Amor? Que foi? Gostou de minha
foto? Que foto? A que eu te mandei? Não vi ainda? Mentiroso! Tem dois pauzinhos
azuis aqui. Você não gostou!! Carinha de tristeza. Não precisa disso! Você não
me ama! Carinhas de prantos por toda a tela....Que isso amor! Está linda! Muito
gata! Sério?!!! Sério, amor!! Carinhas de risos com olhinhos de coração!
Coração enorme explodindo na tela no celular. As pazes refeitas. Manda uma
foto? Não mando nudes! Não precisa ser nudes! Uma foto tua. Tá bom, amor! Estou
mandando!! Que achou? Linda!!!! Manda outra? Ah amor, que não faço por você!!
Mas só por você....viu, gatinho... fotos sendo encaminhadas para os novos
contatos!!! Vou ousar um pouco....não me acha biscate? Promete? Prometo!! Uau,
só de lingerie!!!! Carinha com olhos de coração!!! Macaquinho de timidez do
outro lado!! Jura que não vai mandar a foto para os amigos? Juro amor? Guarda
com cuidado, tá?! Foi só para você, amor. Claro. Fotos sendo enviadas no grupo.
Olha galera, vejam a gata que vou comer, já mandou foto nuiiiiinha e tudo.
Gabi, não sabe o gato que estou paquerando no WhatsApp? Mandei uma foto para
ele, está babando até agora. Manda a foto dele. Uau, sem camisa. Cara de
casado. Usa aliança? Você já viu!! Pede para ir na casa dele! Ah amiga, não vai
pegar mal, aí ele acha que vou lá para dar para ele. Pede para ir na sua casa
então. Tá, vou pedir. Vem aqui, gato. Estou sozinha, só de lingerie, mas não
vai achar que sou safada, é que gostei muito de você, nunca senti isso antes
por ninguém! Sério? Por ninguém?! Posso ir mesmo? Não vai me descartar? Vem
gatinho, vem!! Tá, estou saindo. Mas não é tarde? Não, pode vir. Tá bom, estou
chegando....espera um pouquinho, banho rápido, escova os dentes, perfume,
calça, camiseta e rua. Print de conversa....., o gato tá vindo. Então é
solteiro. Ah amiga, que sorte.....não vai dar para ele no primeiro encontro
heim... claro que não, amiga, está me achando uma galinha. Não disse isso. Tá
bom, depois te conto, vou me arrumar. Mais nudes....carinhas e emoticons para
alguns contatos. Afinal, eu nem conheço ele ainda, não saímos, não somos
namorados, né....mais uns nudes, umas fotos antigas da época do regime,
ansiedade....o gato não olha as mensagens, que elas chegaram a gata tem
certeza, os dois pauzinhos estão lá...mas não ficam azuis, será que ele vem
mesmo....meia noite, meia noite e cinco....nudes, mais uns beijinhosss, meia
noite e meia e nada do gato....quer saber, não precisa vir mais, já está me
enrolando, carinhas de choro, diabinhos, xingamentos, patifarias e, por fim,
bloqueia o gato...mais nudes, choros, ligação para amiga e o rapaz no carro
espera em frente à casa, sem entender nada....pensa um pouco, liga para o
amigo, prints da conversa....julgamento sumário...vaza véio, é casada, daqui a
pouco o cara sai armado aí e te mata....sons de pneus cantando...parada na
conveniência para aliviar...pede uma cervejinha...a senha do WiFi, novos
contatos...moreninha linda respondeu...e aí gato... boa noite, coruja, você não
dorme? Ah eu durmo, mas com uma gata assim, como dormir? Manda uma foto? Claro...mas
não mando nudes, Tudo bem...pode ser uma foto sua mesmo....mais carinhas de
olhinhos de coração...leve ressentimento do fora recebido a pouco....chuta tudo
e manda um enorme coração na tela....você mexeu comigo, gata....você também,
gatinho...vou mandar uma foto, mas só para você tá, promete que não manda para
os amigos.....
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
domingo, 26 de novembro de 2017
Caí em mim, ou caí de mim?
Ainda não sei!
Caio no mundo
vadio e vagabundo,
despido de mim,
livre de tudo.
Sou eu e mais ninguém
como sempre foi
e nunca deixará de ser.
Caí em mim e que tristeza seria
se tivesse me dado de doer a consciência.
Caí em mim e caí de mim
ambos os tombos doem-me n'alma,
mas confesso que muitos deles
me fizeram feliz, de rir um riso solto
largo e sem fim, um riso de janelas abertas
decido a ser eu e mais ninguém.
Caí em mim ou caí de mim?
O que importa, se o mundo é amplo
e a alma não cabe no corpo de sonhar.
Ainda não sei!
Caio no mundo
vadio e vagabundo,
despido de mim,
livre de tudo.
Sou eu e mais ninguém
como sempre foi
e nunca deixará de ser.
Caí em mim e que tristeza seria
se tivesse me dado de doer a consciência.
Caí em mim e caí de mim
ambos os tombos doem-me n'alma,
mas confesso que muitos deles
me fizeram feliz, de rir um riso solto
largo e sem fim, um riso de janelas abertas
decido a ser eu e mais ninguém.
Caí em mim ou caí de mim?
O que importa, se o mundo é amplo
e a alma não cabe no corpo de sonhar.
Algo oculto
Há algo oculto em algum lugar do mundo,
que não caberá nas palmas das mãos
e se encaixará como uma luva em dia de inverno.
Há algo oculto, que ainda não se nomeia
nem tem as formas definidas,
mas que nos aguarda sem saber.
Há algo oculto em algum lugar do mundo que brilha;
ainda se desconhece sua luz
nem por isso deixa de iluminar.
Há algo oculto que por capricho do destino
ou do tempo ainda não foi contado.
Há algo oculto na curva da estrada
esperando para nos seguir em viagem.
Ainda não sabemos e está lá nos aguardando
desde o dia em que sem saber
que este mundo existia, nele aportamos
desamparados em choros e amparados entre sorrisos.
Há algo oculto na beira do caminho
que nos aguarda toda uma vida.
Ainda não se nomeia, nem tem formas;
já ilumina, mas não vemos,
que está lá, oculto, esperando-nos
como a flor, que bela, sabe
um dia será colhida.
que não caberá nas palmas das mãos
e se encaixará como uma luva em dia de inverno.
Há algo oculto, que ainda não se nomeia
nem tem as formas definidas,
mas que nos aguarda sem saber.
Há algo oculto em algum lugar do mundo que brilha;
ainda se desconhece sua luz
nem por isso deixa de iluminar.
Há algo oculto que por capricho do destino
ou do tempo ainda não foi contado.
Há algo oculto na curva da estrada
esperando para nos seguir em viagem.
Ainda não sabemos e está lá nos aguardando
desde o dia em que sem saber
que este mundo existia, nele aportamos
desamparados em choros e amparados entre sorrisos.
Há algo oculto na beira do caminho
que nos aguarda toda uma vida.
Ainda não se nomeia, nem tem formas;
já ilumina, mas não vemos,
que está lá, oculto, esperando-nos
como a flor, que bela, sabe
um dia será colhida.
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
Findamentos
Finda o dia
assim como a noite
como a vida, como o gozo,
a juventude e o amor.
Finda o que é bom
e o que é mau;
a alegria e a tristeza.
Finda a espera,
esse tempo inerte
de angústias e expectativas.
Só não finda a fome
por mais vida, por mais amor,
essa língua de fogo
que a tudo devora
e pede mais, mais e mais;
e vamos entregando a ela tudo
o que nos resta de vida
até o último fio
que nos prende à corda do tempo.
Finda, tem de findar: o dia, a noite,
a vida e todos os sonhos
até os absurdos e jamais revelados
assim como a noite
como a vida, como o gozo,
a juventude e o amor.
Finda o que é bom
e o que é mau;
a alegria e a tristeza.
Finda a espera,
esse tempo inerte
de angústias e expectativas.
Só não finda a fome
por mais vida, por mais amor,
essa língua de fogo
que a tudo devora
e pede mais, mais e mais;
e vamos entregando a ela tudo
o que nos resta de vida
até o último fio
que nos prende à corda do tempo.
Finda, tem de findar: o dia, a noite,
a vida e todos os sonhos
até os absurdos e jamais revelados
quarta-feira, 8 de novembro de 2017
Mãos
Mãos que arranham,
agarram-se ao infinito
e tentam tocar o céu.
São ligeiras, rápidas de sentimentos
e com elas se escalam as montanhas
que surgem sobre o nada.
Mãos que cheias de desejos
desfiam o tecido do corpo
desenhado na imaginação.
Mãos que sobrevoam a face do abismo
recebendo-a na concha das palmas
em cálice de oração.
Mãos que se entrelaçam no truque
mágico da união entre os corpos
e fazem do sexo amor e do amor eternidade.
Mãos que não podem falar
e nem devem sussurrar sobre seus caminhos,
desenham novos mapas, novas rotas de fuga,
descobrem inusitadas geografias
e povoam o mundo de carícias brandas.
Mãos que fazem do corpo campo
e semeiam no terreno árido
das frustrações, as sementes da esperança.
Mãos que aguardaram anos de espera,
habitaram Ítaca, estenderam-se aos infernos
à espera do poeta
e fizeram uma guerra de dez anos.
Mãos impossíveis de se esquecer
mãos que na vigília noturna
desconhecem do autor a face
que se eleva em oração.
agarram-se ao infinito
e tentam tocar o céu.
São ligeiras, rápidas de sentimentos
e com elas se escalam as montanhas
que surgem sobre o nada.
Mãos que cheias de desejos
desfiam o tecido do corpo
desenhado na imaginação.
Mãos que sobrevoam a face do abismo
recebendo-a na concha das palmas
em cálice de oração.
Mãos que se entrelaçam no truque
mágico da união entre os corpos
e fazem do sexo amor e do amor eternidade.
Mãos que não podem falar
e nem devem sussurrar sobre seus caminhos,
desenham novos mapas, novas rotas de fuga,
descobrem inusitadas geografias
e povoam o mundo de carícias brandas.
Mãos que fazem do corpo campo
e semeiam no terreno árido
das frustrações, as sementes da esperança.
Mãos que aguardaram anos de espera,
habitaram Ítaca, estenderam-se aos infernos
à espera do poeta
e fizeram uma guerra de dez anos.
Mãos impossíveis de se esquecer
mãos que na vigília noturna
desconhecem do autor a face
que se eleva em oração.
domingo, 5 de novembro de 2017
No céu de João tem um gigante
Falta pão
e o menino João
sonha com seu pé de feijão.
Seu canto não vem dos Andes,
não tem o condor de Neruda,
vem de baixo, das sarjetas,
das periferias esquecidas,
onde o pão é escasso
e o ovo, de gema amarela,
como um lindo sol a sair das nuvens,
às vezes, estala na frigideira.
Dizem que ele é feliz
tem bolsa família
e seus pais são vagabundos.
Seu irmão é desnutrido,
provavelmente morra
antes de completar dois anos
e sua mãe abortou algumas vezes.
João já conheceu três pais,
nenhum deles quis ficar.
Talvez, por suas pernas finas,
pensa João.
Não será jogador de futebol
nem servirá de avião ao tráfico.
Impossibilitado de pagar o alimento
seu sustento de todos os dias,
João come pouco
e desfalece ao sol do meio dia.
Aperta nas mãozinhas dois pequenos
grãos de feijão.
Imagina que no céu
o espera um gigante
de mãos enormes
que o colocará para dormir,
após um quente copo de leite.
Então, João abrirá a mãozinha
e lhe dará os dois feijõezinhos,
por deixá-lo ficar,
por lhe contar estórias de contos de fadas
antes de dormir.
No céu de João tem um gigante
ele não é mau
e o menino, embora pobre,
poderá pagar por sua comida.
e o menino João
sonha com seu pé de feijão.
Seu canto não vem dos Andes,
não tem o condor de Neruda,
vem de baixo, das sarjetas,
das periferias esquecidas,
onde o pão é escasso
e o ovo, de gema amarela,
como um lindo sol a sair das nuvens,
às vezes, estala na frigideira.
Dizem que ele é feliz
tem bolsa família
e seus pais são vagabundos.
Seu irmão é desnutrido,
provavelmente morra
antes de completar dois anos
e sua mãe abortou algumas vezes.
João já conheceu três pais,
nenhum deles quis ficar.
Talvez, por suas pernas finas,
pensa João.
Não será jogador de futebol
nem servirá de avião ao tráfico.
Impossibilitado de pagar o alimento
seu sustento de todos os dias,
João come pouco
e desfalece ao sol do meio dia.
Aperta nas mãozinhas dois pequenos
grãos de feijão.
Imagina que no céu
o espera um gigante
de mãos enormes
que o colocará para dormir,
após um quente copo de leite.
Então, João abrirá a mãozinha
e lhe dará os dois feijõezinhos,
por deixá-lo ficar,
por lhe contar estórias de contos de fadas
antes de dormir.
No céu de João tem um gigante
ele não é mau
e o menino, embora pobre,
poderá pagar por sua comida.
Talvez a poesia mude,
a vida perca o sentido,
o amor não exista
e todas as teorias do universo
conspirem contra o mundo,
mas o que não muda
é essa mania besta
de ser cotidiano,
de olhar para o espelho
todas as manhãs,
inclusive as indesejáveis
e saber que estou ali
mudo, diante do reflexo
que me contempla
e desaprova o que vê.
Também eu desaprovo o mundo,
mas ele continua girando, girando
em rotações e translações
que ignoram o destino humano.
Talvez e somente talvez
haja um sentido para a vida.
Porém, essa é uma hipótese
e nada mais diante
do infinito das possibilidades.
a vida perca o sentido,
o amor não exista
e todas as teorias do universo
conspirem contra o mundo,
mas o que não muda
é essa mania besta
de ser cotidiano,
de olhar para o espelho
todas as manhãs,
inclusive as indesejáveis
e saber que estou ali
mudo, diante do reflexo
que me contempla
e desaprova o que vê.
Também eu desaprovo o mundo,
mas ele continua girando, girando
em rotações e translações
que ignoram o destino humano.
Talvez e somente talvez
haja um sentido para a vida.
Porém, essa é uma hipótese
e nada mais diante
do infinito das possibilidades.
quarta-feira, 1 de novembro de 2017
Uma gota
Caiu um gota d'água
não uma gota d'água qualquer
dessas que se limpam com a mão
ou se enxuga do canto da boca.
Caiu última gota d'água
que fez o oceano transbordar
o copo derramar
e a paciência acabar.
Todo homem ou mulher
que se preze ou não
tem uma gota d'água
lá no mais íntimo,
que quando cai no coração
o faz faz transbordar para fora de si.
Um gota d'água, somente uma gota d'-água
é capaz de mudar o oceano
e tragar para dentro o pescador da manhã,
que desatento só vê a onda do mar,
inocente da gota d'água que o mata sem avisar.
não uma gota d'água qualquer
dessas que se limpam com a mão
ou se enxuga do canto da boca.
Caiu última gota d'água
que fez o oceano transbordar
o copo derramar
e a paciência acabar.
Todo homem ou mulher
que se preze ou não
tem uma gota d'água
lá no mais íntimo,
que quando cai no coração
o faz faz transbordar para fora de si.
Um gota d'água, somente uma gota d'-água
é capaz de mudar o oceano
e tragar para dentro o pescador da manhã,
que desatento só vê a onda do mar,
inocente da gota d'água que o mata sem avisar.
O corpo que ora vês
O corpo não tem mais a exuberância
dos verdes anos.
Fiz-me grande demais para caber
no limitado espaço de braços e pernas.
O corpo que ora vês, que ora experimentas
está livre de medos, infenso ao tempo
oferece-se vazio de vaidades, honesto,
e é apenas parte de mim que encontrarás nele.
Hoje as palavras abundam e falam mais
que esses poros de onde brotam pelos e suor.
Tenho a alma leve, livre do corpo
que carregou por anos.
Oferto-te um corpo enfraquecido pelo tempo,
porque de mim pode-se ter mais
do que essa sombra física, que é o espectro
de nossa passagem pela terra.
O Universo que há em mim não cabe
nos meus um metro e setenta e nove centímetros,
mas é o único que podes ver
porque com meu corpo é que me apresento
a ti, despindo-o de todas as convenções
de estética e moda presumíveis.
dos verdes anos.
Fiz-me grande demais para caber
no limitado espaço de braços e pernas.
O corpo que ora vês, que ora experimentas
está livre de medos, infenso ao tempo
oferece-se vazio de vaidades, honesto,
e é apenas parte de mim que encontrarás nele.
Hoje as palavras abundam e falam mais
que esses poros de onde brotam pelos e suor.
Tenho a alma leve, livre do corpo
que carregou por anos.
Oferto-te um corpo enfraquecido pelo tempo,
porque de mim pode-se ter mais
do que essa sombra física, que é o espectro
de nossa passagem pela terra.
O Universo que há em mim não cabe
nos meus um metro e setenta e nove centímetros,
mas é o único que podes ver
porque com meu corpo é que me apresento
a ti, despindo-o de todas as convenções
de estética e moda presumíveis.
domingo, 29 de outubro de 2017
À espera de Papai Noel
Tarde de domingo, pouca coisa a fazer, meu time está numa fase péssima que mais perde do que ganha; no dia anterior fui o palestrante de um evento, no qual o único presente fui eu; nem a organizadora apareceu. Perorei aos tijolos e fui embora. Resolvo, então, ir ao Shopping no horário do jogo e, assim, evitar mais uma decepção. Depois, descobri que realmente estava certo e que meu time perdera novamente.
Quase novembro, mas a loucura por comprar invade as almas das pessoas e mesmo no final do mês o cartão de crédito continua satisfazendo os desejos de aquisição. Olho para o pátio do estacionamento lotado e antevejo o empurra-empurra que deve estar dentro do local, a mistura de suores e perfumes, gente apressada como se fosse perder o vagão do metrô. Respiro fundo e investido de muita coragem urbana adentro o recinto dos desejos consumistas.
Cidade de porte médio, às vezes, é um horror. Não há lugar para ir, poucas opções de lugares a se frequentar e mesmo com uma festa literária ocorrendo, as pessoas optam pelo Shopping. Optei por ele também por motivos diversos, que o longo arco entre o céu o inferno não pode explicar.
Inicio o passeio. Mulheres com as melhores roupas, afinal se não usarem no Shopping, não terão onde usar. Homens, nos seus papéis de provedores, torcendo os narizes e balançando as cabeças a desaprovar as compras das esposas; já os noivos estão mais felizes e, ainda, sorriem diante das compras de suas futuras parceiras, afinal, as brigas podem ficar para depois.
Para minha surpresa o Shopping está quase inteiro decorado para o Natal. Árvores natalinas, papais-noéis, pinheiros, bolas vermelhas, laços dourados, lenhadores, bichinhos, presépios, tudo o que as festas natalinas têm direito. Só falta o bom velhinho, que de acordo com o anúncio deve chegar no dia 11 de novembro. Mas, tem outro Shopping da cidade que chega no dia 05. O sonho não pode esperar.
Sem a presença do bom velhinho, o movimento em torno do local decorado ainda é pequeno e atrai pouco as pessoas.
Quando olho para o lado vejo uma menininha. Está com um vestidinho azul, sandália dourada nos pés, uma pulseirinha de ouro no braço e o cabelo castanho levemente bagunçado. Devia ter menos de dois anos, porque a pequena cerca a impedia de ver todo o cenário. Parada, como se estivesse sozinha, sem timidez alguma ela se agarra à cerquinha, fica ligeiramente na pontinha de seus diminutos pés e olha entre o assombro e o maravilhamento para aquele cenário.
A menininha não sorri, apenas olha encantada para aquele mundo de fantasia. Como se dissesse para si mesma: eu sei que ainda não é Natal, mas estou esperando o Papai Noel chegar. Esse modo livre de normas sociais fez meu mundo de fantasias abrir-se àquele gesto meigo, simples e descompromissado com as compras; livre para sonhar o Natal que ainda existirá dentro dela.
O resto do Shopping desapareceu e o espelho da infância abriu para mim o afago doce da fantasia. Não despregava os olhos daquela cena, embebido no olhar daquela bebê. Ouvi dizer, que as crianças deixam de ser bebês depois dos dois anos, então ela era uma bebê e eu o guardião daquela cena, preocupado com os adultos à sua volta, pois era possível que pisassem em seus pezinhos ou, então, a empurrassem. Naquele momento estava disposto a tudo para mantê-la naquele universo e armei-me de uma face sombria.
Meu domingo mudou de uma hora para outra. Pude sorrir naquele instante. Não sei ao certo quanto tempo durou, talvez apenas o tempo entre o subir e o descer dos pés; suficiente para me libertar deste mundo e viver a intensidade de um presente sem fim.
Logo, chegou uma mulher, abaixou e falou algo ao ouvido da bebê; ela sorriu, deu os bracinhos e alçada aos ares voou como um anjo no fim da tarde. Aquela mãe roubou o meu anjo de Natal, mas deixou a marca de uma esperança boba e inocente que me fez melhor, pelo menos na fração de tempo que puder admirar algo fora de mim.
Fui para casa sentindo uma felicidade infantil, porque aquele momento ninguém o roubará mais de mim.
À tarde e solitário vi um anjo nascer e meus olhos ganharam asas.
sexta-feira, 27 de outubro de 2017
O poema que ainda germina
dorme no fundo do corpo
despreocupado da mão
de quem o escreve.
Está ali, no vazio, na solidão,
todo silêncio e percepções.
Sinto-o e é como se não quisesse
deixá-lo desgarrar de mim.
Invento motivos banais
leituras enviesadas
para evitar que os dedos grávidos
deem à luz [na folha em branco]
a um poema inocente.
O poema não tem culpa de quem o escreve
não quer ser poesia,
não quer esse peso sobre seus ombros.
Então, acaricio-o, deixo ficar
fecho os olhos da realidade
e abro os olhos da fantasia
e o poema criança
[menino ou menina, que importa]
salta e corre livre na grama seca
como se ali houvesse um jardim
e as flores atraíssem as borboletas.
dorme no fundo do corpo
despreocupado da mão
de quem o escreve.
Está ali, no vazio, na solidão,
todo silêncio e percepções.
Sinto-o e é como se não quisesse
deixá-lo desgarrar de mim.
Invento motivos banais
leituras enviesadas
para evitar que os dedos grávidos
deem à luz [na folha em branco]
a um poema inocente.
O poema não tem culpa de quem o escreve
não quer ser poesia,
não quer esse peso sobre seus ombros.
Então, acaricio-o, deixo ficar
fecho os olhos da realidade
e abro os olhos da fantasia
e o poema criança
[menino ou menina, que importa]
salta e corre livre na grama seca
como se ali houvesse um jardim
e as flores atraíssem as borboletas.
Em algum canto do mundo
alguém se lembra de mim
e estremece à minha vaga lembrança.
Alguém sempre tem
que do amor ou da dor se consola
quando minha imagem à mente vem.
Há alguém que o lampejo
de meu rosto, mudo ou sorridente
treme e espelha os dentes
mesmo me sabendo ausente.
Há alguém que à mente nos vem
e nos altos distantes nos leva além
de nossos corpos.
Há alguém que não se toca
que à mente nos vem,
mas eu sei que tem
em meu nome uma breve oração.
Há alguém que desliza
e ao Hades vem
desde tempos dantescos
à procura daquele bem
e cai e peca feliz
de na mente ter alguém.
Há alguém inevitável,
que nos devora e nos faz bem,
que nos percorre o corpo
quando à mente nos vem.
alguém se lembra de mim
e estremece à minha vaga lembrança.
Alguém sempre tem
que do amor ou da dor se consola
quando minha imagem à mente vem.
Há alguém que o lampejo
de meu rosto, mudo ou sorridente
treme e espelha os dentes
mesmo me sabendo ausente.
Há alguém que à mente nos vem
e nos altos distantes nos leva além
de nossos corpos.
Há alguém que não se toca
que à mente nos vem,
mas eu sei que tem
em meu nome uma breve oração.
Há alguém que desliza
e ao Hades vem
desde tempos dantescos
à procura daquele bem
e cai e peca feliz
de na mente ter alguém.
Há alguém inevitável,
que nos devora e nos faz bem,
que nos percorre o corpo
quando à mente nos vem.
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
Subi ladeiras
onde não havia escadas
para tocar o infinito
e alcançar a sombra
do céu de tua boca.
Sem asas, pude voar
em sonhos brancos
e conhecer a fantasia
dos cantos nus e puros.
Não, não posso nem me culparei
pelas asas que me deste.
Só é possível voar
quando não se tem grades no olhar
e um pássaro canta enlouquecido
no jardim de um peito em flores.
onde não havia escadas
para tocar o infinito
e alcançar a sombra
do céu de tua boca.
Sem asas, pude voar
em sonhos brancos
e conhecer a fantasia
dos cantos nus e puros.
Não, não posso nem me culparei
pelas asas que me deste.
Só é possível voar
quando não se tem grades no olhar
e um pássaro canta enlouquecido
no jardim de um peito em flores.
terça-feira, 24 de outubro de 2017
Um amor para a vida inteira
é um amor muito grande, longo,
que se espraia no espaço
e preenche todo o tempo disponível
no mundo.
Porém, não temos a vida toda
e um amor tão duradouro
pode cansar e não deixar mais tempo
a não ser para amar e amar e mal'acabar-se.
Amar demais, por tanto tempo, assim sem prazos
deve enjoar e a vida sofrer dos encurtamentos.
Um amor para a vida inteira
poder fazer a vida pequena
e seu tempo muito breve para tanto amor.
é um amor muito grande, longo,
que se espraia no espaço
e preenche todo o tempo disponível
no mundo.
Porém, não temos a vida toda
e um amor tão duradouro
pode cansar e não deixar mais tempo
a não ser para amar e amar e mal'acabar-se.
Amar demais, por tanto tempo, assim sem prazos
deve enjoar e a vida sofrer dos encurtamentos.
Um amor para a vida inteira
poder fazer a vida pequena
e seu tempo muito breve para tanto amor.
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
Avise a Bandeira
Avise a Bandeira
que não sou amigo nem inimigo
apenas um conhecido,
mas que encontrei a estrela da manhã.
Realmente ia nua
como descrita em seu apelo
nua em pelo,
a vi de costas
e sua bunda nua
qual a lua
reluzia pela manhã.
Desci a ladeira
e a estrela da manhã me abraçou
ultrajada até a última baixeza.
Pelo seu corpo havia dentadas
marcas das bocas dos marinheiros,
dos funcionários públicos, dos sargentos,
e até do Leproso do Pouso Alto.
Agora, também tem meus dentes
e minha boca nela tatuei,
nem precisei, como meu nobre colega,
comer terra ou fazer cavalhadas.
Embalei a estrela da manhã
em meus braços, com minhas mãos
em conchas amparei seus seios
e matei minha fome de outras eras.
Diga a Bandeira, a Manuel,
que se vier, venha armado,
não serei presa de Misael, nem cairei
na rua da Constituição,
que reze uma Ave-Maria,
que chore todas as virgens que conheça,
que a estrela da manhã
já vinha descabaçada
e assim como ele, também quero para mim
a estrela da manhã,
pura ou degradada
além de sua última baixeza.
E quando chegar não estarei em Mata-Cavalos,
Catumbi ou Todos os Santos,
que estarei na Pasárgada
porque lá, eu sou filho do Rei.
que não sou amigo nem inimigo
apenas um conhecido,
mas que encontrei a estrela da manhã.
Realmente ia nua
como descrita em seu apelo
nua em pelo,
a vi de costas
e sua bunda nua
qual a lua
reluzia pela manhã.
Desci a ladeira
e a estrela da manhã me abraçou
ultrajada até a última baixeza.
Pelo seu corpo havia dentadas
marcas das bocas dos marinheiros,
dos funcionários públicos, dos sargentos,
e até do Leproso do Pouso Alto.
Agora, também tem meus dentes
e minha boca nela tatuei,
nem precisei, como meu nobre colega,
comer terra ou fazer cavalhadas.
Embalei a estrela da manhã
em meus braços, com minhas mãos
em conchas amparei seus seios
e matei minha fome de outras eras.
Diga a Bandeira, a Manuel,
que se vier, venha armado,
não serei presa de Misael, nem cairei
na rua da Constituição,
que reze uma Ave-Maria,
que chore todas as virgens que conheça,
que a estrela da manhã
já vinha descabaçada
e assim como ele, também quero para mim
a estrela da manhã,
pura ou degradada
além de sua última baixeza.
E quando chegar não estarei em Mata-Cavalos,
Catumbi ou Todos os Santos,
que estarei na Pasárgada
porque lá, eu sou filho do Rei.
domingo, 22 de outubro de 2017
Chove...
gostaria de dizer que faz sol
mas..chove e é madrugada.
Estou sozinho
e tenho ódio de mim
porque sou igual
Àquele outro
que tanto rejeitei.
Chove...
podiam haver estrelas no céu,
mas, ouço as águas da chuva
e lavo meu corpo
nas memórias familiares
[da única família que conheci].
Sou cara ou coroa,
face da mesma moeda
verso e reverso
daquilo que odeio em mim
por ser parte do Outro
de onde nasci.
gostaria de dizer que faz sol
mas..chove e é madrugada.
Estou sozinho
e tenho ódio de mim
porque sou igual
Àquele outro
que tanto rejeitei.
Chove...
podiam haver estrelas no céu,
mas, ouço as águas da chuva
e lavo meu corpo
nas memórias familiares
[da única família que conheci].
Sou cara ou coroa,
face da mesma moeda
verso e reverso
daquilo que odeio em mim
por ser parte do Outro
de onde nasci.
Tenho tempo para a poesia,
assim como para o amor,
para a vida e para a morte.
Tenho tempo para os versos
que livres demais
fogem aos meus dedos.
Mas, tenho tempo para a poesia
e seus melindres
a me espiar enquanto vivo.
Tenho tempo para a poesia.
Mas, ela está ausente
e sinto uma falta enorme
daqueles versos a bater
em minha porta.
assim como para o amor,
para a vida e para a morte.
Tenho tempo para os versos
que livres demais
fogem aos meus dedos.
Mas, tenho tempo para a poesia
e seus melindres
a me espiar enquanto vivo.
Tenho tempo para a poesia.
Mas, ela está ausente
e sinto uma falta enorme
daqueles versos a bater
em minha porta.
quarta-feira, 4 de outubro de 2017
Teu sorriso
Teu sorriso de portas abertas
me deixou entrar travesso.
Teu sorriso,
fresca sombra em dias quentes,
soube me beber aos goles,
e fiquei sorrindo
boquiaberto diante do azul
daquele celeste fim de tarde.
me deixou entrar travesso.
Teu sorriso,
fresca sombra em dias quentes,
soube me beber aos goles,
e fiquei sorrindo
boquiaberto diante do azul
daquele celeste fim de tarde.
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
Sempre as palavras em roda,
girando nessa ciranda solar,
lunar, infinita e sistemática de crises.
É a vida muda que segue seu curso,
natural em todos os atos.
Todos os dias esse levantar e deitar
lavar-se, pentear-se, escovar os dentes
e essas presas em fúria
disfarçadas de sorrisos.
A banal e cotidiana vida
sem mistérios e sem misticismos,
alicerçada sobre esta horrenda
argamassa a que chamamos o Amor.
girando nessa ciranda solar,
lunar, infinita e sistemática de crises.
É a vida muda que segue seu curso,
natural em todos os atos.
Todos os dias esse levantar e deitar
lavar-se, pentear-se, escovar os dentes
e essas presas em fúria
disfarçadas de sorrisos.
A banal e cotidiana vida
sem mistérios e sem misticismos,
alicerçada sobre esta horrenda
argamassa a que chamamos o Amor.
sábado, 9 de setembro de 2017
O lobo-marinho de Guaratuba
Alguns cronistas esportivos dizem que há coisas que só acontecem ao Botafogo. Mas, vivendo aqui no Estado do Paraná, percebi que há coisas que só acontecem aos paranaenses. A semana que finda deixou na memória, sem adeuses ou despedidas esplendorosas, um lobo-marinho. O bicho, em sua longa viagem, estacionou em praias paranaenses, nas areias de Guaratuba.
Fim de inverno, com dias para lá de quentes, foi uma surpresa ver aquele parente de foca, cheio de pelos, deitado modorrentamente diante dos olhares curiosos daqueles que passavam pelas calçadas à beira mar. Velho lobo do mar - perdoe-me aqui, o bicho, em sua honrada espécie, as confusões com sua origem -, solitário, sem fêmeas ou filhos que lhe fizessem companhia em sua odisseia brasileira, parou para descansar.
Irmanados na solidão do animal, turistas também solitários, fugindo de colegas de trabalho e da caceteação familiar, marcaram um encontro mudo, com ares de guerra fria. Espionado pelos olhares, o lobo-marinho, simplesmente deu-lhes a face de seu traseiro e dormiu no seu quarto a céu aberto, na privacidade que sua vida de bicho lhe permite.
O lobo-marinho, mudo, sem uivos ou qualquer outro som imaginável marcou seu território, era imponente em seu desdém, se impunha curitibanamente aos acenos ou expressões de maior arroubo de simpatia, nem a uma selfie sequer cedeu, foi rei fora do mar, deixando-se admirar por seus novos súditos.
Nem mesmo ao Bruce Nolan paranaense, o leão deu bola. Jasson Goulart, porém, insistente, montou guarda. Abriu seu guarda-sol, pediu sua cerveja longe das câmeras, acendeu seu cigarro, deu uns autógrafos, cedeu com aberta generosidade às selfies e se fez ele mesmo atração. Na hora do almoço, do dia seguinte, Jasson noticia, com ares de tristeza, devido ao afeto já adquirido pelo animal, sua brusca partida no meio da tarde.
Solitário como chegou, o lobo-marinho partiu. Aspirou o cheiro das águas, sentiu a maresia bafejar-lhe os bigodes e lembrou-se que, do outro lado do mar, tinha família, uma leoa que reclamaria seu atraso e filhotes ansiosos pelas histórias do pai. Partiu, não disse adeus. Só Jasson, em sua solidão, quebrada apenas pela presença do câmera man, viu a partida. Sentiu que também era meio lobo-marinho, que compartilhava das ideias do bicho, sem nunca haver trocado com ele uma só palavra. Ensaiou gestos, caras e bocas e no dia seguinte anunciou a partida como quem chora pelo ente querido que partiu.
À noite, em sua casa, Jasson fumou um cigarro, refletiu sobre a vida, escovou os dentes diante do espelho do banheiro e dormiu, certo de que à noite sonharia que ele também era um lobo-marinho.
sábado, 26 de agosto de 2017
Comi o pão amanhecido de tua boca,
as manhãs estavam plenas de sol
e o azul dos olhos do céu
enchia o céu de minha boca
de estrelas, enquanto as borboletas
voavam sobre a boca de meu estômago.
O pão, a boca, o abismo
de cada dia,
a oração dos loucos e dos apaixonados
diante desse altar indigno de tuas nádegas.
Faço-me navegante e sou todo brilho,
todo luzes e de minha boca jorram
as águas de teu corpo.
O mundo entra pela minha boca,
a Terra torna vazia e sem forma
e o espírito de Deus paira sobre as águas.
as manhãs estavam plenas de sol
e o azul dos olhos do céu
enchia o céu de minha boca
de estrelas, enquanto as borboletas
voavam sobre a boca de meu estômago.
O pão, a boca, o abismo
de cada dia,
a oração dos loucos e dos apaixonados
diante desse altar indigno de tuas nádegas.
Faço-me navegante e sou todo brilho,
todo luzes e de minha boca jorram
as águas de teu corpo.
O mundo entra pela minha boca,
a Terra torna vazia e sem forma
e o espírito de Deus paira sobre as águas.
quinta-feira, 24 de agosto de 2017
Quando te envolvi com os braços
todos carregados de palavras
e dei a ti uma aliança de verbos e adjetivos,
surpreendeu-me o gesto simples da resposta
rápida dos amantes de anos que se compreendem
como atores de um filme mudo.
Fiquei estático, sem palavras,
porque nunca soube ser sem falar
e ao tirares de mim sem avisos prévios
as sílabas com que te seduzias,
endureci de um olhar em fúria.
Sem mais palavras, balbuciei
meia dúzia de monossílabos
e eu que vinha carregado com um ramalhete
vivo de discursos,
parti mudo, como quem leva
flores murchas e doentes ao cemitério.
todos carregados de palavras
e dei a ti uma aliança de verbos e adjetivos,
surpreendeu-me o gesto simples da resposta
rápida dos amantes de anos que se compreendem
como atores de um filme mudo.
Fiquei estático, sem palavras,
porque nunca soube ser sem falar
e ao tirares de mim sem avisos prévios
as sílabas com que te seduzias,
endureci de um olhar em fúria.
Sem mais palavras, balbuciei
meia dúzia de monossílabos
e eu que vinha carregado com um ramalhete
vivo de discursos,
parti mudo, como quem leva
flores murchas e doentes ao cemitério.
segunda-feira, 21 de agosto de 2017
Os animais me atraem
não tanto como as pessoas,
mas como dói esse contato
áspero de insutilezas.
O animal humano
ainda brilha no horizonte
de minhas contemplações
e como é sofrível
ter com esses seres amizade
ou amor.
Antes tivesse a casa cheia de gatos
ou cercado de cães recebesse as lambidas
de um amor sincero e desinteressado.
Porém, sofro com as patadas e os coices
da humana gente,
que de animal só não tem o andar
em quatro patas.
Como seria feliz, se amasse, se amasse
um animal de quatro patas com pelos,
latidos e ronronares amorosos.
não tanto como as pessoas,
mas como dói esse contato
áspero de insutilezas.
O animal humano
ainda brilha no horizonte
de minhas contemplações
e como é sofrível
ter com esses seres amizade
ou amor.
Antes tivesse a casa cheia de gatos
ou cercado de cães recebesse as lambidas
de um amor sincero e desinteressado.
Porém, sofro com as patadas e os coices
da humana gente,
que de animal só não tem o andar
em quatro patas.
Como seria feliz, se amasse, se amasse
um animal de quatro patas com pelos,
latidos e ronronares amorosos.
quarta-feira, 16 de agosto de 2017
Oração dos Curitibanos
Curitiba de amores e rumores
de onde vêm teus ventos gelados?
A praça é do General Osório,
o museu é do Olho,
o cavalo é babão,
e da praça, Santos Andrade
espia a branca universidade.
Curitiba dos imigrantes,
teus filhos são eternos
teus advogados são vampiros,
teus poetas são pernetas
e tua Alice é das maravilhas.
Curitiba predileta,
a Ópera é de Arame
o licor é de merda,
a Pedreira é do poeta
e Afonso Pena para chegar
ao aeroporto pela avenida das Torres.
O Jardim é Botânico e tem estufa
o Memorial é dos ucranianos
o Portal é dos italianos
o Bosque é do Papa
e a Boca é Maldita,
bebendo o vinho de Santa Felicidade.
Vamos ao Mercado Municipal
e depois ao shopping da Estação,
que o trem para Morretes parte cedo
e o Largo da Ordem convida à desordem
dos cheiros, misturas e sabores da noite.
Curitiba de todos os povos, orai
e olhai por nós de tua mística Torre,
Amém.
de onde vêm teus ventos gelados?
A praça é do General Osório,
o museu é do Olho,
o cavalo é babão,
e da praça, Santos Andrade
espia a branca universidade.
Curitiba dos imigrantes,
teus filhos são eternos
teus advogados são vampiros,
teus poetas são pernetas
e tua Alice é das maravilhas.
Curitiba predileta,
a Ópera é de Arame
o licor é de merda,
a Pedreira é do poeta
e Afonso Pena para chegar
ao aeroporto pela avenida das Torres.
O Jardim é Botânico e tem estufa
o Memorial é dos ucranianos
o Portal é dos italianos
o Bosque é do Papa
e a Boca é Maldita,
bebendo o vinho de Santa Felicidade.
Vamos ao Mercado Municipal
e depois ao shopping da Estação,
que o trem para Morretes parte cedo
e o Largo da Ordem convida à desordem
dos cheiros, misturas e sabores da noite.
Curitiba de todos os povos, orai
e olhai por nós de tua mística Torre,
Amém.
A viagem e o regresso.
Na memória, a aventura.
Viajamos antes de partir
viajamos após regressar.
Nunca estamos parados,
estamos em trânsito
para o passado ou para o futuro;
a viagem que foi, a viagem que será.
Vivemos a expectativa da partida
e a saudade da chegada.
Nunca estamos em nós
viajamos sempre.
Eternos Odisseus em busca de Ítaca,
filhos do mito navegante
atravessamos a vida,
mesmo sabendo que o fim
se repete para todos
e que as pernas são curtas
para o caminho.
Na memória, a aventura.
Viajamos antes de partir
viajamos após regressar.
Nunca estamos parados,
estamos em trânsito
para o passado ou para o futuro;
a viagem que foi, a viagem que será.
Vivemos a expectativa da partida
e a saudade da chegada.
Nunca estamos em nós
viajamos sempre.
Eternos Odisseus em busca de Ítaca,
filhos do mito navegante
atravessamos a vida,
mesmo sabendo que o fim
se repete para todos
e que as pernas são curtas
para o caminho.
terça-feira, 15 de agosto de 2017
Aprendi que se sofre só
mudo de calado
anônimo de pessoas
que ninguém está para ouvir
lamúrias ou choros.
Gostam de gente alegre,
sorridente de dentes à mostra
pronta para festas e amizades.
Sofre-se só, de dor miúda ou grande
impertinente em suas náuseas.
Quem é alegre está nas ruas
cercado de amores e sorrisos,
porque gente alegre chama a atenção.
Quem sofre, sofre no miúdo espaço da solidão
nem mais nem menos, sofre-se só e calado,
nas praças ou nos quartos, alheio de mãos
e carente de efêmeros afagos.
mudo de calado
anônimo de pessoas
que ninguém está para ouvir
lamúrias ou choros.
Gostam de gente alegre,
sorridente de dentes à mostra
pronta para festas e amizades.
Sofre-se só, de dor miúda ou grande
impertinente em suas náuseas.
Quem é alegre está nas ruas
cercado de amores e sorrisos,
porque gente alegre chama a atenção.
Quem sofre, sofre no miúdo espaço da solidão
nem mais nem menos, sofre-se só e calado,
nas praças ou nos quartos, alheio de mãos
e carente de efêmeros afagos.
sábado, 12 de agosto de 2017
A escultura informe grita sozinha
alheia aos olhos das pessoas.
Boca maldita, maldita boca
de passantes e transeuntes.
Bêbados e solteiras, clowns
e executivos disputam a praça
das memórias, dos cafés e dos bares
quentes da cerveja que evapora das bocas.
Boca maldita, maldita boca de todos nós
orai pelos perdidos da praça,
orai pelos perdidos do mundo, alheios
aos olhos de Deus e caídos na malendicência
da Boca maldita, da maldita boca
de todos nós.
alheia aos olhos das pessoas.
Boca maldita, maldita boca
de passantes e transeuntes.
Bêbados e solteiras, clowns
e executivos disputam a praça
das memórias, dos cafés e dos bares
quentes da cerveja que evapora das bocas.
Boca maldita, maldita boca de todos nós
orai pelos perdidos da praça,
orai pelos perdidos do mundo, alheios
aos olhos de Deus e caídos na malendicência
da Boca maldita, da maldita boca
de todos nós.
sexta-feira, 4 de agosto de 2017
Inutilidade
Inútil a vida como a morte
ambas não têm sentido
nem rumo certo.
A incerteza do futuro,
a incerteza do pós-morte.
A incerteza da inutilidade
que é pensar sobre a vida
e sobre a morte.
Inútil o dia como a noite,
inútil a poesia como o amor,
o sexo ou o futebol.
Inútil a literatura e o jornal,
ambos com suas ficções.
Inútil o alimento
que alimenta o corpo
e o engorda para a morte.
Inútil a música e os músicos
inútil o professor e o doutor,
todos inúteis em seus egos
descabíveis e minúsculos.
Inúteis as palavras
pesando sobre a língua
e sobre as consciências.
Inútil a filosofia e suas mil
formas de pensar a vida.
Inútil a história como a piada,
ambas risíveis e mentirosas.
Inútil o remédio que prolonga a vida
e retarda a inevitável morte.
Inútil a xícara quando se toma igual
o café em um copo americano.
Inútil a faca que corta a carne
quando uma dentada basta.
Inútil nossa hipócrita civilidade
que grita dentro de nós primitivos desejos.
Inútil o argumento
quando jamais mudaremos de opinião.
Inútil a pressa de chegar
se devagar chega-se ao mesmo lugar.
Inútil o corpo quente
quando se goza também sozinho.
Inútil a saudade
se ela se acaba com o encontro.
Inútil a verdade
quando muitos vivem felizes
com a mentira nossa de cada dia.
ambas não têm sentido
nem rumo certo.
A incerteza do futuro,
a incerteza do pós-morte.
A incerteza da inutilidade
que é pensar sobre a vida
e sobre a morte.
Inútil o dia como a noite,
inútil a poesia como o amor,
o sexo ou o futebol.
Inútil a literatura e o jornal,
ambos com suas ficções.
Inútil o alimento
que alimenta o corpo
e o engorda para a morte.
Inútil a música e os músicos
inútil o professor e o doutor,
todos inúteis em seus egos
descabíveis e minúsculos.
Inúteis as palavras
pesando sobre a língua
e sobre as consciências.
Inútil a filosofia e suas mil
formas de pensar a vida.
Inútil a história como a piada,
ambas risíveis e mentirosas.
Inútil o remédio que prolonga a vida
e retarda a inevitável morte.
Inútil a xícara quando se toma igual
o café em um copo americano.
Inútil a faca que corta a carne
quando uma dentada basta.
Inútil nossa hipócrita civilidade
que grita dentro de nós primitivos desejos.
Inútil o argumento
quando jamais mudaremos de opinião.
Inútil a pressa de chegar
se devagar chega-se ao mesmo lugar.
Inútil o corpo quente
quando se goza também sozinho.
Inútil a saudade
se ela se acaba com o encontro.
Inútil a verdade
quando muitos vivem felizes
com a mentira nossa de cada dia.
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
Por que as palavras?
As inúteis e repetidas palavras
a zumbirem em meus ouvidos?
Embora tenhas te calado,
ainda as ouço [as palavras ou os gritos?]
como em sonho distante;
perderam, porém, o efeito das erupções
e dormem no fundo do peito
tão vazias de sentido;
desgastadas pelo tempo
as tuas palavras, tão tuas
que as entreguei a ti
e nada mais dizem e adormeço
e me alegro fetalmente seguro de mim.
quinta-feira, 6 de julho de 2017
O nascimento
No fundo de um mangue, à beira do rio Tietê, na parte mais fedorenta de suas margens, nasceu REMET, o herói de nossa gente. Era uma criança feia e magra, de olhos assustados, como têm os ratos quando são pegos em flagrante.Nesse dia houve um silêncio tão grande, que não se ouviu nenhuma panela bater, nem as luzes dos edifícios piscarem. Tudo corria como as águas do Tietê, calma e fedorentamente lentas.
Era, esse menino, filho de uma velha libanesa, que fora da época de engravidar e parir, expeliu ao mundo essa tiririca. A velha viera como barregã de um mascate que negociava no fundo do vale do Anhagabaú, atual 25 de março.
Dizem as más línguas, que não faltam nem mesmo nas famílias mais sérias, ser o menino filho de Salim, um turco, mas como no Brasil, todo libanês vira turco, o pai não negou a paternidade, nem a assumiu. Sumiu foi no mundo, de mala na mão e tecido de seda para encantar as meninas ribeirinhas do Vale do Ribeira.
Anos depois, quando o menino perguntou pelo pai, disseram que o mascate era neto de Macunaíma e como o avô subira ao céu e virara estrela, que se um dia ele fosse ao rio Uraricoera, veria o pai cuidando das águas.
Naquele mesmo dia, após assistir ao longa metragem O vento levou, mesmo sem saber o que era isso ainda, o menino REMET, de olhos assustados e dedos de rato, olhou pela janela, juntou os braços e disse, jamais passarei fome.
Foi quando o menino teve uma visão: um país mergulhado na corrupção, pré-apocalíptico, com senadores sendo acusados, deputados sendo presos, delações premiadas aos montes e se viu velho, cascorento, meio seboso, com uma jovem ao seu lado. Todos o acusavam dos atos mais sórdidos, mas ele reinava, soberano, olhando do Palácio do Jaburu, o Brasil deitado eternamente em berço esplêndido.
Nessa noite, REMET dormiu calmo, um sono pesado, que nem algumas panelas batendo puderam acordá-lo. Sabia em sua alma, que eram ecos futuros, de outros tempos e que o batuque era o samba da gente rica e indignada contra a dama de vermelho. Ela lembrou sua mãe, mas logo dissipou a imagem e REMET, o herói de nossa gente, pegou fundo no sono, deixando uma longa marca de baba no travesseiro ao amanhecer.
terça-feira, 6 de junho de 2017
A partida
"De repente não mais que de repente", como disse o poeta ou o profeta das partidas, ela chegou e pediu um diminuto espaço. Acredito que devia ocupar um diâmetro menor do que um grão de arroz dentro da barriga da mãe dela. Aos poucos as águas daquele imenso oceano de criação, antes sem forma e vazio, iniciavam um longo marulhar de ondas que lembravam o infinito. Ainda não se havia feito a luz, e aquele diminuto corpo, se equilibrava numa sapatilha de ilusão e fazia das águas o palco de uma dança ensaiada, em um ritmo esquecido, de outras épocas.
Logo o pequeno corpo, queria mais espaço e forçou que a barriga fosse ganhando a forma de uma melancia, meia esfera de um universo que era todo o mundo dela. Ainda não se sabia ela, nem nós sabíamos que uma menina se desenhava nos giros da centrífuga abdominal. Logo a médica disse: "olha.... está vendo aquele sanduíche ali, duas fatias de pão? Então.... é uma menina...." e de repente....os olhos só viam a cor rosa em todos seus matizes, vestidos, pantufas, brincos, faixas, coraçõezinhos, como se as outras cores esmaecessem diante das vitrines povoadas de um universo rosa antes inexistente.
Em seguida, parece que a barriga ficou pequena e alguns dedos surgiram desenhando um arco-íris de expectativas; e nós de câmeras em punho, celulares de plantão, nos transformávamos em paparazzi só para flagrar aquelas mãos ainda sem rosto, aqueles pés, ainda sem corpo. Mas, os pés chutavam e as mãos empurravam, o corpinho se fazia grande no seu primeiro universo e tinha necessidade de expansão, novos territórios, o perigo dos limites desaparecendo e: zás: o mundo dela virou de ponta cabeça, as pernas ficaram dobradas e um mergulho se anunciava a qualquer momento, o salto da acrobata se anunciava para fora da bolha quente e visceral na qual ela se formara. Medo? Dor? Insegurança? Nada ela podia comunicar em seu silêncio absoluto, na companhia daquela mãe que ela só conhecia por dentro. Começamos a vida nesses termos, sabendo de nossas mães pelos avessos.
Meses depois dos primeiros anúncios, denunciados nos enjoos, na estranha sensação de que o sangue não descia mais, uma menininha ocupava alguns centímetros na larga cama. Antes, pedira espaço nos braços e esses viraram um barquinho navegando um mar imaginado, de ondas inexistentes, mas de um efeito calmante incrível, os quadris também se habituaram a um chacoalhar repetitivo da direita para esquerda e vice-versa.
Ela olhava ao redor os fragmentos de realidade de seu pequeno horizonte. Os objetos ainda não despertavam interesse ou pelo menos não emulavam com o odor doce, a textura macia e quente dos seios que a alimentavam.
Aquela bebezinha ocupava o espaço de um universo em minha mente. Sonhos, desejos, futuros que se desenhavam sempre nas alturas que podem alcançar a imaginação paterna.
Ela olhava, respirava, chorava e, quando dei por mim, meus braços tinham virado redes suspensas no ar, barco de vela no mar, para navegar em ondas imaginárias, só para embalar um pacotinho de 50 centímetros, que sentia falta de um mar que as ondas não trazem mais.
Lembrei-me disso hoje. A madrugada avançava e uma passageira pedia aventuras. Logo, meus braços ganharam a forma de um casco de nau, içamos vela e deixamos o tempo correr. Não me importei com as horas, sei que um dia este barco aqui será insuficiente, essa desbravadora do mundo precisará de embarcações maiores, porque o mar é infinito e nós, pais, somos apenas as águas amansadas de um córrego em fim de tarde.
domingo, 28 de maio de 2017
CONVERSA FIADA
Diria a princípio que era domingo. Mas, acabo de notar que passaram-se os primeiros vinte minutos da meia noite, portanto, tecnicamente é segunda-feira. O primeiro dia útil da semana. Linguagem capitalista, como se fossem úteis apenas os dias de trabalho. Tenho visto que eles são os mais inúteis de nossas vidas. Afinal, desgastamo-nos e nos agastamos por muitas coisas. Talvez, por isso, inventaram a úlcera nervosa. Para nos lembrar que é dia de semana e é dia útil.
O fato é que estou triste, de uma tristeza inexplicável, daquelas que só surgem à noite, quando o silêncio toma conta da vizinhança e escutamos ao longe algumas cantilenas que cuidam embalar os bebês. Então, desliguei a TV e não fui para cama; vim para a frente do computador, com uma vontade imensa de me deixar aqui na tela, de purgar de mim as dores e as realidades, as verdadeiras e as inventadas.
Queria ter o dom de inventar personagens. Criaria um à minha imagem e semelhança. Mas não sofro da heresia dos autores ou sofro da incapacidade das pessoas comuns. Assim, jogo-me no papel, desculpem, na tela branca do blog que imita o sulfite branco. Até pensei em comprar uma máquina de escrever, daquelas de quando eu tinha 11 anos e fui aprender datilografia na escola. Tenho o diploma ainda e a saudade de compor à moda antiga um conto que ficaram naquelas teclas. Lembro que a filha da professora, para meus padrões da época, era bonita e valia o fim da aula, quando ela buscava a mãe.
Mas, afinal, por que escrevo? O que há em mim que me força a digitar essa conversa fiada? É a falta de sono? A incapacidade de fazer uma oração? O que quero? Tirar a dor? Inventar uma? Fingir que não me importo com o que as pessoas dizem de mim? Ou ter necessidade de falar delas? Há, sim, uma ânsia de abraçar o mundo, mas tenho apenas duas mãos e está bem longe o sentimento do mundo. Queria ser apenas eu, livre, leve, sem as preocupações de pôr ordem no mundo. Gostaria de ser afeito à desordem.
Escrevo porque é uma forma de matar. Sim. Uma forma de cometer um assassinato. Pensando bem, uma forma de suicídio autoral. Mata-se um pouco cada vez que um texto vai à folha. É como ser uma árvore em manhã de outono e ver suas folhas buscarem o chão, cansadas de sonhar que estavam. Até as árvores se entregam, por que não posso ir à lona alguma vez? Ao menos admito que a vida não é uma luta que se ganha de nocaute, é round a round, ponto a ponto e nem sempre o final nos é favorável.
Porém, como saí das árvores e caí no ring? Essa mania de uma conversa puxa outra, como papo de bar, leva a esses efeitos morais das considerações sobre a vida. Enfim, o texto é meu e enfio nele o que quiser, posso ocupar-me da liberdade da página sem pedir licenças, aqui ainda posso ser livre. O leitor não precisa perder tempo, os canais fechados estão cheios de adaptações de Nicolas Sparks e atendem ao desejo de felicidade de milhares de pessoas. A frouxa e alegre vida de amores e encantos que lotam as salas de psicólogos e de psiquiatras ao final da sessão de cinema.
Boa noite, não vou dormir, mas essas conversa já excedeu as linhas que valiam. Por isso, encerro aqui essa conversa fiada, de fim de noite. Quem venha a segunda-feira e com ela todas as inutilidades dos dias úteis.
terça-feira, 23 de maio de 2017
Assunto antigo
Texto em homenagem a seu Cláudio, aluno de Letras. In memorian
A morte é o assunto mais antigo da literatura e de nossas vidas. Volta e meia nos vemos aos apertos de mãos com ela e, nem por isso, acostumamo-nos a essa "indesejada das gentes". Assim, como falar dela, também, é um risco. Podemos cair na cilada dos estereótipos e sair afirmando que "todos têm seu tempo", "a morte não manda aviso", a "morte já vem com um advogado", "uns vivem pouco, outros muito".
O fato é que desta vida, longa ou breve, nada se leva, apenas se deixa. Deixamos para trás os títulos, os livros comprados a duras custas, a casa, as roupas, o carro, os amigos, a família, os filhos e as lembranças. Vivemos ainda um bom tempo na memória dos que ficaram. Demoramos a morrer, a desaparecer assim de vez, no infinito das preocupações humanas. Mas, enfim, partimos, cruzamos a linha do esquecimento e viramos breve resquício no horizonte das reminiscências.
A pessoa que partiu hoje é seu Cláudio, deste jeito, sem sobrenome, sem essa carga que carregamos ao longo da vida, como burros a puxar carroça. Agora ele tem a liberdade de deixar nessa vida os documentos, os comprovantes, as contas e o peso de deixar ou não um nome. Seu Cláudio, é assim que o conheciam. Pessoa simples, humilde, persistente a despeito das dificuldades ou reprovas. Ele provou a máxima do futebol: o jogo termina só com o apito final. Seu Cláudio fez isso. Prestou vestibular para Letras, quando seus colegas de sala tinham a idade para ser seus filhos ou netos, quem sabe. Enfrentou as críticas veladas, dó, compaixão, condescendência, com a mesma parcimônia e brilho iniciais quando virou, grande paradoxo, calouro. Ele sabia que da vida nada se leva, mas enquanto há luz nos olhos se pode aprender.
A vida é como um breve aplauso. Parece longa, às vezes pesada, mas se perderes o passo, não perceberás que alguém te aplaudiu um dia. Assim, partiu seu Cláudio, antes do fechar das cortinas, antes dos aplausos da colação de grau e de vestir a negra beca dos formandos. Foi antes do show acabar, de as histórias serem narradas até o fim. Quem sabe quais foram os livros que deixou pela metade, quais os capítulos foram fechados antes do fim?
Seu Cláudio não morreu: virou ficção, memória, fantasia. Onde quer que esteja alguém que o conheceu, alguma história terá para contar. Seu Cláudio fez isso, partiu como chegou, sem alardes, com passo lento e olhar humilde, sem que muitas pessoas percebessem que ele subia as escadas de um bloco de sala de aulas.
Seu Cláudio hoje não precisa mais ler. Não precisa de nossa aprovação, está despido dos diplomas e dos sonhos que alimentamos em nossas carnes. Formou-se na vida e, agora, pode dialogar com Machado de Assis, Thomas Mann e Joyce, que talvez poderá vê-lo entre a miopia. Será ele reconhecido em sua voz por Borges ainda cego, ou tomará um cálice com Bandeira na Pasárgada, será amigo do rei?
O fato é esse. Seu Cláudio morreu, assim, sem eufemismos. Mas, conservou o que lhe era mais precioso: será o eterno estudante Letras que sempre sonhou, está encantando, estátua de sal plantando no meio da biblioteca de inúmeros autores. Vá em paz, agora terá o tempo da eternidade para ler a infinita biblioteca de toda a humanidade.
sábado, 20 de maio de 2017
Acho que ela se foi, nem me avisou,
nem um bilhete deixou,
e com sua partida
o poeta que havia em mim
desapareceu, virou ilusão,
brilho apagado de uma reminiscência.
Agora não posso com essa angústia
de estar prenhe de ideias
sem ter como dar fim nelas.
Estou ausente de mim,
quando ela voltar
alguém me avise, mesmo que seja de longe
grite para eu ouvir:
ela voltou!!!
Então, não a abandonarei jamais
a terei nos meus braços
e a afagarei como se cuidam das rosas
e ninam as crianças.
Cantarei para ela, contarei segredos
abrirei meu coração
e darei a ela meus medos e meus sonhos
embalados numa caixa de música.
Então, ela dará corda e eu girarei, girarei
até ela se cansar e fechar a caixa,
pondo fim à melodia repetitiva dos dias.
sexta-feira, 5 de maio de 2017
Um poema é o não-dito
de expressão insolucionável
que falta à voz o matiz ideal.
Desexpressão de doce mutismo
entre mil lágrimas ou despido
em amores impronunciáveis.
Esse é o meu poema ideal,
que não desce às esferas
dos cacoetes nem dos vícios
da humana linguagem.
Meu poema se sente assim...
aqui dentro de meu peito, forte e gritante.
E como sou feliz por ter este poema
assim comigo, só meu.
Sou capaz de morrer por ele,
pois não posso entregá-lo
às vãs palavras que tudo podem
do amor e do ódio igualmente amigas.
sábado, 29 de abril de 2017
Acho que desapoetei
me vi despido de palavras,
as mais estranhas possíveis
e só me restaram as comuns
do trivial diário das conversas ocas
das salas de estar
e as mil etiquetas de receber bem.
Emburrei, empaquei assim de mula
que pára e sonha de olhos abertos.
Arreceei de bons dias
e se curvo a cabeça não é por respeito;
é que mudo de palavras
perdi a mão das alvoradas
e vivo nessa insônia de matutar
o dia durante a noite.
me vi despido de palavras,
as mais estranhas possíveis
e só me restaram as comuns
do trivial diário das conversas ocas
das salas de estar
e as mil etiquetas de receber bem.
Emburrei, empaquei assim de mula
que pára e sonha de olhos abertos.
Arreceei de bons dias
e se curvo a cabeça não é por respeito;
é que mudo de palavras
perdi a mão das alvoradas
e vivo nessa insônia de matutar
o dia durante a noite.
sexta-feira, 28 de abril de 2017
Verbos do dessonhar
No começo era o verbo
e foi uma falação sem fim,
um palavrório de burburinho
até que se fez o homem
e a palavra nada pôde a partir daí.
Foi um reganhar de dentes infinito
e mesmo aprendendo a falar,
alfabetizado nas artes do verbo,
os homens continuaram contendas.
Hoje o verbo domesticou os homens
na arte de sonhar e ninguém imagina
sem palavras o mundo dos desejos
e são tantas palavras que deu de nascer
gramáticos e dicionaristas
para domar os sonhos nas artes corretas
das fantasias descritas.
É por isso que os homens se isolam
em seus mundos únicos feitos gaiolas
incapazes de com as palavras opressoras
sonharem juntos a liberdade do verbo.
Então, nada mais se fez e o homem
continua sozinho em solilóquios
com o verbo que aprendeu a delirar.
e foi uma falação sem fim,
um palavrório de burburinho
até que se fez o homem
e a palavra nada pôde a partir daí.
Foi um reganhar de dentes infinito
e mesmo aprendendo a falar,
alfabetizado nas artes do verbo,
os homens continuaram contendas.
Hoje o verbo domesticou os homens
na arte de sonhar e ninguém imagina
sem palavras o mundo dos desejos
e são tantas palavras que deu de nascer
gramáticos e dicionaristas
para domar os sonhos nas artes corretas
das fantasias descritas.
É por isso que os homens se isolam
em seus mundos únicos feitos gaiolas
incapazes de com as palavras opressoras
sonharem juntos a liberdade do verbo.
Então, nada mais se fez e o homem
continua sozinho em solilóquios
com o verbo que aprendeu a delirar.
sábado, 1 de abril de 2017
Não cuidei que houvesse entre eles
ainda o desejo das mãos entrelaçadas
e os olhos em fagulhas dos fogos iniciais,
mas estavam ali, congelados pelo tempo.
Estátuas de praça pública, o casal
vendia, como florista, seus amores
aos transeuntes dispersos.
A idade deles era desconhecida,
os sulcos fundos nos rostos davam
aos clientes do bar pouco frequentado
a sensação de contemplar uma escultura
em madeira talhada por índios de uma tribo perdida.
Alguns até tocavam neles em atitude santa
e acreditavam herdar nesse gesto um amor igual.
Muitos ficaram ali, sempre na esperança
que algum dia outro casal, desavisado, viesse libertá-los
e assumissem o cárcere do amor que os condenou.
ainda o desejo das mãos entrelaçadas
e os olhos em fagulhas dos fogos iniciais,
mas estavam ali, congelados pelo tempo.
Estátuas de praça pública, o casal
vendia, como florista, seus amores
aos transeuntes dispersos.
A idade deles era desconhecida,
os sulcos fundos nos rostos davam
aos clientes do bar pouco frequentado
a sensação de contemplar uma escultura
em madeira talhada por índios de uma tribo perdida.
Alguns até tocavam neles em atitude santa
e acreditavam herdar nesse gesto um amor igual.
Muitos ficaram ali, sempre na esperança
que algum dia outro casal, desavisado, viesse libertá-los
e assumissem o cárcere do amor que os condenou.
domingo, 26 de fevereiro de 2017
Sobre um tema comum
O amor é um tiro que se dá contra
o próprio corpo.
É carta programada de suicida,
é morte anunciada em crônicas policiais,
é morrer de véspera como as aves de Natal
esperando o adeus que não tardará.
A despeito de todas as previsões
cartas, oráculos e horóscopos
atiramo-nos felizes a esse abismo
como o trapezista de um circo de emoções.
Sabemos que o Amor não tem volta
é viagem de exilado, feita contra vontade,
é viver a eterna saudade de um ser
e na dor de que nos falta uma parte no peito;
é entregar a outro o que nos é mais valioso:
as batidas do coração, que descontrolado,
grita escandalizado contra o corpo que lhe carrega.
o próprio corpo.
É carta programada de suicida,
é morte anunciada em crônicas policiais,
é morrer de véspera como as aves de Natal
esperando o adeus que não tardará.
A despeito de todas as previsões
cartas, oráculos e horóscopos
atiramo-nos felizes a esse abismo
como o trapezista de um circo de emoções.
Sabemos que o Amor não tem volta
é viagem de exilado, feita contra vontade,
é viver a eterna saudade de um ser
e na dor de que nos falta uma parte no peito;
é entregar a outro o que nos é mais valioso:
as batidas do coração, que descontrolado,
grita escandalizado contra o corpo que lhe carrega.
sábado, 18 de fevereiro de 2017
Tudo que tentei na vida
foi não ser ridículo.
Mas como evitar o ridículo que é a vida?
Todos que conheço são ridículos
e só sabem criticar a pequenez alheia.
A arte de ser ridículo reside nesse alienamento.
Quem me dera acordar um dia sem ser ridículo
sem ter todas as respostas para o mundo,
sem ter todos os conselhos que põem ordem
no caos que é a vida dos outros.
A vida não me deu opções
nasci sem o catálogo das boas maneiras
e o ar entre inocente e bobo
que sonham as moças casadoiras.
Ah..não me digam que não querem casar
não sejam ridículas...
o divórcio está aí a provar
todos os dias como o casamento é ridículo.
E como desejamos ser ridículos também....
de papel passado e tudo.
foi não ser ridículo.
Mas como evitar o ridículo que é a vida?
Todos que conheço são ridículos
e só sabem criticar a pequenez alheia.
A arte de ser ridículo reside nesse alienamento.
Quem me dera acordar um dia sem ser ridículo
sem ter todas as respostas para o mundo,
sem ter todos os conselhos que põem ordem
no caos que é a vida dos outros.
A vida não me deu opções
nasci sem o catálogo das boas maneiras
e o ar entre inocente e bobo
que sonham as moças casadoiras.
Ah..não me digam que não querem casar
não sejam ridículas...
o divórcio está aí a provar
todos os dias como o casamento é ridículo.
E como desejamos ser ridículos também....
de papel passado e tudo.
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017
Porque me sonhas em pensamentos noturnos
e inundas minha mente de ilusões,
posso dizer que encontrei no sonho o que perdi na vida.
Também, eu, sonhei-te e eras tão real
que as gemas de meus dedos podiam roçar tuas carnes.
Meu coração alegrou-se de tal modo
que desse fantasma quis ser prisioneiro no sonho,
dormir eternamente aos pés da cena
que se repetiria todas as noites ao cair das pálpebras.
O dia, porém, trouxe-me a dura realidade
de um quadro vazio daquele corpo.
Não pude amaldiçoar o dia
vivi-o em todos os instantes e dificuldades;
suei, caminhei, escolhi rotas intrincadas
na esperança que a lida do dia
trouxesse o consolo de teu corpo de ilusão
em meus sonhos, pois para quem ama
triste é a realidade e feliz
é o sonho que me traga todas as noites.
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017
Por que me abandonaste, Poesia?
Justo tu que me inebriavas
fazias-me profeta, louco.
Agora tudo é escuro
não vejo a luz do dia,
as fantasias se foram
e resta a angústia
somente a angústia
sem a alquimia da Poesia.
Sem a Poesia, sou homem comum
a vagar invisível pelas ruas.
Sem os olhos da fantasia
sinto que morri antes de partir.
Restou o corpo a vagar
nem alma penada sou
porque a alma se foi com a Poesia
e nem os eflúvios do orvalho
podem chorar por mim.
Onde o canto dos pássaros,
o prazer do lusco-fusco?
Sem a Poesia passei a guiar-me
pelos relógios, essas máquinas
que desconhecem o prazer das horas
e resumem a vida a um louco tic-tac
que nos algema a vida ao pulso.
Justo tu que me inebriavas
fazias-me profeta, louco.
Agora tudo é escuro
não vejo a luz do dia,
as fantasias se foram
e resta a angústia
somente a angústia
sem a alquimia da Poesia.
Sem a Poesia, sou homem comum
a vagar invisível pelas ruas.
Sem os olhos da fantasia
sinto que morri antes de partir.
Restou o corpo a vagar
nem alma penada sou
porque a alma se foi com a Poesia
e nem os eflúvios do orvalho
podem chorar por mim.
Onde o canto dos pássaros,
o prazer do lusco-fusco?
Sem a Poesia passei a guiar-me
pelos relógios, essas máquinas
que desconhecem o prazer das horas
e resumem a vida a um louco tic-tac
que nos algema a vida ao pulso.
Quando ainda imberbe
descobri meu apreço pelas palavras.
O braço fraco feito graveto
não me deu o luxo de travar
combates com meus inimigos.
Então, muni-me dessas abstrações
desses conceitos vagos
chamados palavras.
Proverbial de sabedoria suburbana
esperei pouco para saber que a palavra
é como flecha disparada,
não volta ao arco
nem pode ser engolida de volta.
Palavra solta é como vômito
e como ainda resta-em um traço de humano
como cão não posso tragar o que vomitei.
O amor partiu com as palavras
por isso, invejo os cães que latem, não falam,
mas amam com o imprevisto dos amores.
Olha a poesia!
Onde?
É mentira!!
Assim é que se dança
a quadrilha.
Mas...e a poesia?
Sumiu como magia
foi engolida pela vida,
tragada pelo cotidiano.
Mas...e a poesia?
Essa cabeça de serpente,
essa namoradeira
que vive entre as gentes
sumiu na curva do rio.
Olha a poesia!!
Onde?
É mentira!!!
Ilusão de poeta novo.
A poesia foi para roça
e você perdeu a carroça.
A poesia é essa bandida
vem...te rouba...te despe...
e ficas olhando para a rua
nua como a lua, tua lua
na porta aberta
da rua um sete um
no beco sem saída.
Onde?
É mentira!!
Assim é que se dança
a quadrilha.
Mas...e a poesia?
Sumiu como magia
foi engolida pela vida,
tragada pelo cotidiano.
Mas...e a poesia?
Essa cabeça de serpente,
essa namoradeira
que vive entre as gentes
sumiu na curva do rio.
Olha a poesia!!
Onde?
É mentira!!!
Ilusão de poeta novo.
A poesia foi para roça
e você perdeu a carroça.
A poesia é essa bandida
vem...te rouba...te despe...
e ficas olhando para a rua
nua como a lua, tua lua
na porta aberta
da rua um sete um
no beco sem saída.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017
A princesa muda
À pequena flor do Quênia
A menina escondeu-se na sua carteira escolar. Ocultou-se nas trincheiras de seus dedos. Os livros pesavam como pedras em suas costas. Sabia que não teria uma segunda chance. Os olhos dos colegas a perseguiam como predadores que limavam suas presas no desprezo que sentiam por ela.
Ela quis escrever mas não pôde. Ainda não sabia ler. Sua dor só aumentava. Sabia que em poucos minutos teria de ler um texto que para ela era um verdadeiro enigma. As letras e palavras dançavam um ritmo macabro diante de seus olhos. Acenavam com o inferno. Dor e dilaceração corriam pelas veias da menina.
Havia no colégio de tapera os ares da morte. Nem na sala de aula estava livre. Sentia que a sombra tumular a perseguia desde a semana anterior. Por onde passava, sentia o hálito quente daquele ser disforme a atraí-la com as mãos. Se na rua havia estupradores, se na casa havia o pai e os tios lascivos por seu sexo, na escola havia o professor e o inferno das letras. Não sabia qual condenação pesava mais. Impossível sorrir.
Quis adoecer, ter febre, saltar do penhasco. Não fez nada disso. Foi à escola como quem vai para o matadouro. Vítima que precisa ser imolada. Ovelha negra que não serve ao sacrifício, mas que seria atirada ao suplício de mãos e dentes ávidos por devorá-la.
Passou nesses pensamentos até a hora do intervalo. O professor adiava a dor do fim em todos seus detalhes. Sabia como pressionar com os olhos, insinuar com as mãos. Retardar o sopro de vida que logo recolheria daquela menina, a qual nunca se dignou nem sequer de saber o nome. Vulto de gente. Negra como os demais, como o professor, mas de uma beleza bruta e irritante que sempre se negou ao alfabeto. Isso o professor jamais perdoou.
Comeu seu pedaço de mandioca com uma mistura escura que bebeu no pátio da escola como o condenado que tem direito à última refeição. Ao grito da bedel, caminhou a passos contados, como se quisesse caminhar ao contrário, como se desejasse que seus calcanhares a levassem para casa, onde poderia ver os olhos de mágoa da mãe no antigo retrato escondido debaixo do colchão entre suas míseras riquezas.
Nunca tão curto pedaço de terra pareceu tão longo à menina.
O professor esperava a jovem na porta da sala. Com um safanão arrancou-lhe as primeiras gotas de sangue que inundariam a sala em poucos minutos. O ouvido zumbiu, as carnes tremeram, sentiu o salgado da lágrima escorrer pelo canto da boca e sugou aquelas gotas como o melhor alimento do dia. Tudo girava à sua volta. Os amigos riam, pulavam bestializados, regidos pelas vociferações do professor.
Alguém com um pontapé a colocou em sua cadeira e lhe espalmou frente ao rosto o livro aberto. A história de Sherazade. Nem o mito salvou a menina.
O velho homem de dentes afiados como um lobo em fim de carreira se arreganharam e soltou a sentença:
-Caros alunos, se ela não conseguir ler, todos têm o direito de bater nessa insignificância até as mãos lhes doerem. Não sem que antes eu solte a primeira paga do castigo. Exijo para mim o primeiro golpe contra essa aberração do Quênia.
A menina nem chorava mais. Ergueu a cabeça em um gesto altivo, até ali nunca visto. Encarou seu algoz, limpou seu corpo de toda aquela maldita terra a que fora condenada a nascer. Teve nojo dos colegas, dos amiguinhos que há poucos dias pulavam corda com ela. Teve nojo de seus trapos nunca lavados porque a chuva não caíra desde quando havia atingido os cinco anos. Há cinco longos anos usava a mesma túnica.
Levantou sobre suas pernas de flamingo e alçou o voo da liberdade. A cada linha que engasgava nas letras, nas vírgulas, nas palavras que pulava, recebia a alforria deste mundo que nunca a desejou desde o ventre da mãe naquela noite de desavisos, quando seus pais não resistiram ao doce coito entre as canas e a terra.
A menina parada em meio à página que lhe girava como um carrossel de serpentes, sentiu novo golpe contra suas costas e a bofetada quente que lhe abriu um rio de sangue no canto da boca. Depois não viu mais nada, seu corpo recebia varadas, socos, pontapés em meio à gritaria insana dos amigos. Aos poucos não ouviu mais o som da vida, apenas um zumbido de abelhas africanas a ecoar em seus ouvidos. Logo sentiu em sua carne macerada pelos pontapés a sensação de doces carícias. Já não sentia dor.
Depois disso, perdeu os sentidos e sua memória foi limpa de toda a sujeira que essa terra lhe havia atirado ao rosto desde quando pisara neste mundo construído por palavras. Desejou apenas ouvir a meiga cantiga de quando fora embalada nos braços por sua mãe, uma mãe distante, refeita de imagens várias, que lhe doaram as pessoas com quem sua progenitora convivera antes da curta existência desta que agora se comprimia contra o chão como uma sola de borracha em dias de calor.
Aos poucos os gritos silenciaram. Não havia mais palavras, não havia mais leitura, apenas um corpo macerado em vermelho e negro no solo do Quênia. Por fim, voltara aos braços de seus antepassados, tão muda quanto à voz que lhe negaram na terra dos homens. Não era mais castigada pelas palavras, ela se voltara toda a seu ser e sua pele reluzia como um vestido de seda negra em noite de festa.
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