebrarei a ausência,
porque estás comigo....
e como me é leve as tuas mãos
sobre meus ombros cansados....
e como me pesa o corpo,
se sinto que por instantes
te aligeiras o passo
como se quisesses aliviar em mim
o peso que por prazer ignoro.
se carrego comigo o teu corpo
colado às minhas costas?
Não mais celebrarei a ausência,
porque estás comigo....
e como me é leve as tuas mãos
sobre meus ombros cansados....
e como me pesa o corpo,
se sinto que por instantes
te aligeiras o passo
como se quisesses aliviar em mim
o peso que por prazer ignoro.
domingo, 31 de março de 2019
Caminhante
A Antonio Machado
Todo pasa, todo queda
Como olhar para frente
se ficou para trás o fôlego
dado ao passo trôpego?
Caminhante, o caminho
também se faz olhando
aquilo que os olhos ignoram.....
Caminhante, o caminho
também é percorrido com os passos
que ficaram para trás....
sem pernas, sem corpo, só rastros
e o passado é esse fantasma
que jamais vê o pôr-do-sol....
Caminhante, não há caminho
que uma vez conhecido
deixe de ser nosso caminho.
Caminhante, só é possível seguir
buscando aqueles que hoje em sombra
iluminam o eu que ficou para trás....
sexta-feira, 29 de março de 2019
Tecituras
A questão é achar a ponta
passar a linha pela agulha
porque se não pode haver pontas soltas,
também não há ponto sem nó.
E quando eu juntar a minha ponta
à sua ponta solta e der o nó
do outro lado da agulha,
remendarei o tecido da dor
e cerzirei o buraco da ferida.
Quando ele abrir de novo [e é certo que abra]
nossas mãos terão linha
para remendar
e juntos teceremos aquilo
que os fios soltos de nossas existências
jamais puderam fazer separados.
quarta-feira, 20 de março de 2019
Reclamada ausência
Por que, ignorante, reclamo da ausência?
Ela é presença constante
que em vazios, me preenche os dias,
é recordação pura, bruta em estado maior
de gritâncias, gestos e protestos.
Ainda sem teu corpo, o que reclamo
é a ausência física,
porque gritas em meus ouvidos
mal vejo a luz do dia me despertar.
E é sob gritos de protestos que adormeço
apegado a essa ausência branca, pura, intocável,
que me afaga os cabelos e sobre os joelhos
me nina e mima em afetos e esperanças.
Esperanças de que os sonhos antecipem o encontro fatal,
inevitável dos corpos que se consomem em corpo,
um corpo de verdade, embebido
de suor, pele, boca e mãos em comunhão.
domingo, 17 de março de 2019
Mexericas
Sei que não posso dar tudo o que queres, porque sei também que a vida não te dará tudo o que desejares. É uma equação complicada de se resolver no coração, impor a ele a razão em vez da emoção. Teus pedidos ainda são simples, mas percebo que alguns deles eu não consigo cumprir e isso me causa uma frustração enorme. Mas também sei que se der tudo, estarei mentindo o mundo para ti. Difícil esta tarefa de Madre Teresa e carrasco ao mesmo tempo.
Pela manhã, comias mexerica. Antes, porém, passavas-a pelo rosto e admiravas a cor laranja da casca. Então, colocaste a mexerica diante de mim e falaste: tira a casca...e enquanto eu retirava os pedaços da casca, ias criando animais, bichinhos de estimação e realidades novas iam brotando dos fragmentos colocados sobre a mesa.
Neste momento, pensei em todo o desserviço que fazemos às crianças dando a elas todos os brinquedos prontos, achando que com isso estamos agradando ou dando mostras de carinho. Há um universo na cabeça das crianças, elas criam mundos, tecem fantasias e são felizes com cascas de mexerica ou com o brinquedo mais caro que tenhamos comprado em uma loja. Do mesmo modo, rapidamente esquecem a ambos.
Os gomos ficaram para trás, espalhados pela toalha da mesa, eles não tinham mais importância, as cascas eram um mundo perfeito para teus olhos. Queria proteger-te das dores, das desilusões, das frustrações que o mundo te proporcionará, mas sei que não tenho tantas mãos e nem tantos olhos, sei que precisarás viver também, experimentar o mundo e saber que antes de comeres os gomos da fruta, terás muitas cascas para arrancar. Mas, isto, terás de aprender sozinha.
Experimentei esta sensação de impotência e culpa, porque também haverá vezes que a causa de teus sofrimentos serei eu mesmo, quando caíste do sofá pela primeira vez e imitando Gregor Samsa, que talvez nunca venhas a conhecê-lo, mesmo havendo mais de uma edição em minha estante, mexias desesperada, sem saber o que havia acontecido, as pernas e as pequenas mãos contra o enorme céu branco do teto do apartamento.
Ali soube que te machucarias e que estava longe de ser um mundo perfeito para ti e me culpei por dias, me impus um autoflagelo exagerado e uma semana de pedidos de perdão em teu ouvido, que ainda nem distinguia os sons da língua.
Sei que estarei distante em muitas situações, que não poderei estar na sala de aula no teu primeiro dia da escola, que não poderei escolher teu namorado e por mais que eu possa achá-lo feio, para ti isto pouco importará. É...... a vida é feita de escolhas e logo perceberás que nem todas elas são as melhores e vais chorar de novo, talvez chupando mexericas em um sofá e com a sensação de que esta manhã já se repetiu algum dia no teu passado.
Não te lembrarás do teu mundo feito de cascas de mexericas, nem da manhã de domingo em que inocentemente criavas uma realidade própria e eras dele dona. Talvez tenhas o mesmo sentimento de frustração que tenho e perceberás que está crescida e que ligar para teu pai será apenas uma forma de compartilhar as dores, que são inevitáveis a todos nós.
Mas, por ora, chupes a tua mexerica, ela veio tão doce desta vez, que me arrependi de não ter pego dois pacotes...
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