quinta-feira, 6 de julho de 2017

O nascimento

No fundo de um mangue, à beira do rio Tietê, na parte mais fedorenta de suas margens, nasceu REMET, o herói de nossa gente. Era uma criança feia e magra, de olhos assustados, como têm os ratos quando são pegos em flagrante.Nesse dia houve um silêncio tão grande, que não se ouviu nenhuma panela bater, nem as luzes dos edifícios piscarem. Tudo corria como as águas do Tietê, calma e fedorentamente lentas.
Era, esse menino, filho de uma velha libanesa, que fora da época de engravidar e parir, expeliu ao mundo essa tiririca. A velha viera como barregã de um mascate que negociava no fundo do vale do Anhagabaú, atual 25 de março. 
Dizem as más línguas, que não faltam nem mesmo nas famílias mais sérias, ser o menino filho de Salim, um turco, mas como no Brasil, todo libanês vira turco, o pai não negou a paternidade, nem a assumiu. Sumiu foi no mundo, de mala na mão e tecido de seda para encantar as meninas ribeirinhas do Vale do Ribeira. 
Anos depois, quando o menino perguntou pelo pai, disseram que o mascate era neto de Macunaíma e como o avô subira ao céu e virara estrela, que se um dia ele fosse ao rio Uraricoera, veria o pai cuidando das águas. 
Naquele mesmo dia, após assistir ao longa metragem O vento levou, mesmo sem saber o que era isso ainda, o menino REMET, de olhos assustados e dedos de rato, olhou pela janela, juntou os braços e disse, jamais passarei fome. 
Foi quando o menino teve uma visão: um país mergulhado na corrupção, pré-apocalíptico, com senadores sendo acusados, deputados sendo presos, delações premiadas aos montes e se viu velho, cascorento, meio seboso, com uma jovem ao seu lado. Todos o acusavam dos atos mais sórdidos, mas ele reinava, soberano, olhando do Palácio do Jaburu, o Brasil deitado eternamente em berço esplêndido.
Nessa noite, REMET dormiu calmo, um sono pesado, que nem algumas panelas batendo puderam acordá-lo. Sabia em sua alma, que eram ecos futuros, de outros tempos e que o batuque era o samba da gente rica e indignada contra a dama de vermelho. Ela lembrou sua mãe, mas logo dissipou a imagem e REMET, o herói de nossa gente, pegou fundo no sono, deixando uma longa marca de baba no travesseiro ao amanhecer. 

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