quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Estou disponível
mais do que isso
estou preparado
para recebê-la.
Tão sóbrio, tão dono de mim
consciente das possibilidades
prenhe de ideias.
Os sentimentos roçam
meu corpo pronto
a explodir em palavras.
E assim a recebo
de braços abertos
- nessa comunhão de signos -
a poesia nua
suja ainda de sangue,
mas já tão minha
tão parte de mim
que a chamo de
minha filha!

Essa mania de meditar
de postar os olhos no longínquo
vem de longa data
de imorredouras gerações
e já me fez deixar muita gente
soltando suas asneiras ao nada.
Por assim dizer
a meditação salvou-me
inúmeras vezes de gente cacete
enquanto eu pastava
em prados distantes.
Meditar é a arte
de fitar de olhos vazios
diante do desinteressante.
 

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Natal

Os ódio familiares recrudescem
as desavenças afloram
os desentendimentos cercam as mesas
corta-se o leitão com a mesma fome
de arrancar o coração do conviva.
A festa cristã traz as gueras,
as ditaduras, as mortes de séculos
à insinuante mesa familiar.
A mesa natalina está cheia de Judas
e os beijos só selam um ano mais
de traições, ódios e guerras que seguirão.
Hora de renovar o votos
e afiar as facas... a propósito:
Ao fundo toca o som daquela
pernóstica cantora entoando
"Então, é Natal..a festa cristã".

domingo, 21 de dezembro de 2014

Recolho-me do mundo
desta solidão
deste vazio
deste mar intransponível.
Esse lugar que não
se encontra a margem
este rio de pessoas
em ondas frenéticas.
Mar fundo
abismos das relações.
Sou um náufrago
de mim mesmo.
 
Gosto deste verso áspero
duro em si e nos outros.
A palavra rompante
a ferir os ouvidos
sujos dessa cera
dos bons costumes
das suavidades sociais
das hipocrisias familiares.
O verso lixa a madeira
carcomendo tradições antigas
que rebentam em cancros ordinários.
Esse é o verso ideal que desgasta,
desbasta, corta, apara as arestas
e te põe a nu como no dia
que saíste rubro das entranhas
berrando tua presença no mundo.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A puta amamenta
seu filho de meses
já tão acostumada
a esse gesto banal 
- que agora é limpo e frágil -
mas causa-lhe estranhamento
essa boca sem dentes
que não é a do velho
de gengivas podres
a satisfazer a lascívia
nada leite, apenas desejo.
A puta assim se consola
neste gesto tão banal
tão simples, tão naturalmente
MATERNO.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Eu a quis porque não podia ser minha
não que não a pudesse tê-la fisicamente,
mas não podia suportá-la
em suas crises e asceses de Circe.
Os deuses sempre estão distantes
sua beleza vem do inalcançável
a quebra do mito desilusiona
e adorar o que é humano
exige entrega de longas procissões
de uma eterna semana santa
em flagelos de navalhas
que não posso suportar,
nasci sem vocação para devoto.
Por isso, só posso adorá-la nua
na cama, despida entre lençóis
e destituída da ditadura dos altares.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Meus ossos estão infiltrados
a umidade do tempo os afetou.
Restaram o frio das relações pessoais,
as chuvas de inverno vistas pela janela,
as meias de lã para disfarçar a solidão.
Tenho um nó na garganta, mas o tempo
está úmido demais para chorar.
Consolo-me sorvendo o líquido
quente da cuia carregada de mate,
enquanto os que se dizem amigos
apenas ficaram na promessa de chegar.


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Joguei com o tempo
perdi as horas
atrasei-me para o trem
que partia da vida.

Parado na estação
vi os vagões vagarem
por longos trilhos
até a curva dos caminhos.

Amigos partiram para sempre
alguns familiares foram de companhia
sem tempo de dizer adeus.

Caí na piada da vida
a morte me pregou uma peça
e só partiram os entes queridos.


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Todos os dias alguém pula da ponte
todos os dias alguém teima em nascer.
Nada mais cruel e arbitrário que a vida
Não coube a nós escolhê-la
fomos atirados ao mundo
nus e dependentes por seres que
nos habituamos a chamar de pais.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Paixão Segundo Maria Madalena

O peso da cruz
é totalmente suportável
pois nela há o corpo
do meu homem amado.
Se não fosse a cruz
jamais sentiria o peso
daquele corpo inerte
entregue a meus braços.
Sempre amei um cadáver
fui sua viúva desde o início.
Cristo para mim não passou
do esposo eternamente ausente
a quem esperei em noites vazias
vendo à luz da manhã o caminho solitário.
Esta manhã de domingo não foi diferente
Nem na sepultura me esperou
nem a morte pôde retê-lo para mim.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Nesta vida andei com facas
entre os dentes, a lâmina
brilhando e o gume afiado
para enfrentar os obstáculos.
A dor da fome moldou
a dureza de ferro do coração.
Os sons dos tapas, os gemidos
de dor e prazer que antes atormentavam
fazem hoje trincheiras ao redor de mim.
Luto com o passado e 
com as vozes do presente.
Infelizmente ainda só tenho as palavras
e uma profunda covardia em usar armas.
 

domingo, 7 de dezembro de 2014

O mundo é chato
o mundo é horrendo.
Tem um pouco de ti
tem um pouco de mim.
E maculamos o azul celeste
planejado por Deus.

Sinto que foi vedado a mim
a vida normal dos demais humanos.
Em volta de mim
tudo se desmorona e
só restam os entulhos das ruínas;
homem em desconstrução
sentimentos deslocados
em um insano quebra-cabeças
do qual roubaram algumas peças.
Uma parte de mim sumiu
e não posso encontrá-la.
Tenho de me conformar com o que sou
ser inconclusivo, incompleto
sem possibilidade de conserto.


Nas noites de insônia
o cérebro arde nu
em seus loucos pensamentos.
São nesses momentos únicos
que vela-se um ser ausente.
O corpo em chamas
refresca-se na brisa noturna.
E a companhia de si mesmo
é uma inevitável parceira.


sábado, 6 de dezembro de 2014

O poeta é um ser encantado
nasceu com os olhos às avessas
por isso pode ver a alma
e o contorcer das vísceras.
Na alma do poeta há
a sedução do suicídio
e o sorriso da vida.
Contraditoriamente eu e os Outros
habitam o mesmo corpo.
Templo de adoração sacra e profana.
O poeta (re)inventa-se
ausenta-se de si
e ao mesmo tempo está ali:
mudo e irriquieto
a sorrir para dentro
deixando de fora o lábio
mudo e cerrado.

Repetição

O mundo é velho demais
para fazer de você
uma nova pessoa.
Nos giros da Terra
o homem se repete
e não é porque ela gira 
que o Sol surge ao Sul
e não é porque se dorme
que o homem amanhece outro.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Por que o céu arrebentou em águas
a saudade de você aumentou.
Talvez o clima de aconchego
das gotas bêbadas incessantes
a formar um espelho
d'água imperfeito,
fez-me perceber tua ausência.
Se fosse Romântico diria
que o céu estava riscado
por raios e trovões,
mas vejo o teto escuro
bovinamente calmo
a gotejar uma chuva mansa
que convida ao carinho.
 
Si - nes - te - si - a
Anestesia dos sentidos
anulação do tato, da visão,
picado por tua língua
víbora vibrátil no teto
da minha boca escura
gruta negra habitada
por presas brancas.
Sinestesicamente adormeço
vibram em meus ouvidos todos os sons
explodem em minha boca todos os gostos
formigam todos meus dedos
as narinas violentadas por cheiros mornos
zunem um milhão de moscas em meus ouvidos.
Sinestesicamente apago
na anestesia de teu ser. 


Sempre a escolha.
Certa ou errada
estamos confinados a ela.
Ninguém escapa
ao sim ou ao não.
Inevitavelmente temos de optar
e na eleição sempre
alguém perderá
deixará de existir
(no horizonte dos alheios olhos)
sairá insatisfeito ou irritado.
Mas esta é a sina
alguém deve ficar
"no meio do caminho":
ele é longo e estreito
para mais de duas pessoas.


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

YERMA

Sobre estas rosas tépidas
fiz nosso leito de amor.
Deixei que se abrissem as pétalas
e com elas abria meu corpo.
Esperei ansiosa pelo sêmen
estalar dentro de meu ventre
curando os arranhões dos espinhos.
Mas tu me transformaste
em leito de rio seco à espera
da chuva que nunca veio.
E eu qual pétala de rosa
murchei ainda nos verdes
anos da primavera.
Nem um filho, nem um sequer
para me consolar nessa prisão doméstica
a que me confinaram quando casei.


domingo, 30 de novembro de 2014

Maldita G. H. ! Por tua causa
sinto roçar sorrateiramente meu esôfago
em pernas ligeiras e insensatas.
Não tive a sorte da vertigem
e na minha boca há mais 
do que a gordura branca
ainda mastigo a casca
dura de quitina
como se rompesse 
o amendoim em casca.
 


Pegado a teu corpo havia uma explosão
de flores; cuidei desse jardim
certo de que cultivava os perfumes de
meu velório em coroas de flores esparramadas.

sábado, 29 de novembro de 2014

Companhias Invisíveis

Há uma hora secreta do dia
 em que as solidões apertam o passo
rumores de morte rodeiam a casa
vozes antigas ressoam pelos cômodos.
Uma boca negra entoa cantigas fúnebres
nos quartos vazios, embalando um ataúde
de outras épocas; nos caibros do teto
há mais que picumãs pendurados
e todos os dias o mesmo corpo se pendura.
Ouve-se apenas o baque, a pancada
dessas companhias invisíveis.


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

De quem são esses corpos estranhos
estendidos lado a lado
separados pelo gozo pessoal
intransferível, incabível nos dois.
Os peitos ainda ofegantes
na sem-razão do coito
estirados paralelamente nos sonhos
individuais têm as vozes caladas e
os olhares fixos no teto da alcova.
O instante singular divorciou os corpos
separou as mãos, marcou o início do fim
antecipou as despedidas, acenou com seus adeuses.

Passei a vida mendigando à perfeição
desprezando as coisas imperfeitas.
Não percebia que no inacabado,
na incompletude, nas lacunas
é que havia espaço para mim.
O perfeito não se afeiçoava a meus gestos
enquanto às imperfeições eu era um ímã
que atraía meus iguais, meus irmãos
do eterno inacabamento da humanidade.
Nessa comunhão estranha e fraterna
descobri que o amor vive na incompletude.


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Crentes do amor

Os devotos do amor
vivem o cilício da carne.
Em lábios trementes
ruminam orações de apelo.
Sofrem das desilusões eternas
bebem o cálice das lágrimas
satisfeitos de sua mágoa.
Em incessantes aleluias
alçam vozes de clamor
felizes da dor
que proporciona o amor.

Sonora voz do tempo
sinto que me encarna
em possessões estranhas
giros místicos me assombram
tenho visões cíclicas das 
 jornadas noturnas dos derradeiros
dias do sangue de Abel
aspergido sobre a terra.
Sonho com dias vermelhos
e meu corpo semi-vivo
é banhado por mares de cadáveres.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Porque no poema estou nu
o olvido já não existe
e o pior de mim está nas palavras.
As máscaras giraram pelo piso,
inscrevi minha face na página
estampando-a contra o muro branco
sem contornos nem disfarces
fui despido de mim diante de todos.

As árvores não precisam de motivos para viver.
A sombra de suas copas prescinde 
dos homens para sua plena existência.
Verdes ramos, folhas verdejantes
musgo e casca espelham esta força
frondosa e arcaica.
Vigilantes do tempo, silenciosas
noturnas, as árvores formam
bosques de imaginção e fantasia.
Gerações definharam ao pé de suas raízes
e outras surgiram na primavera das estações.
E elas ali, inexoráveis em dureza,
madeira de lei, nobres prestando
vassalagem aos ventos, sofrem
a maleabilidade volúvel dos homens.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Não perderei tempo na banal descrição de mim.
Não suportaria a redução em palavras,
ser limitado a vocábulos de dicionário
explicado entre dez ou doze acepções
de um vergonhoso verbete de estante.

Deconfio de todas as prescrições e manuais,
restringem o uso, impõem regras idiotas
dão quatro ou cinco maneiras de como amar
e fórmulas exatas do bem viver.

Lancem fora os dicionários, os verbetes,
os manuais, as terminologias, os perfis,
toda forma de limitação do eu e suas
justificativas de bons moços e perfeitas esposas.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Fim de tarde

A manga do sol me seduziu,
seu amarelo-rosa umedeceu meus lábios.
Alcancei a pedra da lua e atirei contra o sol
pendurado na enorme mangueira do céu.
Sorvi o amarelo de sua polpa
estrelando-a contra o céu escuro de minha boca.
Fechei os olhos e senti arrebentar estrelas
na caverna sombria de meu ser.


 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Não quero mais saber do mundo
ele está triste e eu sem palavras,
elas se esvaíram para um vazio em mim.
Em algum momento perdi a mão
e lidar com as pessoas me é penoso.
As pessoas também são tristes,
cabisbaixas e mudas caminham
lado a lado, ignorando-se mutuamente.
Sinto-me só, se as palavras ao menos não
fugissem ao meu apelo, seria mais conformado.

 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Recordações da infância

Eu que vivo destas liberdades feitas de palavras
careço de longas meditações e fantasias
para desfazer os nós das prisões diárias.
Com as palavras vivo meu sertão
porteiras abertas, odor de terra molhada
sol e chuva, chuva e sol dos ditados populares.
Saudade das épocas inocentes de
buscar São Jorge na lua e contar
carneirinhos na nuvens brancas esparramadas
pelo pasto azul do céu sem limites.
Ali as horas não tinham importância
e sorvia o enorme algodão doce das nuvens.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Manhã de novembro

O sol com seu halo de luminosidade
bocejou o dia inaugurando a manhã.
Os hibiscos soltaram suas saias vermelhas
dançando ao rumorejar da brisa.
O dia com sua magia e seus fados
expeliu o homem da cama ao som
de um sonoro bem-te-vi agitado.
Paradoxalmente, o começo de mais um dia
desconta do calendário um dia a mais
no roteiro desse reflexos primaveris
de que se compõem as horas da existência humana.


Fui denunciado pelas palavras
reconheceram-me nelas
inevitavelmente todas têm minha face.
Não posso esconder-me atrás dos vocábulos,
que insistem em desmascarar meu rosto.
No contorno das palavras há um
"procura-se o autor", ele é culpado
das declarações que emanam dos signos.
Sou homem verbo, réu permanente,
responsável pelos sons articulados
que na minha boca são discursos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A Manoel de Barros

No limite das horas
todos transcendem
a fronteira do eu.
Corpo fechado
encruzilhada aberta.
Pastos amansados
por bois sem asas.
Passar o limiar,
chegar à terceira margem
é remar com asas de borboletas
no remanso do infinito.


Pulei o muro de minhas ilusões.
Dói encontrar um mundo fora do meu corpo.
Tenho a impressão de não ser convidado,
há pessoas iguais a mim, mas se negam a me olhar
viajam por suas quimeras mundocentricamente fechadas em si.
As pernas carregam pesos inertes
prendem cabeças ocas ao chão da realidade.
Se não fossem esses pés calejados, muitos vagariam sem rumo
presos às muralhas da solidão.
Arrependi-me de ter pulado o muro
quero voltar ao aconchego do meu eu,
a essa solidão carinhosa e só minha.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Toda mulher tem seus dias de raposa:
renegada em seus brios despreza
as uvas mais belas das vinhas de Salomão.

Mas tem seus dias de enredadeira;
girando em dedos ágeis os bilros
tece a rede de zelosos cuidados.

Aranha negra, audaciosa, viúva de 
teias incandescentes ja foi luz e treva
para muitos machos no cio desavisados.

Hoje em que repousa na idade
chora em túmulos vários, em cemitérios desertos,
tanto as uvas pretensamente desprezadas
quanto os homens a quem serviu de últimas vestes.




Sonho

Uma boca rubra e desdentada
anuncia em meus ouvidos dias de morte
sapos despedaçados, borboletas arrebentadas
sopros de mau-agouro percorriam a floresta
de meus desejos libidinosos e desacertados.
E um anjo de boca negra sorria com
toda sua terra anunciando trevas.

Há um som de guitarra espanhola
na caixa de ressonância de meu crânio,
nota dissonante, som vadio
de errâncias ciganas
dedilhadas no baralho das previsões.
Esse som reboa em meu peito
como um cavalo a galope
rumo ao abismo das sensações
do chacoalhar em crises
das cadeiras em convulsão
agitadas pelo "taconeo" de um flamenco rubro
 em noite enluarada.

A Dalton Trevisan

Fetiche de João
é Maria de quatro
limpando o chão.


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Estou cercado de andaimes
não sei quem me fez assim
interminável construção
a ruir no pó que restará da vida.
Sempre fora do prumo
parede torta a ser demolida
e levantada insistentemente.
Régua, nível, ferragens, colunas
esforços vãos para recompor a parede
que me cercará para sempre do mundo.
Parede torta, fadada a rachaduras.
Sinto minhas veias romperem o reboco
expondo cruamente minhas entranhas
a esse estranho mundo sem razão.


domingo, 9 de novembro de 2014

"Não só de pão viverá o homem"
mas de toda pedra atirada
no telhado, nas vistas, na janela.
A pedra no sapato, a pedra de tropeço,
a pedra de sal e a  pedra de açúcar.
A pedra que te arrebenta o dedo
e estilhaça teu peito.
A pedra convertida em pedrada
atirada pelas mãos do manifestante
a pedra atirada por Davi na cabeça de Golias
a Pedra de Sol em seus ritmos
cabalísticos de tons finais.
A pedra angular, a pedra de Pedro
a pedra fundadora, a pedra sabão
de Aleijadinho e seus anjos barrocos.
Enfim, a última pedra que ainda não foi lançada
mas pode atingir tua cabeça.

 

sábado, 8 de novembro de 2014

Amor: sentimento único, 
intraduzível em palavras.
Os vocábulos assassinam o instante
embaçam o brilho do idílio.
O poder viperino das palavras
envenena o objeto vivo.
Amor não carece de verbos,
mas, em sua insanidade, as pesssoas
evocam em cultos as palavras
sem saber que ali sacrificam o Amor.
O Amor é para iniciados, é uma aporia.
Unicorniano, o Amor, não se seduz com palavras
emprestadas a antigas estórias.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Virgem, te quero nua,
despida, atrás do altar.
Desde a infância te desnudava
das formas retas e angulares
na busca das curvas sinuosas
cheias de vida cobertas pelo manto.
Ali germinavam prazeres esquecidos
carentes de mãos ágeis que a ti, oh Virgem,
libertassem da prisão do andor.
Se pudesse despregava teus pés do altar
para vê-la descer até mim,
abandonando as nuvens e os anjos boquiabertos
por vê-la andar pelas ruas de mãos entrelaçadas
com aquele que tanto a adorou em seus dias.
Eis o rebento da família!
O filho pródigo em todos os contornos:
a lascívia no olhar, o sangue nas mãos.
Porém, não lhe farei festas nem assarei cordeiros,
cobrarei a fortuna que gastou displicente.
À noite haverá festa e o filho pródigo
será o rapsodo de suas prodigalidades
em versos melódicos e plangentes de
suas aventuras e decepções.


quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Sinto-me estéril
há um verso agarrado às minhas entranhas
que resiste à mascara da palavra
e se nega a habitar o espaço branco da página.


Por que me descobri em você
conheci a dor da solidão.
Antes era só e tinha plena comunhão comigo.
Taciturno, a ausência de vozes me acompanhava.
Hoje ouço o som da minha voz no vazio.
Uma irritante ladainha de faltas
desfia o rosário de dores infinitas.
Fiz-me religioso, passo a noite em vigílias
ciumento da adoração que outros lhe possam votar.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Despenquei do retrato
como é estranho pisar no mundo.
Antes apenas era olhado e admirado
agora sou olhado e criticado.
Devolvam-me ao retrato
voltem-me para o tempo inerte
nas águas paradas do poço da memória.
Pendurem-me de volta na parede
deixem-me esquecido no canto sem luz
não sei viver fora do retrato
daquela imagem distante e perfeita que fizeram de mim.

É estranho, mas não posso fugir de mim
nasci para este corpo e sou refém dele,
de suas limitações, de suas sugestões,
nada posso impedir na sua forma de atuar.

Esse olhar é a janela pela qual 
espreito o mundo lá fora .

Com esse corpo me apresento para a vida.

Encarcerado em suas entranhas
submeto-me aos desejos mais vis
satisfeitos por essa carcaça ambulante.

Sei que um dia serei livre,
só espero que essa massa de carne e osso
não tenha me sujado demais em vida.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Timidez

As palavras ardiam em minha boca
sentia queimar os lábios e a vermelhidão
subiu a meu rosto como uma tocha incandescente.
Fugi com os olhos em direção ao chão
e senti um cheiro de terra molhada recendente
da chuva que caía dos meus olhos.
 

domingo, 2 de novembro de 2014

Espera

Brilhou no rastro da noite
um véu de estrelas arrastado pela via-láctea.
A noite, noiva insone, chegou adornada
pronta para a vigília das horas.
Aguardou o noivo, chorou estrelas e
orvalhou a grama para a manhã.
Em vão esperou o amado;ligou
o abajur da lua para iluminar o céu escuro.
Sentiu frio e se cobriu com o manto da aurora
rósea suspensa pelos pássaros em revoada.
Quando o sol, noivo tardio, chegou para aquecer a noite
ela havia partido cansada do longo velar noturno.


Dia dos ausentes

A Morte desmarcou as visitas e
recebeu as pessoas em sua casa.
Um dia por ano ela não se sente indesejada
recebe a todos de braços abertos
na visita provisória de suas eternas casas.
Para a Morte é dia de festa
veste sua melhor mortalha negra
e apresenta as acomodações das futuras alcovas.


sábado, 1 de novembro de 2014

Desperdício das horas

Sinto meus dias escorrerem
pela torneira do tempo.
Gota a gota encho a taça das lágrimas
extrapolo a conta das consequências
pago a multa do absurdo da vida.
Há tempos tento fechar o registro,
mas espanado ignora meus apelos
e nas noites insones do verão
ouço a vida escorrer a conta-gotas.

Lirismo de fim de noite

Para quem tem os olhos da poesia
todo cotidiano é belo em sua banalidade.

Emergem das sarjetas altares
e odes são cantadas no lirismo frouxo
pelo coral embriagado que se apresenta
no inusitado das horas mal-dormidas.

A serenata incerta, desritmada
tocada pelo quarteto de grilos violinistas
é brindada por uma anônima Janis Joplin de toillete
a fechar a cortina da noite com o último frevo rouco da manhã.


Congresso Internacional da Solidão

O mundo deu um abraço vazio e solitário
todos emudeceram no frio gélido
deste compartilhar inseguro e isolado.
Todos sentiram a mesma solidão
e alheados do mundo encegueceram
diante de rostos vazios e mudos.
Uma planta espinhenta brotou
em cada desértico peito, bradando
o desamor semeado por décadas
e do centro do cacto todos viram brotar
a flor do sorriso amarelo da cumplicidade
humana em prol da solidão.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Tuas palavras

Enquanto falavas, 
deliciei as palavras de tua boca.
Engoli cada nota musical
expelida pelo batom de teus lábios.
Desenvolvi com as tuas palavras
 uma relação carnal e espiritual.
Penetrei as palavras de tua boca,
senti-as em minhas mãos molhadas.
Tive a tuas sílabas nuas em todas
as nuances e contornos sonoros
Por fim, engoli tua língua
na esperança de reter tuas palavras em mim.


 

Fui engolido pela boca escura da noite
negaram-me o direito ao último raio de sol.
E nessa densa prisão de treva
doei meus olhos para as estrelas,
mas o brilho negro deles
não pôde estampar no manto escuro da noite
nem sequer uma piscada trêmula
para avisar a algum perdido expectador
que eu estava ali e ele podia me esperar.
Porém, sozinho, isolado em mim, mergulhei
no útero das trevas e fetalmente adormeci.

 
O pão nosso, o pão de todos sem restrições
o pão do pobre, o pão do rico
o pão da Páscoa, o pão da última ceia
o pão da renovação da ceia,
o pão-pão, o pão hóstia, o pão de cada boca.

Assim, todos os dias os dedos são engolidos, abocanhados
a cada fatia de pão quente entre os dentes,
as mãos são devoradas com a massa
e amassam o pão novamente na boca do meu estômago
e sacia a eterna fome de pão da Humanidade.

Quando eu morrer, deixem-me assim
com este sorriso de desprezo ao nada
e alegria por dar as costas ao mundo.

A expressão lívida de alívio
liberta do peso opressor das obrigações
surgirá com o rictus de ironia à morte.

Quando eu morrer, o riso de expressão muda
na face dura e rígida como pedra
será o não que disse à pesada vida.



terça-feira, 28 de outubro de 2014

Minha Musa

Minha musa é de inspiração difícil
dicção imperfeita, rima trabalhosa.
Dura ao engaste da palavra,
rebelde à convulsão de meus neurônios.
Não é bela nem inculta
não visitou o monte parnaso,
mas frequentou as ruas, as esquinas,
saiu trêbada dos bares e cambaleante
desceu o morro ao som de um pandeiro lírico.
E quando todos pensaram que ela tropeçaria,
empinou o nariz ao ar e posou de rainha.

sábado, 25 de outubro de 2014

No, yo no la tuve...
imposible tenerla
fue sólo una liviana sensación
pegada a mi cara
de un aliento brusco y sin voz.
Esta concha nacarada de miel roja
que se me niega el dulce
mientras yo estallo en placeres ajenos.
Yo, heredero de la semilla de maíz,
que brota en llamas de la tierra
y soy dejado a la nada
por la ausencia de tu voz.
 
Na abóbada invertida de teus seios
comungo dos mitos religiosos da vida.
Reencontro-me contigo nos momentos originais
e tomo o leite da volúpia e do desejo
que mana de teu corpo líquido de calores.
Nas formas circulares de tuas coxas
na baía de teu ventre macio
bebo do Lete e abandono o passado.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Réquiem dos casais


Não que você seja pouco
nem tampouco me desfaço de sua pessoa
mas comigo você é sempre mais
e não posso conviver com a covardia
de ser menor do que você.
Não está em você, está em mim
essa necessidade de ausência
para senti-la presente dentro de mim.

O tempo avisou que passaria
mas não quis acompanhá-lo
em suas correrias, fiquei para trás
e não me arrependo de ter resistido
ao seu poder devorador de sonhos.
Porém, não quero ser livro
para a traça do tempo corroer.

Não sou mais dono de mim
arrendei-me à poesia
e o que ela produzir
dividiremos de "a meia":
os lucros e as perdas.

O poema represado dentro de mim
explodiu em um jorro de palavras
arrebentou a barragem
ganhou a força da natureza
excedeu os limites das linhas
não tomou conhecimento das margens
e fez a si próprio correnteza
arrastando o que havia dentro de mim
para o abismo das palavras e das sensações.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

A Cassiano Ricardo

Na barriga do sapo boi
qual um lampião brilhando na escuridão
houve uma explosão de fogos de artifícios.
Os pirilampos em festa
comemoraram a passagem
de ano no brejo de suas almas.

sábado, 18 de outubro de 2014

Manifestação

Há tiros e sons de revolta dentro de mim
uma granada bomba arrebenta a cada batida
do coração descompassado.
Sou enorme e não caibo dentro de mim.
Os gestos são reações de guerras
fronteiras tomadas à força
reivindicações tardias do direito de falar
e desfilar pelas ruas fora do carnaval.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Trópicos, utópicos,
utrópicos, utopias
miopias da UR-EPOS;
macunaímicas epopeias
de cegos caminhantes,
pelas veias abertas
da América Latíndia.
Cruzei Macondo, Comala,
Manorá e me perdi em Marapatá.
Desmemoriado e sem rumo
dei no enorme formigueiro
do centro do Brasil.
Sou latinobrasilamericano
e esta é minha aretê.
 

Poeta, pintor, professor:
pedreiros das palavras e das cores
imersos na eterna construção
de seres reais e imaginários.
Qual a origem da argamassa
que prende os sentidos às suas pinceladas?
Impossível saber de onde vem o dom
bendito ou maldito, aí está!
É preciso sair do prumo, do esquadro
para ver a liberdade:
o poeta, do papel que o prende
o pintor, da tela que o limita
o professor, da sala que o retém,
assim, construirão mundos novos nas nuvens.


Despojados na cama
espreito teu olhar
esmaecido contra a luz
filtrada pela cortina.
O sol, amante ferido, 
roça teu corpo em suaves raios.
Contemplo a estátua despida de tuas formas,
teu olhar de desdém ao sol
e vejo nascer de teu púbis
a aurora de minha manhã.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Oh, Ariadne, dá-me dos fios que aprisionam teu corpo
qual um novelo enredado no bronze de tua pele.
Para que desenrole teu vestido de flores
e teça para nós um lençol
com o colorido da estampa florida.
Sobre esse jardim macio encontraremos
a saída para os labirintos da vida.
Com as sobras dos fios atarei tuas mãos às minhas
e se houver labirintos, neles nos perderemos juntos
e a morte se fará mais bela em seus enredos.

Perfil

Não...não...não reclamarei
nem pedirei que me olhem
estou aqui e basta
sei de mim, é o mais importante,
se não me virem, pouco importa,
existo e isso é o suficiente.
Não sou apenas esta foto de perfil;
as palavras que me definem,
os gostos, as preferências,
as exigências são formalidades
incorporadas à obsessão de definir.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Os olhos do desespero 
saltaram da foto.
Formas de intrigas
angústias e histórias
veladas ao observador
desesperaram os olhos
no quadro do rosto
do até ali feliz espectador.
Obsedado, hipnotizado
sentiu o flash congelar
seu momento e jamais
se soube de quem era o retrato.

 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Esta noite me sinto disponível
à poesia e seus versos
a seus dedos de cristal
a seu mundo mágico
estampado de palavras.
Ali sou rei e declamo
versos de amores estranhos
envolvido pelo lirismo da aguardente.
Sento à cabeceira da mesa
sou adorado e tenho meu harém
de palavras nuas a dançar
suas volúpias diante de meus olhos.


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Não que eu queira ser maldito:
poeta maldito.
Mas quando nasci
a ave negra da poesia
piou no leito de minha mãe.
E desde aquele fatídico dia
passei a voar nas negras asas
desta companheira insana: a poesia.
 

Amor platônico

Buraco da fechadura
câmera inocente
de ensaios do pequeno voyeur
o ângulo é restrito
mas o prazer da descoberta é imenso.

Felicidade inocente
de saltos por jardins imaginários
no balanço da doce bala
na boca da criança.
Se a vida fosse doce como bala
também jogaria amarelinha 
no céu imaginário de teus olhos.
Mas, a bala se derreteu com a infância
e hoje o doce é amarga lembrança
dos tempos idos de infância.

domingo, 5 de outubro de 2014

"Malandro é malandro, mané é mané"

Convidaram-me para um baile rala bucho
Inocente de intenções esbarrei em sua barriga
Descantei lirismos baratos de formas prontas.
Você ga-ga-ga-gargalhou um riso amplo.
E no rala coxa do salão
enganchado nessas pernas morenas
vivi meu momento malandro;
arrochei o abraço na sua cintura
senti seu sexo molhado de suor e prazer.
Mas quando dei por mim, barriga para cima,
vi somente as estrelas de um céu artificial
e uma verdadeira via-láctea de bocas brancas
a emparedar meu horizonte.

Esta cicatriz em meia lua é direito alheio
ao sofrimento pessoal.
Não me pergunte onde ou quando a consegui.
A navalha em seu brilho frio
ainda corta a íris em lances de luz.
A marca no rosto é memória
perene de um crime
que comenti contra mim.

Estou indo
tenho de ir
ficar mais não posso.
Vou buscar
não sei bem o quê
mas preciso buscar
preciso dar a alguém
este vazio insano
compartilhar em um abraço apertado
o espaço em branco que há em mim.


Caiu uma gota de lágrima negra
nas páginas amarelecidas,
pintando as linhas com tintas fúnebres:
marcas de necrológios ineludíveis.
Saudades inimagináveis revelaram-se
na distante genealogia familiar;
mortes absurdas, suicídios, loucuras
desfilaram nas páginas genésicas.
Percebi-me sentimental e nostálgico
diante daquele longo cortejo imemorial.
Último membro remanescente do clã
suspirei e joguei a última pá de terra,
encerrando assim os fantasmas
no eterno túmulo das palavras.

 
Nas tramas da vida
é fácil enredar-se
difícil é dar no pé
safar-se pela esquina
fugir daquela mina.
não cair na rotina
dos beijos repetidos
das declarações vazias
das reconciliações de ósculos entre cafés
nos lábios lambuzados de manteiga.

Oriente
Oriente-se
não perca a direção
nos caminhos de dunas
uma bússola é essencial
caso não tenha uma
estendo-lhe minha mão
melhor se perder em dois
pelo longo caminho a percorrer.

Compassos de pernas brancas
entre passos de dança;
giros de rotativas seduções
articulam-se nas flexuras
de teus artelhos de flores.
Se pudesse, alçaria-te
sobre uma caixinha de música
para [ali, palco particular] fascinado ver-te
girar em teus contornos de bailarina.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O sol entristecido
encostou sua cabeça no horizonte da tarde
e derramou seus últimos raios de saudade
do dia, que em derradeiros acenos
dava de sua luz o último ar da graça.


Do alto do orgulho 
da minha humildade
em matéria de ironia
sou o rei da zombaria.

sábado, 27 de setembro de 2014

Poesia de todos os dias
motivo de tristezas e alegrias.
A tua busca consome-me o tempo,
despercebido das horas
medito no corpo ainda informe.
Página branca, luzidia,
desafiadora da caneta
ri seu riso alvo
diante de meus olhos.
Não posso esperar da página
nem da caneta pobre de papelaria.
Aguardo as palavras
sentado diante deste jardim branco.
Seu reflexo me enceguece
As palavras são meros vultos branquiescentes.


Insônia

Deitei.....
senti no corpo
o formigamento
de estranhas lembranças.
E meus olhos abriram
no estertor da noite
solitária e triste.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Doce cortiço - Soneto imperfeito

No lindo sonho de vermelho e sol
Pombinha, branca menina, manchou-se
do sangue quente e vermelho:
soube-se jovem e mulher.

Casou-se de véu e grinalda
qual suas brancas asas.
Na noite de lua de mel
abatida foi por dolorida estocada.

Ferida em seus brios e amor
sangrou calada e sem soluços.
Mas, pela aurora, Pombinha voou.

Encontrou doce pouso e consolo
em colo alvo e igual
deixando para trás a estocada dor da perda.


Rasguei versos de um amor
sem vergonha e sem pudor.
Sem saber, arrancava
alheio de dedos tuas roupas.
Rápido de palavras
liso na lábia
deslizei pelo teu corpo
e já não houve mais versos,
apenas lirismos onomatopéicos.

Flores, amores
não digo cores
digo dores.
Que é o amor?
Esta dor constante?!
A certeza do fracasso,
inevitabilidade do amor.
A janela fechada
a porta aberta
a rua que convida
a novos passeios.
 

Lê em voz alta;
pelos sons de teus lábios
falam poetas antigos.
Dialogo com eles
em ondas sonoras,
ritmos e danças preservados
pelas memórias das palavras.
Estes baús de signos
ocultam segredos de família,
incestos, amores proibidos.
Sons de orquestras mascarados
pela cadência de sílabas.
Neste baile insano, tu és Sherazade
e eu sou teu rei voluptuoso
retardando o prazer de teu corpo.

Conselho

Se é bom para ti
não o dê para mim.
Pode te fazer falta.

Se a vida sorriu para ti
não queiras que sorria para todos.
Pode ser que amanhã chore por ti.

Se serviu para ti
faze bom uso.
Não dês pérolas aos porcos.



Ah! Virgem estéril
que queres com teu cabaço?
Esta resistência de aço?
Não crias, não procrias
não enches o mundo
só te enches de ti.
Rompas a porta
e rujas até a morte.
Experimentai o jardim das delícias
libertai o id
e ide pelo mundo
abençoando homens
a qualquer hora
de portas e pernas abertas.

Não me venhas com vaidade
que um dia virá a idade
melhoridade, melhor a ida
que a vinda é com a vida
finda que o gozo é mais natural.
A consciência de seres pó
te deixas gastar até o pó.


"Ou isto ou aquilo":
Deixas de ser indecisa
se tu não mamares outra mamará.
Se não deres bem dado
corres o risco de perder o escondido.
Virgem ou não virgem?
Deixas disto: importante é gozar
abrir-se para o mar e molhar
e não ficar só, a olhar.

Há um gosto de poesia
em cada pronunciada palavra.
Um gesto de heresia
quando durmo em tua virilha,
eu, habitante só de tua ilha.
Ali parado, debico-me
em suaves lirismos
que derramo em teus lábios
e bebo o mel de teu corpo
inteiro, na inteireza
de teu doce enjambement.



quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O que fiz desta vida
meia boca meio oca
meia vida meio ferida.
Virei estepe nesta estepe
me estrepei, trepei
fodi e me fodi
afinal, na vida
tudo é na sua medida.

Aos críticos de caneta em punho,
dicionário e gramática na bolsa,
que fazem greve aos poetas
fora da academia:
as curvas da poesia
seduzem as linhas retas de seus escritos.
O dono do latifúndio só
é feliz no bordel
onde perde a linha e a coerência.

Poeta?

- Profissão? - Açougueiro.
- Seu melhor corte? Corto palavras,
peso verbos, desosso rimas:
O avental sujo de sangue
são das últimas palavras
mortas pelo meu cutelo.
Limpei as mão sujas
e o sangue é a prova
de minha experiência.
 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Sou um talibã literário
explodi uma dinamite verbal:
havia nela poesia.
Versos se estilhaçaram
e estilhaçaram janelas.
As rimas cortaram os rostos,
os hemistíquios separaram o peito;
assonâncias e aliterações feriram
com seus ásperos e arredondados gritos
o nome dado a mim no batismo.
Quebrei a velha pia de louça
e dei uma banana para
o sacerdote e meus pais
que encontrei no velho retrato.

Por que há pessoas feias, meu Deus?
Como gostaria de ser hipócrita,
dizer que as amo, que as admiro.
Mas só consigo olhar a bela morena
que acaba de subir no ônibus.
Abençoado pelo Cristo Redentor
de olhos ocultos pela neblina, 
como se num aparte
deixasse [eu] seu filho aqui na terra
devanear nas curvas daqueles lábios,
que imitam as ondas de um corpo
suado, sensual, moreno, naquele
brilho de ondas entre dentes.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

A tristeza de meu olhar
é longa e vaga meditação
em dores antigas, rancores, amores.
Remexo o baú das histórias e estórias
das que vivi e das que inventei
misturadas no liquidificador
do tempo; cortados e despedaçados
fatos reais ou fictícios pouco importam.
Todos estão colados a mim
e habitam as janelas de minhas retinas.
 

Sonhei que saltava de um trampolim:
ensaiei, saltei sobre a prancha
pulei de um ímpeto
e mergulhei com a cabeça
numa rocha pontiaguda.
Os palhaços riram da ingenuidade
de meu gesto imaturo.
Mas no trampolim da vida
muitas vezes se racha a cabeça
antes de encontrar-se com as ondas do mar.

A insanidade tem duas idades
a adolescência, falta de consciência;
a velhice, falta de crendice.
Nas duas idades enlouque-se.
Na primeira por ter muita vida
na última por ter a vida finda.

Esta é uma sala;
nao é de estar;
não tem TV nem sofá
tem cadeiras duras
e paredes sujas.
Projetos humanos
habitam a sala.
E te digo que se
eles não sonharem,
os tijolos destas paredes
sonharão por eles.
Sonharão que um dia
esta sala será habitada
por pessoas que saibam sonhar.
E esta sala voltará
a ser uma sala de aula.
 
A flor do jardim ao lado
poderia ser uma tela
na distante galeria de exposição.

A moça que rega a flor
poderia ser uma estrela de cinema
daquelas musas do preto e branco.

Mas ambas são reais
e como dói esta verdade.
Porque a flor sendo bela
não posso colhê-la,
e a moça do regador,
mesmo sendo verdadeira
não posso beijá-la.

A vida é uma flor dura
de pedra e sem cheiro.
Porque te feri, conheces estas pétalas
ásperas, cortantes, anti-românticas.
Das rosas vermelhas (o que te restou?)
apenas o sangue quente de tua face
ainda escorre maciamente.

Sala de aula

Sensibilize-se, descubra-se
as paredes são de tijolos
pura pedra atirada
contra os olhos atentos.
Insensíveis, esquálidas
rochas de pobreza ambulante
habitam a sala de aula.
Chão pobre, madeira velha, 
teto paupérrimo, tábuas podres.
Senti-me pobre, triste, isolado
diante do vazio quadro
verde sem esperança.


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O que cabe em um poema?
A triste saudade daqueles
que estão longe.

O que cabe em um poema?
A dor da recordação
daqueles que passaram.

O que cabe em um poema?
Você e eu misturados
em um único delírio.

O que cabe em um poema?
Vozes de personagens ausentes
que representam uma vida.

Mas o que não cabe em um poema
é a dor verdadeira, a saudade sentida
e os corpos de carne e osso suados na página.



Sob minha pele crescem raízes amargas;
as veias são vestígios de venenos antigos
dilaceram minha carne
e explodem na convulsão 
vidrada dos olhos
e da língua que serpenteia,
destilando sílabas ferinas.
Tubérculos venenosos incham
o coração que bate, bomba, bombardeia
com jatos sanguinolentos
a carne enferma de lembranças.
 

Precisei do silêncio
da paz, da solidão
que não havia em mim
para dialogar com as palavras.
Diplomata de caneta em punho
diante da dura resistência das palavras,
insistentes, afiadas, mas caladas, mudas,
indiferentes a meu apelo tátil.
Rebelei-me contra a gramática,
fui ditador, torci o sintagma de várias maneiras
para arrancar das palavras
o brilho que faltava à composição.
 
 

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O homem enforcou a criança
de dentro do seu coração.
Viveu anos de aporrinhação.
Chegou o velho com a pá,
desenterrou a criança morta,
jogou outra pá de terra
sobre o corpo do homem
e plantou uma flor amarela.

A morte não iguala - anula.
A equiparação humana
concentra-se na compreensão
mútua dos corpos que se arrastam.
Onde a terra entulha a boca dos homens,
na escuridão dos olhos cegos,
é fácil o tolo ser sábio
e o sábio ser tolo
ambos se ignoram
e são felizes em sua ignorância.

A pele de teu corpo cerzida
à minha pele colou
o sabor de teu sexo
a meu sexo e ali
ombreados no prazer
confundidas as peles
explodimos no gozo natural
dos seres humanos iguais.


Solidão de noites acompanhadas
em lençóis compartilhados.
Você à leste, eu à oeste.
Brumas de tecidos levantados
em paredes de solidão mútua.
Vozes incompreensíveis, murmúrios
lamentos calados, sufocados
pelo desinteresse recíproco em compartilhar
algo mais que o espaço do leito.

domingo, 7 de setembro de 2014

As pedras de tuas palavras
caíram sobre minha cabeça.
Escavaram em meu cérebro
profundo abismo.
Impunemente as palavras
cravaram seus punhais
lâminas agudas atravessaram
a medula, separaram minh' alma.
E hoje vago sombrio no nada
e o nada é o meu cosmos,
taciturno, fúnebre, ausente de tuas palavras.
 

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...