domingo, 5 de maio de 2019

As velhas mães de Drummond

Hoje pela manhã estava a pensar sobre o tempo, sobre a vida, sobre as coisas comuns que assolam todos os seres humanos. Lembrei-me de uns versos de Drummond: "e ele velho embora/será pequenino/feito grão de milho". Ah... pobre Drummond, as mães mudaram muito desde quando escreveste teus versos.
Ontem, após alguns dias sem falar com minha mãe, ela ao me ver sem barba respirou aliviada. Confessou, meio abismada, que não acreditava ser o homem da foto, que minha prima lhe mostrara alguns dias antes, o filho dela. "Como pode este homem ser meu filho? Está velho! Não é meu filho? Estão brincando comigo!!!" 
Meu irmão, enxergando melhor que ela, ainda, e sempre sarrista, riu e disse: "Sim, é o Weslei! Certeza que é ele! Ao que, segundo ela, rebateu entre triste e desconsolada que não podia ser. 
É mãe, os filhos envelhecem, ganham rugas, peso, cabelos e barba brancos, ganham cicatrizes visíveis e invisíveis, erram, acertam, viajam, amam, odeiam, separam, devem; os grãos de milho viram espigas e só Deus sabe o que podem fazer. 
C'est la vie, diriam os franceses. O caminho natural das coisas. Os homens e mulheres nascem bebês e viram velhos ao longo do tempo. Claro que  este tempo demora, mas para quem está alguns anos à frente, ver os filhos envelhecerem é ter de aceitar que também estão envelhecendo, que a linha cronológica encurta em direção ao futuro e alonga em relação ao passado. É um exercício de longa e, às vezes, chocante revelação.
No fim das contas, acabou sendo engraçado. Impedi que minha mãe tivesse um enfarte, pelo menos a curto prazo, e ela como Drummond, talvez sem saber que ele exista, respirou aliviada ao ver seu grão de milho quase intacto. 
É Drummond, abre teus olhos, prepara tua pena e continua declarando que as mães, se tu fosses Rei do mundo, baixava a lei que elas nunca deveriam morrer. Porém, coloque nelas uns óculos, convide-as para um café, um vinho, uma cerveja e vamos celebrar a vida em movimento, enquanto todos existem, velhos ou jovens, recauchutados ou aceitando seus cabelos brancos.
E a vocês, mães do mundo, sim, os filhos envelhecem, engordam, ganham cabelos brancos, usam barba, óculos, erram, acertam, basta alongar as vistas ao passado e verão o mundo se repetindo, talvez com pequenas alterações, mas celebrando a vida, renascendo, morrendo, girando as folhas que caem das árvores e são varridas das calçadas. 


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