Marido e mulher há anos juntos, pode-se dizer, casados, esposa e esposo sempre tem suas picuinhas, suas miudezas que azedam o dia ou até uma semana.
No andar de cima do prédio onde moro, conheço um casal que tem brigas gigantes por pequenos temas e, não raro, voa algum pires ou alguma porta é batida com estrondo. Ambos em um diálogo extremo levado aos extremismos.
A última arenga foi a polêmica quanto à palavra "enfarto" ou "infarto". Digladiaram por dias a respeito do assunto. Cada qual com sua razão e seu rancor. Buscaram dicionários: novos e antigos, fora de uso, foram ao latim, à filologia românica, só para não terem de dar o braço a torcer. O fato é que um ficou com o enfarto e a outra com o infarto.
Pela manhã, à mesa, e protegidos pela fumaça que levantava de suas xícaras de café, eles rangiam entre dentes: "enfarte" - "infarte" e saíam ambos azedos da mesa do café da manhã. Ele não se despedia para ir caminhar e ela fingia falar com uma amiga ao celular, tudo por causa de um enfarte...ou infarte....
Esta manhã, seu Luis enfartou. Foi um deus nos acuda. Ele caído ao chão, com a mão no peito, urrando de dor, pedia que ela ligasse ao corpo de bombeiros, à ambulância, ao diabo que fosse, que ele estava enfartando. 'Chame o médico, estou enfartando', 'Calma homem, é só um infarte', 'Enfarte', 'Não, é só um 'infarte', 'deixe disso, mulher. Chame o médico'.
Havia um prazer sórdido no olhar da mulher, que sentia seus lábios crispados pela vingança. Olhava-o sem dó nem piedade, devorando cada colherada daquela sopa fria da vingança. Seus olhos brilhavam e ela sentia-se encantadora. Até pensou na encomenda de um vestido preto para o luto triunfal.
'É só um infarte, não faça escândalos'. 'Está bem, estou INFARTANDO', gritou a todos pulmões. Nisso, a mulher despertou do transe e desesperou, bateu à porta dos vizinhos, ligou aos berros ao corpo de bombeiros, ficou só frangalhos.
Deitada sobre o corpo do marido ela chorava a partida de seu velho de discussões. Chorava copiosamente e sem vergonha alguma diante dos vizinhos atônitos, que até pouco tempo antes, com os ouvidos colados às paredes ouviam o derradeiro debate.
Ao final do dia seguinte, recebendo os familiares e as visitas pelo luto, ela solenemente declarou: "Ele morreu de enfarte, um homem tão bom, meu Luis".
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