Texto em homenagem a seu Cláudio, aluno de Letras. In memorian
A morte é o assunto mais antigo da literatura e de nossas vidas. Volta e meia nos vemos aos apertos de mãos com ela e, nem por isso, acostumamo-nos a essa "indesejada das gentes". Assim, como falar dela, também, é um risco. Podemos cair na cilada dos estereótipos e sair afirmando que "todos têm seu tempo", "a morte não manda aviso", a "morte já vem com um advogado", "uns vivem pouco, outros muito".
O fato é que desta vida, longa ou breve, nada se leva, apenas se deixa. Deixamos para trás os títulos, os livros comprados a duras custas, a casa, as roupas, o carro, os amigos, a família, os filhos e as lembranças. Vivemos ainda um bom tempo na memória dos que ficaram. Demoramos a morrer, a desaparecer assim de vez, no infinito das preocupações humanas. Mas, enfim, partimos, cruzamos a linha do esquecimento e viramos breve resquício no horizonte das reminiscências.
A pessoa que partiu hoje é seu Cláudio, deste jeito, sem sobrenome, sem essa carga que carregamos ao longo da vida, como burros a puxar carroça. Agora ele tem a liberdade de deixar nessa vida os documentos, os comprovantes, as contas e o peso de deixar ou não um nome. Seu Cláudio, é assim que o conheciam. Pessoa simples, humilde, persistente a despeito das dificuldades ou reprovas. Ele provou a máxima do futebol: o jogo termina só com o apito final. Seu Cláudio fez isso. Prestou vestibular para Letras, quando seus colegas de sala tinham a idade para ser seus filhos ou netos, quem sabe. Enfrentou as críticas veladas, dó, compaixão, condescendência, com a mesma parcimônia e brilho iniciais quando virou, grande paradoxo, calouro. Ele sabia que da vida nada se leva, mas enquanto há luz nos olhos se pode aprender.
A vida é como um breve aplauso. Parece longa, às vezes pesada, mas se perderes o passo, não perceberás que alguém te aplaudiu um dia. Assim, partiu seu Cláudio, antes do fechar das cortinas, antes dos aplausos da colação de grau e de vestir a negra beca dos formandos. Foi antes do show acabar, de as histórias serem narradas até o fim. Quem sabe quais foram os livros que deixou pela metade, quais os capítulos foram fechados antes do fim?
Seu Cláudio não morreu: virou ficção, memória, fantasia. Onde quer que esteja alguém que o conheceu, alguma história terá para contar. Seu Cláudio fez isso, partiu como chegou, sem alardes, com passo lento e olhar humilde, sem que muitas pessoas percebessem que ele subia as escadas de um bloco de sala de aulas.
Seu Cláudio hoje não precisa mais ler. Não precisa de nossa aprovação, está despido dos diplomas e dos sonhos que alimentamos em nossas carnes. Formou-se na vida e, agora, pode dialogar com Machado de Assis, Thomas Mann e Joyce, que talvez poderá vê-lo entre a miopia. Será ele reconhecido em sua voz por Borges ainda cego, ou tomará um cálice com Bandeira na Pasárgada, será amigo do rei?
O fato é esse. Seu Cláudio morreu, assim, sem eufemismos. Mas, conservou o que lhe era mais precioso: será o eterno estudante Letras que sempre sonhou, está encantando, estátua de sal plantando no meio da biblioteca de inúmeros autores. Vá em paz, agora terá o tempo da eternidade para ler a infinita biblioteca de toda a humanidade.
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