"De repente não mais que de repente", como disse o poeta ou o profeta das partidas, ela chegou e pediu um diminuto espaço. Acredito que devia ocupar um diâmetro menor do que um grão de arroz dentro da barriga da mãe dela. Aos poucos as águas daquele imenso oceano de criação, antes sem forma e vazio, iniciavam um longo marulhar de ondas que lembravam o infinito. Ainda não se havia feito a luz, e aquele diminuto corpo, se equilibrava numa sapatilha de ilusão e fazia das águas o palco de uma dança ensaiada, em um ritmo esquecido, de outras épocas.
Logo o pequeno corpo, queria mais espaço e forçou que a barriga fosse ganhando a forma de uma melancia, meia esfera de um universo que era todo o mundo dela. Ainda não se sabia ela, nem nós sabíamos que uma menina se desenhava nos giros da centrífuga abdominal. Logo a médica disse: "olha.... está vendo aquele sanduíche ali, duas fatias de pão? Então.... é uma menina...." e de repente....os olhos só viam a cor rosa em todos seus matizes, vestidos, pantufas, brincos, faixas, coraçõezinhos, como se as outras cores esmaecessem diante das vitrines povoadas de um universo rosa antes inexistente.
Em seguida, parece que a barriga ficou pequena e alguns dedos surgiram desenhando um arco-íris de expectativas; e nós de câmeras em punho, celulares de plantão, nos transformávamos em paparazzi só para flagrar aquelas mãos ainda sem rosto, aqueles pés, ainda sem corpo. Mas, os pés chutavam e as mãos empurravam, o corpinho se fazia grande no seu primeiro universo e tinha necessidade de expansão, novos territórios, o perigo dos limites desaparecendo e: zás: o mundo dela virou de ponta cabeça, as pernas ficaram dobradas e um mergulho se anunciava a qualquer momento, o salto da acrobata se anunciava para fora da bolha quente e visceral na qual ela se formara. Medo? Dor? Insegurança? Nada ela podia comunicar em seu silêncio absoluto, na companhia daquela mãe que ela só conhecia por dentro. Começamos a vida nesses termos, sabendo de nossas mães pelos avessos.
Meses depois dos primeiros anúncios, denunciados nos enjoos, na estranha sensação de que o sangue não descia mais, uma menininha ocupava alguns centímetros na larga cama. Antes, pedira espaço nos braços e esses viraram um barquinho navegando um mar imaginado, de ondas inexistentes, mas de um efeito calmante incrível, os quadris também se habituaram a um chacoalhar repetitivo da direita para esquerda e vice-versa.
Ela olhava ao redor os fragmentos de realidade de seu pequeno horizonte. Os objetos ainda não despertavam interesse ou pelo menos não emulavam com o odor doce, a textura macia e quente dos seios que a alimentavam.
Aquela bebezinha ocupava o espaço de um universo em minha mente. Sonhos, desejos, futuros que se desenhavam sempre nas alturas que podem alcançar a imaginação paterna.
Ela olhava, respirava, chorava e, quando dei por mim, meus braços tinham virado redes suspensas no ar, barco de vela no mar, para navegar em ondas imaginárias, só para embalar um pacotinho de 50 centímetros, que sentia falta de um mar que as ondas não trazem mais.
Lembrei-me disso hoje. A madrugada avançava e uma passageira pedia aventuras. Logo, meus braços ganharam a forma de um casco de nau, içamos vela e deixamos o tempo correr. Não me importei com as horas, sei que um dia este barco aqui será insuficiente, essa desbravadora do mundo precisará de embarcações maiores, porque o mar é infinito e nós, pais, somos apenas as águas amansadas de um córrego em fim de tarde.
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