Havia um parque na cidade. Não tínhamos dinheiro, mas mesmo assim pedimos aos nossos pais para ir ao parque ver as luzes, os brinquedos, espichar os olhos para os meninos ricos que giravam no chapéu mexicano, exibindo suas alegrias aos quatro ventos, trombando nos carrinhos e soltando gritos à força do impacto. Ligeiros minutos que podiam ser estendidos ao se apresentar um novo bilhete.
Não reclamávamos da situação. Sabíamos ser pobres e só de estar naquele ambiente de luzes, sentindo o cheiro de pipoca, vendo as vermelhas maçãs do amor e quebra-queixos saindo pelas mãos dos visitantes nos confortava de um modo estranho.
Era o parque, as luzes, os sons. Tudo entrava por nossos poros. Éramos livres naquele momento, isto é o que mais importava. Estávamos longe dos olhos vigilantes e punitivos do pai e nos fazíamos um pouco homens naquele ambiente.
Não, não olhávamos as meninas, só tínhamos olhos para os brinquedos, para o desejo de entrar desapercebido em uma das cadeiras e desfrutar os curtos minutos de uma volta antes de sermos surpreendidos pelo vigilante do parque.
A noite estava agradável, a brisa nos enchia a pele de pequenas carícias que aliviavam a mão do calor. O grande desafio era a roda gigante. Eu tinha medo de altura e, assim, me sentia tranquilo de nessa hora não ter dinheiro, o que me livrava de admitir minha covardia.
Parados, meu irmão e eu, observávamos o giro longo da roda gigante. Os casais no ar, a girar, a se beijarem enquanto a roda parava por um instante seu giro, para que seus ocupantes vissem a terra do alto.
Do nada surgiu Rodrigo. Um amigo nosso de escola. Menino camarada, contrário a brigas e barulhos. Também ele olhava a roda gigante. Ao nos ver, imediatamente, se aproximou, puxou conversa e nos chamou para dar uma volta no brinquedo.
Esse momento foi doloroso. Mas, para evitar a desculpa do medo disse abertamente que não tínhamos dinheiro e só estávamos olhando o movimento. Rodeou um pouco, olhou para o brinquedo e disse que a mãe lhe dera dinheiro para andar na roda gigante e assim perder o medo de altura.
Propôs-se a pagar minha volta. Tremi nessa hora. Como dizer que não iria porque tinha medo de altura, como fazer para dizer que não poderia ajudá-lo naquilo que eu também temia. E o convite era para mim, teria de deixar meu irmão a olhar-nos da plataforma.
Então, certo de que ele diria não e eu poderia escapar da vergonha do medo, disse: "Estou com meu irmão, se ele não for, não posso ir"; havia um pouco de verdade no que eu dizia. Culpar-me-ia a vida toda caso deixasse meu irmão de fora dessa experiência.
Meu alívio durou o instante de minha fala. "Tudo bem!" respondeu Rodrigo. "Minha mãe me deu bastante dinheiro para andar quantas vezes eu quiser". Foi e comprou três bilhetes. Nunca em minha vida quis que a volta de um brinquedo demorasse tanto. Mas, a roda parou, os casais e meninos desceram e era a hora de nossa vez.
Meu irmão se aconchegou rápido no banco, sozinho, altivo, sem medo. Rodrigo e eu fomos para o outro banco. Tremíamos, os passos eram lentos e caminhávamos como condenados à morte. Sentamos, nesse momento não havia mais segredos, o medo nos irmanava e cúmplices atamos os cintos de segurança.
O giro deu seu início. Tentávamos conversar normalmente, porém, nossos queixos tremiam e a fala saía engasgada. Giramos até o alto, até o baixo e suando frio enfrentamos a experiência-medo de altura. Sem ter como descer antes do tempo, abreviávamos os minutos sorrindo e até felizes de nossa coragem, nos fazíamos ali um pouco mais homens.
Enfim, a roda parou, descemos tremendo ainda enquanto meu irmão descia todo feliz por ter andado no brinquedo. E novamente fomos três, livres, felizes, olhando a vida que se distribuía pelo parque de diversões. Nunca mais vi Rodrigo, mas ele está apegado à minha memória como um irmão que se foi, deixando atrás de si o sorriso menino de quem foi bom por um dia.
Um comentário:
Muito legal!
Minhas memórias vieram à tona...
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