sábado, 28 de dezembro de 2013

Orfa e Rute

Compraram um pedacinho de chão. Os filhos estavam felizes, poderiam cultivar a terra, criar porcos e galinhas e dali tirar seu sustento. Ambos abraçavam suas esposas e olhavam com carinho para o pai e a mãe que os acompanhava. O pai sonhava com netos, os filhos com seus filhos. Tudo era perfeição e alegria.
Porém um dia, o pai tocaiado morre de um tiro de carabina. Certeiro, tiro único na fronte. Mal os filhos choraram a partida do patriarca e antes que engendrassem filhos nas suas esposas, duas novas tocaias, pertinho do santuário de pedra, ceifaram Malom e Quiliom.
Numa mesma casa três mulheres, três viúvas, três sangues quentes, três ventres pedindo homem. Três lamentações: a de Noemi de ser velha demais e pouco apetitosa aos olhos; a de Orfa o amor dedicado à sogra a despeito desta não ter outro filho para que pudesse se casar; Rute odiava a Orfa e precisava se desvencilhar dela para, quem sabe, casar-se com Boaz, um parente distante de Noemi.
Três mulheres, impossível a conciliação entre elas. Uma delas sobrava na relação e precisava ser eliminada. Durante o caminho matinal de buscar água, Rute sussurra a Orfa que a sogra pretende entregá-la a um peão de estância e para isso diz que voltará a Sarandi.  Orfa, assustada, resolve seguir todos os conselhos de Rute.
Na hora da partida, Orfa seguindo à risca os mandamentos de Rute, beija a sogra e resolve voltar a Nova Andradina em busca de um novo marido, quem sabe um fazendeiro, porém chora amargamente ter de deixar aquela que lhe foi como mãe e que agora queria traí-la vilmente.
Rute atira secamente um olhar para a sogra e diz: “Eras esta a tua preferida? Mas veja, quem te sobrou fui eu! Ser-te-ei como uma filha, embora não tenhas mais filhos com quem possa me casar.”.
Noemi, emocionada, recolhe uma última lágrima que desce pelos sulcos de seu rosto;  guarda no íntimo de seu coração apresentar-lhe a Boaz seu primo distante, fazendeiro divorciado três vezes e que ainda precisava de herdeiros. Sorri a Rute e diz: “Vamos minha filha, pegues as trouxas, no primeiro ônibus para Sarandi embarcamos, com a economia temos o que comer até chegar lá.”.

Seguem ambas as mulheres rumo ao Paraná, porém Rute ainda guarda aquele punhal que não precisou usar com a ingênua Orfa. 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Fragmentos de uma tarde

O azul do céu se mistura ao avermelhado da tarde. São exatamente 20h23min e, incrivelmente, ainda está claro o dia. Se bem que prefiro este anoitecer demorado, como se a noite trouxesse um sentimento de estranhamento que sempre me incomoda, por isso nunca reclamo do horário de verão.
Na verdade poderia ler, mas acabei um romance agora mesmo e quero manter a sensação de beleza que o final da narrativa despertou em mim. Quero adiar a próxima fantasia, pois nesse momento a leitura passada ainda está muito presente e faz um reboliço em meus sentimentos.
Para não ler resolvi escrever um pouco e postar o texto no blog, numa clara certeza de que ninguém se interessará por um texto meio intimista que escrevo para adiar o próximo romance, como se a narradora de Relato de um certo oriente ainda estivesse a mexer no meu quarto de uma clínica psiquiátrica e tenha me enclausurado alguns dias com ela na sua busca por algo ou alguém do passado.
Sei que é fim de ano e muita gente não está lendo. A leitura para muitos não é um prazer, é uma obrigação, é como fazer sexo estando casado. Aí perde a graça mesmo; como a leitura para mim é tão boa quanto o sexo, ler no fim do ano, após o Natal, é uma ótima forma de relaxar.
Estou no mais fundo do interior do país. Palmital, uma cidadezinha de 35 mil habitantes, com gente desinteressante por toda parte, boyzinhos se achando dono da cidade e gente compartilhando seu som brega com todos que não fizeram a escola de Reginaldo Rossi. Sinto que fiz uma imersão no passado, como se a cidade jamais tivesse passando dos anos 1990. Assim, a leitura é uma forma de fuga da realidade. Quando não estou a conversar com as pessoas da minha família, meu único e exclusivo interesse na terra do palmito, estou a ler.
Ao menos a Manaus da família de libaneses é mais interessante e movimentada que a Palmital do Estado de São Paulo, com ruas pequenas, duas rotatórias de Playmobil e nada para se fazer. Talvez o tempo aqui estacione como em alguns momentos na narrativa de Milton Hatoum, como se o passado estivesse estático, preso aos papéis, cartas antigas, retratos, recortes de jornais e pequenas relíquias.

Assim está sendo meu fim de ano, entre as páginas de o Relato de um certo oriente e a pasmaceira da cidade de Palmital, onde as pessoas falam a gritos, ouvem música sertaneja, tomam cerveja num posto de gasolina e se acham o máximo. Aí muita gente não entende porque quando venho a Palmital fico apenas na casa de minha mãe. O mau costume quando generalizado se torna hábito e ninguém estranha. 

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

A Festa de Natal

Ali estava ela a olhar pela janela e a fazer ruídos pela boca para me assustar como se eu fosse uma criança. Olho para ela, sorrio e gesticulo devolvendo a brincadeira. Essa é minha tia, tem 58 anos, mas desde criança permaneceu em estado de congelamento, jamais soube o que é ser uma mulher adulta.

No exato momento em que ela brinca de me assustar, leio Relato de um certo oriente, de Hatoum. E Emilie está a esconder o livro sagrado que pertence ao seu marido, devolvendo-lhe a brincadeira de esconder seus santos. É dessa maneira que abro a janela do passado, e também vejo fatos, cacos de imagens, velhos falares a balançar na rede comigo.

Deixamos de ser criança; todos nós: irmãos e primos, mas minha tia ficou ali como paralisada pelo tempo, como se este não pudesse afetá-la, pelo menos mentalmente. Os cabelos estão brancos, o andar está mais lento, os braços estão finos, mas seus gestos infantis ainda são os mesmos.

Ela ainda toma banho de porta aberta como se tivesse 5 anos. Não se importa com o tempo e nós temos de pedir que ela que feche o chuveiro, pegue a toalha e se seque, caso contrário a água escorre por seu corpo numa viagem estranha que nenhum de nós ainda deu conta de decifrar.

Essa é uma vida estranha, jamais a compreenderei, sei que ela está ali e que precisa de outras pessoas que estejam ali. É uma forma de dependência eterna, porém para nós o tempo passa e olhar o futuro pode ser assustador. Talvez o melhor seja congelar o tempo como ela, viver o presente, afinal o passado não pode ser mexido e o futuro ainda não o conhecemos, não podemos lhe dar as mãos e dizer muito prazer.

Assim vai ser a festa de Natal, em meio a essa estranheza que como um esfinge nos desafia a compreender os silêncios, os sussurros de uma mente que para ser memória precisa de nossa memória ativa e sempre bem disposta a apontar para um futuro mais nosso que dela, mas preso ao dela inevitavelmente. 

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Abel e Caim

O calor estava insuportável. A terra gemia contra aquela sede antiga de alguma vingança ainda não esquecida. 

Semblante descaído, o lavrador fustigava o solo seco, golpeando com a enxada a terra roxa rocha de cada dia. Se preciso fosse a feriria com as próprias unhas. 

Levanta a cabeça, a mão espalmada sobre os olhos a modo de viseira, permite ao lavrador ver o vulto de um homem que pouco a pouco se agiganta diante dele.

Pronto estaca na frente de Palomino Hernández. Estende-lhe a mão cheia de anéis, as unhas esmaltadas, um relógio de ouro no pulso, do peito pende uma medalhinha do coração de Nosso Senhor; panamá branco na cabeça e terno de linho completam a indumentária deste grande criador de gado. 


É o irmão que vem novamente sacrificar....



Abre um sorriso largo no rosto, o dente de ouro brilha na boca, convida o irmão a tomar uma aguardente na venda. 



Caminham ambos lentamente para o balcão. Bebem o cálice do aguardente da condenação. Prontamente, Palomino golpeia contra a madeira dois tostões; faz questão desta vez de pagar a bebida. 



Afastam-se para o meio da planície. É hora do sacrifício. Palomino temendo novamente o olhar de reprovação do Senhor, deixa bruscamente as poucas espigas de milho sobre o altar de pedra e num átimo se levanta, sem saber se sua mão ou ele se alçou primeiro. 



O sol e o panamá de Antonio se tingem de vermelho;  do céu espigas em chamas bradam contra um Palomino fugitivo, de corpo fechado para as tocais, condenado a trabalhar pelo resto da vida nas terras do coronéis, em troca de uma botija de azeite e um punhado de farinha.

Insônia

Esta noite vi o céu. Estava lindo, mesmo sem estrelas. Havia um rosado em anéis que circundavam o espaço dele, misturando-se às espirais azuladas que passavam por suas vagas. Às vezes olhamos tanto para baixo que esquecemos de olhar para o teto natural que cobre nossas cabeças todos os dias. 

Tomo um chá e recebo a brisa que corre o fim da noite em meus cabelos. Descobri que há mais gente acordada na madrugada do que eu esperava. Na rua passava um rapaz de bicicleta, destas cargueiras, porém ainda vazia. No prédio ao lado alguém perdera o sono como eu. Será que também olha o céu. 

Foi preciso uma noite de insônia para que eu parasse e visse o céu. Deus ainda foi bom comigo, afagou minha pele e meus cabelos com sua brisa suave. Deixei os cabelos soltos para melhor aproveitar o vento. Eles também estavam espiralados como as nuvens do céu.

A folha insiste em virar com o vento, mas não quis usar o computador, quis escrever à mão e olhar um pouco mais o céu. E nesse silêncio do céu senti um pouco de paz, em meio ao furacão que eu mesmo causara durante a semana. Gostaria de ser pacato como um céu em seu vestido de noite. 

Lembro-me de algumas ocasiões em que vi nascer o sol nascer. Uma delas foi quando fiquei na fila do posto de saúde para pegar um consulta médica, e ali com aquela gente simples experimentei a comunhão dos justos em meio à injustiça. Corpos enrolados em cobertores, uma mão caridosa a passar o chá e as desgraças sendo partilhadas com risos como se fora um doce filme de Hitchcock.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Esaú e Jacó

Ao entrar na cidade ouvi vozes antigas, de outras épocas inomináveis a sussurrar atrás das árvores.

Brotavam olhares estranhos a me espiar, a reprovar a volta do filho pródigo, que caminhava para o sacrifício.

Entrei em casa e anunciei minha chegada. Um brilho voraz partiu da escuridão e rachou meu crânio em dois.
Estava lavada ali a honra de um homem morto desde o princípio. Podia, agora, sentar-se à mesa adornada com a toalha branca e degustar seu prato favorito: uma quente sopa de lentilhas.


O velório durara anos. Mas hoje é tempo de festa e dia de atirar ao longe a roupa fúnebre de quando vira partir o irmão com sua primogenitura, colocar uma sandália nos pés um anel na mão. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Fragmentos de uma partida.

Deixei meu cheiro espalhado pela casa. Ausência de passos que percorreram caminhos inomináveis. Cômodos visitados sem permissão e outros permitidos e até acompanhados. Um baralhar de lembranças que formavam um emaranhado em minha mente, instantes antes de ter de pegar a estrada para mais uma viagem.

Ficaram os beijos dados, os beijos por dar e aqueles proibidos jamais pensados pelas mentes presas pelas amarras de uma eterna inquisição a lhes acusar. Vi a xícara ainda suja de café, as marcas dos lábios que ficavam como presente da última despedida.

Alguns abraços foram dados, outros recebidos, palavras deixadas no meio da garganta, vozes por sair, palavras por dizer, uma convulsão de sentimentos barrados pelo espelho cristalino dos olhos a brilhar.

Talvez alguém deite na cama que fiquei, e ali respire o aroma de perfume ainda incrustado naquele que serviu de tálamo aos nubentes proibidos. Raras memórias deixam de vir acompanhadas por uma insônia dos diabos. É como se ela nos torturasse com o cheiro do perfume presente que insiste em acusar a ausência deliberada por um corpo imaterializado.

Pior que a despedida, é saber que ela deixa pedaços de alguém ali na porta. Demoro a lavar a louça; os pratos e copos cheios até a borda de digitais daqueles dedos macios que teimavam em me acariciar horas antes, marcas de uma boca que não beijava apenas a borda do copo, mas as bordas de meu ser. Infelizmente, sei que essa boca já não mais bebe o café de meus lábios.


Enfim, preciso levantar. Não só de memórias vive um homem, mas de todo presente que anuncia sua futura ausência, enchendo os alforjes das pesadas pedras da memória que se não vêm na bolsa, insistem em se pendurar em nossos ombros, dando o aspecto de um mendigo a esmolar um momento mais. 

domingo, 27 de outubro de 2013

A vendedora

Uma casa nunca está totalmente vazia. Talvez este seja o problema de nossas memórias, elas povoam os espaços vazios com cheiros, gostos, gestos, bocas que não mais se tocam, dedos que não mais se entrelaçam; quando voltamos ao quarto da noite anterior, ele jamais estará desabitado, pois fala pelo lençol desajeitado na cama, pelos travesseiros fora de ordem, pelos chinelos que ficaram virados na pressa de sair. 

Até mesmo o amor mais secreto deixa marcas imperceptíveis pairando pelo ar, que dilata levemente as narinas em busca de um cheiro que teima em desaparecer do local. É a presença na ausência, um todo que envolve os amantes secretos com os flashes disparados pela memória. 

Esta manhã sabia que algo jamais voltaria a estar ali, vozes agitadas terminaram em um burburinho de desencontros, que ainda não entendi bem como começou, só sei que terminou, deixando para trás de si um ruído surdo de gritarias e imprecações lançadas por lábios nervosos quase a cuspir a alma. 

O fim de um relacionamento é o início da memória; ela que estava vazia ou  eu que não percebia sua presença, agora grita em minha mente atormentando-me de tal modo que seu grito surdo me impede de ler. A voz da memória é a mais alta e cruel que já conheci, aumento o volume da TV, mas parece piorar, não compreendo o noticiário, o filme é interrompido várias vezes por esse murmurio de lábios cerrados a me ofender. Agora entendo por que Deus odeia os murmuradores....

Passo os dedos pelas gavetas vazias, a madeira dura agride os agride, as peças de roupas fugiram com sua dona. Deixam para trás um rastro de etiquetas velhas. Uma delas veio dessas lojas femininas, estávamos juntos e entramos no shopping só para fugir ao calor insuportável; entre uma vitrine e outra entramos numa das lojas, a atendente era bonita e a maneira que ela exibia as peças me fazia imaginá-la deitada sobre minha cama. No entanto, levei a peça apenas e, na época, minha namorada, não tão sensual como a vendedora, mas animada como ela a antever uma noite em claro. 

A noite foi um desastre, a imagem daquela mulher da loja impediu que eu pudesse oferecer aquilo que, agora minha ex-namorada, tenho de me acostumar a isso, queria. Frustrei-a com a frase clássica e mais idiota que um homem pode dizer: isso nunca me aconteceu antes, fala clichê de novela barata. Incomodei-me mais com a frase do que com minha, quero dizer com a ex, como não podia ser diferente para aumentar a crise virei de lado e fingi dormir. 

Pior que virar de lado, era saber que no outro dia pela manhã acordaria com ela me olhando o rosto e suplicando iniciar o que não teve êxito na noite anterior. Homem quando falha é assim, a mulher sempre se acha culpada e que já não te excita tanto mais, o pior daquela manhã era admitir que ela tinha razão, que a moça da loja não saía da minha cabeça.

São nove e meia da noite, acho que ainda dá tempo de voltar à loja, meses depois voltarei à cena da discórdia inicial. Essa minha mania de retornos sempre me complica. Porém, mais forte que eu, sigo em passos de noctâmbulo ao local do crime primeiro. Todo fim de relacionamento tem um marco, mesmo que ele seja apenas o estopim inicial de um rastilho de pólvora que explodirá todo o barril. 

Olho para a moça, ela me reconhece quase de imediato. Faz perguntas sobre as quais não queria responder. Sorrio sem graça, olho de soslaio suas curvas nas quais derrapei naquela noite em que falhei. Tremo, as mãos suam gelado, sinto o lábio inferior tremer no canto, mania que me persegue desde de adolescente diante das meninas quando me sentia acuado. Resoluto e com o olhar quase magoado repito quase entre dentes: "A culpa é sua". Ela sem entender nada pergunta se quero um copo d'água, sento-me e aguardo-a com o copo, ela pega em minha mão, alisa com seus dedos as gemas do indicador e do médio, como se tivesse pena de mim naquele momento.

Como despertada de um sonho ela se levanta bruscamente, recompõe sua postura de vendedora e pergunta em que poderia me ajudar. Digo que quero comprar a mesma camisola daquela noite, um modelo um pouco maior, talvez M. Ela traz a vestimenta, aliso-a e sinto calar a voz daquelas memórias. Como ébrio resolvo disparar sem muito pensar: "Só que não tenho quem a use..... talvez precise de uma modelo para preencher  vazio desta peça". Ela me olha quase sem acreditar...

Esta noite, porém, todas as vozes se calaram, não precisei arrumar uma desculpa, nem virar de lado, os clichês ficaram para trás e na manhã seguinte era eu quem servia de sol ao abrir de pálpebras dela.











sábado, 24 de agosto de 2013

Fragmentos de sábado à tarde

Fui beber um copo d'água, centrado em mim mesmo, dando voltas ao redor de mim, sozinho no apartamento ocupado por todo meu ser que se esparrama pelos cômodos, dominando-o num sentido de posse incessante que abarca meu olhar pelos gritos surdos despedaçados de almas antigas e seres estranhos.

Lanço um olhar pela janela enquanto bebo a água que acabou de escorrer pela torneira e que no copo se misturou a restos de limão que haviam ficado ali de um gole antes. Vejo no quintal do vizinho um pequeno jardim ou um modesto projeto de flores para embelezar a casa. Mas os duendes ainda não moram ali, o pequeno descampado em que só passeiam as formigas ainda não rende a beleza para servir de habitação a seres imagináveis.

Chama-me a atenção uma pequena cruz próxima da árvore. Lembro-me das cruzes espalhadas pelas estradas marcando com o sinal do sacrifício a morte de mais uma pessoa, agora alma vivente pelos bosques da solidão aterradora de uma viagem que jamais chegará ao seu destino. 

Intrigo-me com essa pequena cruz. Não se parece com um pedaço de pau qualquer que sirva de marca para saber onde foi semeada a última flor. Quem sabe um feto ou um gato ou cachorro morto nos últimos dias. Mas por que a cruz então? Ela também serve a animais? Terão eles almas ou memória? A cachorra que tinha Fabiano possuía memória e fazia do céu dela um enorme Fabiano que ela pudesse lamber as mãos.

Vejo o enorme céu de sábado à tarde e imagino que deva existir um Deus enorme que possa cobrir toda esta imensidão e nós como pequenas baleias, após nosso delírio de morte poderemos também lamber-Lhe as mãos. Ou somos arrogantes demais para isso ou nos achamos civilizados demais substituindo assim por um simples ósculo quase insípido? 

Já terminei meu copo d'água, contando assim parece que eu ainda estava tragando os goles de água em frente da janela da cozinha. Fato óbvio este, afinal se lá estivesse não estaria a escrever estas linhas. Já são elas a memória de um passado recente e levemente ficcionalizado pela impressão de meus olhos que atingiu o cérebro e no curto espaço do corredor até o escritório transformou-se em material textual e organizado. 

Enquanto escrevo carregam páginas de mulheres irreais, posando para câmeras, criando e participando elas também de um mundo irreal. No oculto prazer que lhes sobe aos peitos em saber-se voyeurizadas por algum anônimo tarado em ver mulheres desconhecidas e desprovidas de almas e sentimentos, que jamais podem ser atribuídos a estas imagens mortas que sorriem para o nada em que serão jogadas. 

Neste instante passa em frente de meu apartamento uma ambulância do corpo de bombeiros em alta velocidade e com suas sirenes ligadas. Alguma pessoa a esta altura não pertence mais a este mundo, agora para mim aquela cruz que está no jardim da casa do vizinho faz mais sentido. Ouço uma coruja piando... ou não a ouço é apenas uma memória de São Bernardo que chegou tardiamente a meus ouvidos. Volto às minha atividades.

sábado, 18 de maio de 2013

Presente de Natal

Há alguns anos minhas primas fugiram para São Paulo. Era a época em que as pessoas acreditavam ser a cidade grande a solução para todos os problemas, seja de ordem sentimental seja de ordem material, esta última sempre em primeiro lugar.

O vazio deixado por elas, mesmo com as visitas posteriores, jamais foi preenchido no peito de minha tia. Restou a dor da separação e o sentimento de ter sido desprezada pelas filhas.

Após a morte de minha vó algumas mudanças ocorreram. Meu pai sempre à beira da miséria se viu obrigado a falar com meu avô e pedir arrego debaixo do teto do velho. Reconciliaram-se e mudamos nós quatro, minha mãe, meu pai, meu irmão e eu para um quartinho de frente para a cozinha que mal cabia uma pessoa, quanto mais quatro. Era o antigo quarto de mais um primo que fugira para São Paulo.

Detalhes à parte, meu irmão e eu nos divertíamos como era possível. Minha mãe fez uma bola de meia que chutávamos pela manhã e após voltar da escola, levantando a poeira do chão batido em meio à correria das galinhas. 

Meu pai não tinha dinheiro para comprar uma bola de capotão, que só tínhamos a oportunidade de chutar quando os meninos mais abastados da rua nos chamavam para jogar. Meu irmão jogava muito; ele e seu amigo Wagner eram os melhores driblavam bem, eram fortes, depois juntou-se Rogério ao grupo, ótima canhotinha e nesses momentos tínhamos acesso a tão cobiçada bola de capotão com seus gomos reluzentes a pedir que a chutássemos. 

Nesse período uma notícia alterou o ânimo de todos na casa de meu avô. Minha prima ligara de São Paulo para o serviço de minha tia falando que viria a Palmital para visitá-la. Mesmo em meio à dor, a alegria de rever a filha e nós a prima superou momentaneamente os problemas anteriores. 

Ainda naquela época tínhamos a ilusão de que ela estava bem. Que havia enricado como diziam, que tinha crescido, que sabia mais que nós interioranos caipiras. A visita dela foi esperada com ansiedade por todos. Comentava-se dela, abriram-se as caixas de fotos antigas, emprestou-se um colchão para acomodá-la num dos quartos, matou-se a galinha mais gorda do galinheiro e minha tia fez as compotas de mamão e doce de abóbora.

Ela chegou pela madrugada; venceu os primos menores pelo cansaço e pelo sono. Sabíamos que ela trazia presentes. Era perto do Natal, e trazer presentes significava que ela estava bem, que havia ganhado dinheiro. Não esperávamos presente de meu pai, sabíamos que estava falido, sem dinheiro algum, o que tinha mal dava para comprar a comida que punha em nossos pratos. Mas não o culpávamos por isso. Apenas pela violência dedicada à minha mãe.

Pela manhã a sondávamos como se fosse novidade. Ela dormiu até o meio dia. Nossos olhos corriam das caixas de presentes ao lado dela para ela, jovem, morena e bonita. Como se quem morasse em São Paulo fosse quase um estrangeiro, um ser superior. 

Percebemos que o presente era grande, pois a caixa denunciava o volume. Discutíamos entre nós que seria o brinquedo, enquanto as horas por ela dormida pareciam uma eternidade. De bruços, os cabelos negros escondendo o rosto a ressonar como se ainda fosse noite.

O fato é que ela acordou, foram abraços distribuídos a todos, comentários, contar tudo o que era São Paulo, sua vida imaginada e sonhada que anos depois descobrimos ser tudo mentira. Mas tampouco a culpamos por isso. Voltar para a cidade de que se saiu fugida e ainda com o rabo entre as pernas nunca é legal, mesmo que ela voltasse ao seu emprego na cidade grande depois. A menos vantagem tem de se contar. 

Enquanto isso presente ficava lá, gordo, à espera que nos fosse dado. A demora em distribuir os presentes parecia dar-lhe um ar de superioridade e também de prazer, de saber que todos ali à sua volta esperavam algo de suas mãos. 

Enfim, explodiram-se os pacotes, deles saiu uma carreta laranja para mim e uma vermelha para meu irmão, que pronto montamos e saímos empurrando pelo quintal a fazer brrrbrbrr com os lábios a disputar qual corria mais. Já nem olhávamos mais para a prima, que continuava lá contando suas vantagens. 

Hoje lembramos daquela carretinha com carinho. Sabemos que qualquer loja de 1,99 a tem. Mas na época cheirava à cidade grande e ao carinho da prima que há tempos não víamos. Mal sabia ela que não estávamos preocupados com seu sucesso, vê-la enchia toda a carroceria de nossas pequenas jamantas. 





domingo, 12 de maio de 2013

La populaire

Este fim de semana, nas salas de cinema de Maringá e de outras cidades do país, ocorre uma mostra de filmes franceses(Varilux). Na sexta-feira assistimos a "Une estonniene à Paris", narrativa singela, drama sensível de uma senhora estoniana em passeio pela cidade de Paris. Vai a Paris para cuidar de um senhora também estoniana, de temperamento difícil, que vive só num apartamento, aguardando as raras visitas de seu ex-amante. Ao fim, pode-se dizer que o filme é uma lição de como se amar de verdade, de como abrir mão de alguns sentimentos para perpetuar outros mais nobres e singelos.

Ontem, sessão dupla. Primeiro, "Les adieux à la reine", particularmente para mim, filme com um enredo frouxo e atuações medianas de todas as partes. A tentativa de se ressaltar os olhares das personagens como forma de expressão fracassa. O enredo tem como pano de fundo a queda da Bastilha e a pressão sobre a família real para que renuncie o poder, tudo sob a ameaça de cortes de cabeças. Em meio a esta balbúrdia, chama-nos a atenção os amores homossexuais da rainha por uma dama francesa. No entanto, há mais um amor nesta história, a de sua leitora, que devota um amor tão profundo a ponto de colocar sua vida em risco por amor à rainha. 

Logo após esta sessão, uma boa surpresa: "Populaire", a história de uma jovem da Baixa Normandia que sonha ser secretária e acaba se tornando umas das meninas mais famosas da França. Detalhe, sua fama vem do fato de ser muito rápida em datilografar e vencer o concurso nacional de datilografia. Em meio a estes desafios, ela encontra o amor de sua vida: o senhor Èchard que a treina para o concurso e acabar por ceder aos encantos da jovem datilógrafa. 

Hoje tem mais cinema, no entanto, desanima o fato de a sala de projeção do Maringá Park achar que os assistentes são surdos, o som é estridente e quase insuportável quando há música ou aplausos. Chega a ser irritante. Quem sabe daqui uns anos eles usem intérpretes de libras nos filmes, afinal terão ensurdecido a todos seus clientes. Enfim, isso demonstra que ainda estamos no interior do país, como se a televisão fosse novidade e o vizinho mais rico deixasse sua TV no volume máximo só para causar inveja no amigo ao lado. 

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Madrugadas de sonhos e insônias

As madrugadas nunca são boas companheiras. Em geral, amigas da insônia e por paradoxal que seja amigas dos sonhos também. Mesmo sem dormir, somos despertados pelos sonhos não realizados. Aí a relação que há entre sonhos e insônia. Por isso, as madrugadas se tornam más companhias, no horário em que muitos estão despachados em suas camas, aqui estou eu a escrever num blog, que provavelmente ninguém lerá.

Exercício esquizofrênico de escrever para si mesmo, ainda assim cheio de lacunas para evitar algum curioso leitor. Afinal não posso falar o motivo de minha insônia assim em público, abrir o cofre, deixar as moedas expostas, que apesar de baratas podem servir de provas contra mim.

Nessa madrugada minha insônia é a incapacidade que tenho de lidar com as frustrações da vida, com uma dor que me assola a tal ponto de o colchão se tornar insuportável amigo pela sua irônica maciez. Afinal, para quem sofre qualquer leito de pregos é macio demais, temos de sofrer sentados, olhando o céu escuro de uma noite fria, aí para ser romântico, casa-se com o sentimento de dor, frio e solidão, misturados no mesmo copo pelo barman de nossa imaginação.

Ler não ajudou hoje, estou sem concentração, embora goste da narrativa de Helder Macedo, não estou a fim de ficar pensando em vaginas virgens fechadas como uma caixa de Pandora ou bucetas a ser bombadas por um insensível pênis indiferente à dor da perda de um filho ou um suposto filho morto há pouco.

Sobra-se ironia demais, tragédia de menos, para quem está meio Camilo Castelo Branco, revivendo recrudescências românticas e um desejo enorme de sofrer e ver todo mundo morrer como no príncipe das fotonovelas baratas ou romances como Sabrinas e Biancas, cheia de desiludidas choronas a buscar um homem que as sustentem.

Agora também li tudo isso e achei a maior porcaria, mas como está escrito, fica aí. Desabafo sempre foi desabafo mesmo e nunca teve muita lógica, melhor seria acompanhado de um bom vinho, mas na geladeira só tem leite e maçã... ah um pouco de água também, ou seja, nada tão forte que me faça dormir melhor.

Bom..... paro por aqui e vou deitar; nada de tomar leite quentinho como um menino que acordou assustado depois de um pesadelo. Afinal se estou com insônia nem dormi ainda, a menos quem dormiu teve o privilégio do pesadelo e o alívio de ser acordado por alguém para lembrar que foi apenas um sonho.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Apenas um poema

Como a relva molhada pelo orvalho

assim me é teu sexo.

Macia pétala de rosa espetada

em verde talo pouso meu corpo em ti.

Em leve esvoaçar de beija-flor

tomo teu néctar em doces beijos.

Entremesclados flor e talo

juntos em torrente de néctar

afogam-se os nubentes.

Morte ou vida?

Estes dias estava pensando sobre os grandes filósofos da história do mundo ocidental. Muitos deles não criam em nada e tinham uma visão crítica do mundo e de si mesmos. Alguns viveram infelizes e certos de que a vida de nada lhes servia; em nada lhes serviu o ceticismo ou o ateísmo como forma de crença, se é que seja possível aplicar este termo ao último conceito utilizado.

Alguns poetas, também ateus, viveram atormentados pelo fato de a vida ser passageira e nada restar do outro lado da vida, até porque para eles a vida não tinha outro lado, apenas este, aí o prazer do vinho passar com a chegada do fim da taça, ou o prazer ou o gozo como diz Drummond ser sempre no passado, a velha nostalgia do que passou e não volta mais, além do efêmero caráter até mesmo da libido aguçada e estimulada pelos toques e carícias.

Em resumo para quem nada dura ou dura pouco, todos prazer alcançado ou desfrutado é pequeno. Seja no copo de vinho, na tulipa da cerveja ou do chopp, aquele whisky gelado ou algumas horas num motel barato ou caro, o final do gozo será sempre a busca por um novo gozo em forma de cascata. O desfrutar de uma virgem será sempre o desfrutar de outra virgem ou não virgem, mulher experiente e cheia de negaça nas artes do amor livre; sempre se buscará o mais livre ainda.

No final das contas foram infelizes por motivos que não entendo. Afinal de contas será que morrer e ser queimado como um HD velho de computador e não restar mais nada é tão ruim assim? Pensem bem... morrer e esquecer toda esta terra, os fatos ruins, as frustrações, as covardias, os medos, as decepções, isto seria um sonho, fechar os olhos e saber que simplesmente acabou, isso seria a verdadeira felicidade, o verdadeiro gozo, o término da  vida num piscar de olhos.

Acho que isso chocaria qualquer espírita, que além de crer que há vida do outro lado, ainda acredita que pode voltar aqui na terra e viver de novo para purgar suas culpas. Isso sim é ser infeliz, nascer de novo, crescer, ter de passar por todas as primeiras vezes da vida. Encher-se se traumas e frequentar igrejas ou consultórios de psiquiatras para sentir-se melhor.

Aí está o verdadeiro sentimento de culpa. O "ser" além de já ter se ferrado 30, 40, 60 ou 70 anos nessa terra pede para voltar e se ferrar mais outra quantidade desta. Esse é um legítimo brasileiro ou um legítimo cidadão do terceiro mundo. Viveu a vida toda na periferia do mundo e agora quer voltar ao lixão para continuar revirando-o agora com outro corpo.

Acho que estes filósofos ou poetas que sofreram por acreditar que a vida acabaria aqui, na verdade, queriam é admitir que acreditavam na vida eterna e que gostariam de estar errados, que ao chegar do outro lado houvesse um Deus que os abraçasse e lhes dissessem sejam bem vindos, compreendo sua dor e quero saná-la, mas foram covardes os suficientes para admitir que lá no seu mais íntimo eles queriam a vida eterna e que seu pretenso desespero pela vida que passa não é infelicidade com a vida, mas é um forte apego à ela, até mesmo uma revolta por de certo modo acreditarem  que ela não continuaria do outro lado.

ENFIM, este filósofos ou poetas não sabia e jamais souberam o que queriam. Secaram taças e taças de vinho depressivos por achar que a vida acabaria. Se fossem verdadeiros, simplesmente, estariam cada dia mais felizes ao ver a morte se aproximar, por saber que estava chegando o dia de toda a memória desta vida se apagaria e que eles deixariam de existir.

domingo, 14 de abril de 2013

Vazios e lacunas

A pior sensação que podemos ter é a de não ter vivido algo. O lamento é a expressão mais forte do arrependimento das coisas não vividas. Porém, esta é a pior das armadilhas, pois nos leva a ficar presos ao passado continuamente, logo vivemos no espaço e no tempo do inexistente.

Algumas memórias são despertadas pelo nada: um filme, um quadro, uma conversa. Despertamos para aquilo que não podemos viver, que já passou e não poderemos sequer tocar. O passado vira uma obsessão difícil de se livrar, ainda mais um passado que não nos pertence, que não pudemos viver, ficou apenas no horizonte das expectativas do não realizado.

A única conclusão a que chego nesse caso é que devo tentar olhar o futuro, para ele e mais nada. Mas olhar para o que não existe é tão difícil, é como olhar para o passado que não vivi e jamais poderei viver, pois o tempo passou e jamais voltará. No entanto, o futuro tampouco me garante uma vida diferente ou mais feliz, está por construir e nem todos os tijolos que eu use para o alicerce de uma vida nova garante-me a casa de acordo com os meu sonhos.

Assim, vivo esse labirinto, esse enigma entre o que não foi e aquilo que não sei se será. Decifra-me ou devoro-te, o velho e antigo problema machadiano. Mas como ele mesmo dizia, melhor cair das nuvens que do terceiro andar.

Ps: por ser um fluxo mental não corrigirei o texto, vai com os erros que tem.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Algumas poucas verdades sobre o amor

Depois de um certo tempo descobrimos que os melhores amores e os mais verdadeiros são justamente aqueles que não podemos ver, tocar ou sentir. São aqueles que não pudemos desfrutar, aqueles que ficamos apenas nos olhares ou na cumplicidade de uma amizade que podia ter sido algo mais.

A memória recria melhor as pessoas amadas que jamais existiram. Amigas que só de nos tocar, olhar ou sorrir nos satisfaziam a alma. Aqui de minha escrivaninha, de frente para a janela sinto falta de um olhar desses. Olhos grandes, sorridentes, cheios de calma e paz que nunca tive, mas ela que esbanjava.

Amolecia-me ao toque dela e ao veludo de sua voz de menina/mulher experiente. Cheia de tantas coisas que poderia me dar a plenitude que me faltava. Sei que isso é bobagem e que ninguém pode nos completar ou saciar todas nossas sedes, mas esta é a parte boa dos amores nunca declarados, nunca vividos, mas experimentados no nível da alma: eles são plenos, totais, enchem-nos como mel em excesso na garganta.

Um desses amores tinha grandes olhos, ainda brilhavam de amor e esperança e encantavam com suas enormes bolas sorridentes que saltavam como duas lindas crianças num jardim londrino numa manhã de fim de inverno. Nunca fui a Londres, mas esse amor me fez viajar ao mais lindo jardim da falsa recordação. Ali pude aproveitar o sol da manhã e sentir o beijo gelado das árvores que nos rodeavam.

Esses amores de "faz-de-conta" divididos na mesa de um restaurante ou entre a fumaça que sobe de uma cálida xícara de café são os melhores, seu cheiro desperta momentos imemoriais, que sentimos uma enorme falta. Amores não declarados, capazes de mudar uma vida toda, mas que na covardia das tarefas cotidianas e dos padrões morais da sociedade optamos por não vivê-los, por isso se tornaram imortais e mais verdadeiros.

Gostaria de me explicar melhor, mas acho que assim como todos os escritores que já tentaram falar de amor sabem ser uma tarefa impossível. Assim é esse amor verdadeiro, aquele que esperamos no corredor só para ver aqueles lindos olhos passar e.... quando eles já estão ausentes....... acompanhar o lento deslizar dos pés a levar um lindo vestido que rouba de nós o toque tão desejado, a agitar-se como uma flâmula no ar avisando que o navio de nosso amor partiu e não voltará mais....





domingo, 24 de março de 2013

Dias de solidão e frio

Há dias que são frios. Mas são tão frios que nada nos aquece. Olhamos ao redor e tudo está gelado. As pessoas estão geladas, as ruas estão geladas, o coração está gelado.

Ainda muitos insistem que temos de ser feliz. Feliz como? Qual o motivo da felicidade? Tenho a impressão que a vida às vezes é uma comédia grotesca.

Há uma plateia que não vemos, nem conhecemos. Porém, ela ri de cada tristeza, de cada desgraça contada pelas pessoas.

Desemprego, fome, dívidas, relacionamentos familiares quebrados, falta de esperança, pessoas com câncer, bêbados dirigindo e matando as pessoas, traficantes seduzindo com o tráfico e matando jovens, tudo uma verdadeira delícia para esta plateia invisível que aplaude os fracassos das pessoas.

Vivemos enfermos, numa grande fila de hospital público, na qual cada um conta suas mazelas, delicia-se com pílulas para pressão alta, diabetes, colesterol, drágeas para combater depressão, coquetel para HIV, HPV e todos os tipos de doenças e dores possíveis.

Vivemos a época dos relacionamentos quebrados, nos quais não há verdadeira intimidade, tornamo-nos superficiais dentro de nossas casas, namoros e casamentos. Cada um vive seu mundo pequeno e infantil da era pós-moderna.

Os dias são frios, a solidão é grande; dias longos demais para viver, noites curtas demais para sonhar.

sábado, 9 de março de 2013

O menino das bolinhas de gude

Nunca mais vi o menino das bolinhas de gude. Na verdade, ele sumiu mesmo quando eu ainda estudava no antigo Ginásio da cidade. O pessoal chamava de Horácio. Prédio velho, antigo, escada de mármore branco e salas com tacos descascados e corroídos pelo tempo. Havia armários grandes de madeira, velhos como a escola e como a tia Maria José, na época velha hoje mais velha ainda, por incrível que pareça ainda vive.

Tínhamos a mania de jogar bolinhas de gude no intervalo. O melhor jogo era entre irmãos, jamais perdíamos nossas bolinhas e ficava tudo em família. Afinal brincadeira de bolinha de gude é de menino pobre, que não tem dinheiro para comprar brinquedo melhor. Nem sei como meu pai permitia comprar algumas bolinhas. As melhores eram as achadas, caídas pela sarjeta de algum bolso descuidado, essas não custavam nada, mas eram as mais caras da coleção.

As azuis eram as mais baratas, comprava-se em qualquer boteco de bairro. Lá estava o vidro cheio aguçando os olhos dos meninos. Entre o chiclete Ping Pong e as bolinhas, comprávamos estas. Elas garantiam a entrada no grupo dos demais meninos, todos com seus bolsos ou embornais cheios de gude. Alguns meninos maiores tinham de diversas cores, brancas como leite, transparentes e cheias de cores dentro e o acinho, este nos enchiam os olhos, vivíamos a cata de rolimãs antigas nas oficinas para retirar as cobiçadas bolinhas, boas para arrebentar as dos adversários.

Jogávamos no meio-fio, ali era o circuito dos meninos pobres, abaixados, de cócoras  a jogar ou quando sem bolinhas a torcer pelos amigos. Mãos sujas, suados, bolsa escolar nas costas, íamos até nossas casas jogando e cada um se dissipando pelo caminho de acordo com que chegavam às suas casas.

Veio um menino transferido de outro colégio. Temido por todos, contavam que havia arrebentado a cara de vários meninos na outra escola, que era briguento, trazia canivete e era ótimo em ganhar bolinhas de gude dos demais meninos. Só jogava com bolinha de aço. Tinha força nos dedos e arrebentava a bolinha do inimigo que estava no meio fio, obrigando o outro menino a perder duas bolinhas ao mesmo tempo, pois tinha de pagá-lo.

Embora ninguém quisesse jogar com ele por medo, ninguém tinha coragem de dizer não a ele, já chegava com a mão fechada em tom de ameaça e não havia saída. O outro menino ia quase chorando para a sarjeta, sabia que perderia sua bolinha honesta ou desonestamente, pois o menino jogava de expulsão, esticando longamente a mão para acertar o outro gude, porém, ninguém tinha coragem de reclamar o desaforo, seria olho roxo na certa.

Nunca tive muitas bolinhas, o dinheiro, ou melhor a falta dele não permitia. Assim que vivia receoso de encontrar com o menino das bolinhas de gude pelo pátio. Enfim, não houve escape, um belo dia, alisando minhas poucas bolinhas no bolso da bermuda jeans, antiga calça que ficara curta e fora cortada pela minha mãe para aproveitar mais tempo a roupa, tenho o fatídico encontro.

Sem saída aceitei o desafio. Ele disse pode jogar primeiro. Colocou o acinho dele e eu já tremendo de medo em perder as bolinhas ou apanhar ali mesmo caso acertasse o gude dele, dei o tiro em falso. Sorriso no canto dos lábios, o menino baixou e acertou meu gude, além de espedaçá-lo, a cada tiro certo dele eu teria de pagar no outro dia dez bolinhas de gude. Tinha apenas cinco gudes, ou seja, ficaria devendo cinquenta gudes para ele. Em menos de cinco minutos tornava eu devedor do menino, que me ao término do jogo me avisou, te dou uma semana para pagar tudo, senão te acerto o olho e te deixo roxo.

Menino franzino, eu não ele, fui para casa tremendo de medo. Como contar para meu pai que ele teria de me dar dinheiro para cinquenta bolinhas, levaria um couro na certa. Por dois motivos, por covarde e por ter perdido, além da eterna promessa, se apanhar na rua e contar em casa apanha de novo. Não contei.

No outro dia, lá estava o menino na porta do colégio, ao me avistar já me lembrou: "Olha, faltam 6 dias". Para piorar o sorveteiro com dentes de ouro e chapéu na cabeça disse para o menino em tom de compadrismo, isso mesmo, se não te pagar acerta o olho dele, senti-me mais desprotegido ainda.

A cada dia que passava eu tremia mais, mudava de rua para ir à escola, ficava na sala de aula na hora do intervalo, ia embora pelos mais diversos caminhos, chegava tarde em casa, dava desculpas.

Enfim, chegou o fatídico dia. Fui para a escola tremendo. Contando os passos, as lajotas das calçadas, as pedras que havia no caminho, as flores das árvores, mas tempo é tempo e passou. Assim, cheguei à escola já esperando a surra prometida, afinal não tinha as bolinhas e o medo que tinha de meu pai fez-me preferir a surra, dupla pois chegaria em casa de olho roxo e no outro dia seria um panda, um porrada do menino e outra de meu pai.

Sem saída preparei o couro. Subi as escadas correndo e cheguei à sala de aula ofegante. Fiquei de castigo por ter chegado atrasado. Tive de ficar esperando no corredor o horário da segunda aula exposto aos perigos da porrada prometida. Deu horário, entrei na sala. Deu o sinal e não pude ficar na sala. Estavam roubando objetos das salas e agora todos éramos obrigados a descer. Minhas pernas tremiam. Desci ao pátio. Havia um clima diferente. Pensei que era o anúncio da porrada que ia levar.

Percorri os olhos. Enchi-me de falsa coragem e resolvi procurar o menino, com certa dificuldade pelo meu tamanho a ter de vencer os maiores no pátio, mas avancei. Melhor tomar a porrada de uma vez e me livrar do terror que vinha enfrentando há 7 dias, poderia ter dito que não pagaria, que não tinha como e levar a surra no mesmo dia, mas não sei por que fiquei sofrendo uma semana se já sabia que apanharia mesmo.

Avança a passos largos agora, era como se os outros meninos pressentissem o ataque, o covarde do meninozinho franzino pisava firme, pulava poças, esgueirava pelos cantos para chegar mais rápido. Abriu a clareira, todos se afastaram, chegou à sarjeta, ponto de encontro dos jogadores de gude.

Olhei para os lados e cheio de coragem perguntei. Onde está o menino do acinho? Ué, você não sabe. Foi preso hoje cedo, levaram-no para FEBEM. Mas por que? É que eu tinha um dívida com ele e vim pagar, trouxe o que ele havia me pedido. Então esquece ele não volta mais.

Aliviado fui para o banheiro, lavei o rosto e admirei a bola dos meus olhos intactas, meu olho não estava roxo. Podia ir para casa sem surra e dormir com o couro suave como pele de bebê.

Os olhos da raiva

Gostaria de olhar o mundo e poder desfrutar o que ele tem de melhor. Mas o melhor dele não é para todos. Nem todos podem comer do leite e mel que é uma promessa para viver bem. Olho para o mundo e vejo-o cinza; com raras exceções o enxergo colorido e cheio de vida. Nestas ocasiões, em geral, estou olhando para as árvores e flores. A natureza inquietante em sua mutabilidade me encantam os olhos e a alma. Que chavão não é mesmo?

Amo o inverno por esse motivo. Tudo fica cinza, sem cor, num clima de eterna e negra depressão. Tudo parece mais triste e incrivelmente mais feliz para mim. Não preciso demonstrar alegria, todos estão tristes, cabisbaixos, encapotados em grandes blusas de frio e a tomar café e chás o tempo todo. Ali o sorriso parece a eles uma ironia.

Adoro acordar cedo e ver que tudo está sem cor. A garoa caindo lentamente observando os transeuntes encolhidos, de queixo no peito e mãos no bolso. Pouco dispostos a cumprimentar quem quer que seja. Os olhares estão baixos nem sequer percebem que alguém passou ao seu lado.

Sentir-se molhado pelo chuvisco que teima em cair, sentir os pés congelando sem ter como fazer nada, chegar ao destino e estar sozinho, tremendamente só, perdido em meio às sombras e ali enfrentar os medos, as raivas, iras e rancores do passado que batem constantemente à porta de minha memória, reconstruindo com cores mais cruentas do que na verdade aconteceu realmente.

Não preciso ir ao cinema. É só fechar os olhos numa sala fechada e escura e ouvir as vozes do passado a me perturbar, a me ofender. Vendo os espectros a me roubar a honra, a fama, a vergonha, a me fazer tremer. Como me irrita ser covarde, um dia ajo como Riobaldo, faço-me valente por necessidade e vou para o meio do arruado tomar satisfação daqueles que me ofenderam.

Lembrar quando perdi a dignidade é difícil, mas nem todo homem tem coragem de assumir isso, assim em público, de forma desavergonhada, como velho que tomou sol demais na moleira. No entanto, posso dizer, uma vez perdida a dignidade ninguém mais te respeita. É como viver num eterno inverno, sem cor, cinza, a chuviscar permanentemente. Por isso gosto do inverno, as pessoas se encolhem em si como pinto entanguido e nunca te olham na cara. Para quem perdeu a dignidade, nada melhor que não ver o olhar das pessoas e curtir apenas o descarnado das árvores num dia cinza e chuvoso. Afinal, para quem perdeu a honra nem árvore se digna em me dar sombra.


quarta-feira, 6 de março de 2013

Hugo Chávez


Hoy ha muerto Hugo Chávez, por increíble que parezca algo me dolió en el corazón cuando he visto a las imágenes de miles de venezolanos llorando a su presidente. El líder de los pobres, el pueblo latinoamericano los necesita todos los días, pero nosotros nos olvidamos de la pobreza en que vivimos y por creernos ricos acusamos a estos líderes políticos.

Por lo menos Chávez era la cara de su pueblo, ameríndio como él, piel casi sucia de la historia que llevó a los pueblos indígenas al olvido. Chávez ofendía porque asomaba a las pantallas del mundo todo señalando al su tez india. Este era Chávez, presidente en un país donde las miss universo son blancas, altas y perfectamente hechas por manos de cirujanos.

Chávez no. Era gordito, cara de mestizo, de cholo, cara de la historia de una América que la gente quiere olvidarse, pero él obligó al mundo a recordar por 14 años la historia americana de muertes, robos, estupros a que Europa un día practicó en este continente en nombre de un sueño de riqueza.

Chávez no, luchó por su pueblo, bien o mal, medio dictador, medio salvador del pueblo, él rescató a la imagen del salvador Simón Bolívar, en realidad se creía un poco Bolívar, quizá su rencarnación, mismo que jamás haya hablado en esto, lo fue para muchos el Libertador, que ahora añade un daguerreotipo nuevo a la galería de nuevos libertadores de Venezuela y América Latina: Hugo Chávez, tal vez sólo Chávez, el corazón del pueblo.

sexta-feira, 1 de março de 2013

El tango



Ir a Buenos Aires e não conhecer o legítimo tango portenho é um pecado ao qual não se perdoa facilmente a um turista. Uma das primeiras perguntas que te fazem ao voltar é: e aí, você viu o tango? Essa pessoa te persegue, te nega, te pisa, caso não tenha vista o tal do tango. Pois, então, aí vou eu a cumprir o fadado destino de bailar, desculpa, conhecer o tal do tango pessoalmente, apertar sua mão, sentir a sensualidade de seus braços e conhecer a tragicidade de seu olhar.

Assim, foi meu primeiro de janeiro de 2013. Às 11h00 peguei, na rua lateral da 25 de Mayo, um coletivo todo colorido. 3 pesos seu valor e um passeio que nenhum guia  turísticos poderia me ofertar. Ouvir as vozes em espanhol, desfrutar dos sons na cotidianidade de um portenho preocupado em chegar à sua casa ou simplesmente indo para o almoço com amigos na gênese do ano que nascia.

Troco algumas sílabas com o simpático chofer do coletivo que me garantem descer, posteriormente, no ponto correto. Destino: El Caminito. Suas casas coloridas, o ruído alegre dos restaurantes, as casas de tango fechadas, por ser dia, favorecendo aos dançarinos de rua.

Logo na primeira esquina, um casal simpático, cheio de sorrisos, dançando tango, percebe os primeiros viajantes descerem da nau urbana para seus laços de encanto.

Juntamente a outros turistas, olho para o casal que desliza suavemente pela irregular calçada em frente ao restaurante. Com mãos gulosas nos puxam para a dança e dançamos, literal e figuradamente. Umas fotos, umas poses do típico baile argentino, que me garantem a prova de ter estado em Buenos Aires e lá se vão 25 pesos, neste caso, bem gastos.

A moça foi tão simpática que até esqueci minhas cadeiras duras, meu jeito de bambu ao vento e ensaiei uns passos com a dançarina. Olhares trágicos, rostos quase colados, como na encenação típica desta dança, ali estava eu a imitar despudoradamente um dançarino argentino, mero pastiche de um pé-de-valsa em fim de semana, seduzido pelas artes do tango, enlaçado em braços alheios que me levariam os 25 pesos.

Fora os 25 pesos do quadro de encenação, já seduzido pelas ruas de paralelepípedo e os quadros pintados pelas paredes do bairro, deixei-me levar por uma cuia de mate e uma bomba, ambas compradas de uma índia, e que hoje está sobre a mesa em minha casa. Não tomo chimarrão nesta cuia de memória, mas quis saber como se sentia Cortázar e Borges ao olharem para suas cuias de mate e como será que viam a vida pela erva fumegante em um dia de inverno.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Buenos Aires

Depois que retornei de Buenos Aires fiquei sonhando com a capital bonaerense por uma semana. Todas as noites era como se eu passeasse novamente pelas ruas largas, vendo os prédios antigos e cheios de história incrustadas em suas velhas paredes de concreto.

Minha primeira visão da cidade não foi muito agradável, senti-me num bairro de São Paulo cheio de camelôs e pessoas vendendo de tudo que se pudesse imaginar.

No entanto, chegar ao Hotel Mundial, na Avenida de Mayo, foi uma ótima surpresa. Cruzei a Nueve de Julio em duas etapas, enquanto isso admirava as ruas vazias da véspera de ano novo. Quase um feriado na cidade. Isso permitiu-me olhar atentamente o Obelisco que se erigia do solo argentino a penetrar os céus com sua forma pontiaguda. Do lado oposto um Don Quijote com seu Rocinante tentavam sair de uma forma branca de concreto a lembrar eternamente a grande aventura que ainda é lutar contras os moinhos de vento na América Latina.

Hotel antigo, quadro com dançarinos de tango e, ao fundo, não..não estava a Casa Rosada, estava a Torre Eifeil, mas tudo bem, deslocamentos que nos permitimos a chegar à decadente Europa na parte sul do continente americano. No demais, o hotel me dava a sensação de uma Buenos Aires antiga, estacionada no tempo.

Os cafés também ajudavam nessa visão década de 1930 da capital argentina. Velhas cadeiras, mesas, piso antigo, paredes decoradas rigorosamente com papéis que já não existem mais. Um piano, espaço para se tocar o tango e dançá-lo. Ali a menos se pode ler e tomar um café até que este esfrie no fundo da xícara e retomar as notícias do dia, sem pressa, lento, como se a correria da rua não afetasse essas bolhas do tempo.

Lá fora, estavam as famílias que vivem nos carrinhos de compra, guardam suas mantas e as poucas roupas que tem e saem empurrando-nos pelas belas ruas bonaerenses. Pessoas que dormiram em barracas improvisadas na Plaza del Congreso, como se ali esperassem pela justiça. Outras por falta de espaço em tão cobiçado solo dormem embaixo dos bancos mesmo, encolhidas na pequena e mesquinha economia da dama Kirchiner. O bancos das avenidas servem de ampla mesa aos argentinos que comem pedaços de pizza ou um "panchito" ruim, recheado com uma velha salsicha e um pão.

Lá existe uma campanha. Volte à época das cavernas. Bárbaro. A maioria dos restaurantes cobram uma taxa pelos "cubiertos", isso mesmo, quer talher, pague aí entre seus 10 a 15 pesos, caso contrário, não perguntei, mas acredito que o "mesero" te peça para comer com a mão...

No entanto, Buenos Aires ainda vale a pena, na próxima postagem eu continuo, pois aqui já corro o risco de que ninguém me leia mais .....



domingo, 24 de fevereiro de 2013

Marcas da cultura

O ano passado estive em Foz do Iguaçu para um evento, o qual nem pretendo mencionar de tão horrível que foi.

No entanto, a cidade me suscitou sensações estranhas que ficaram atoladas em minha mente até hoje. Uma delas foi ver mulheres com lenços na cabeça, vestidas à moda muçulmana, se é que assim se pode dizer, mas que com certeza há lojas vendendo muitos desses adornos para enfeitar ou ocultar os pensamentos dessas jovens, maduras e velhas senhoras que passam pelas ruas de Foz.

Curioso saber que as mulheres, na sua eterna imagem de progenitora, continuam parindo suas culturas em solos diferentes. São elas quem carregam no corpo as marcas de uma nação, de uma fé, de uma religião que nem sequer olha para o sexo feminino, que na verdade abjeta-o ou encara com um mal necessário à procriação.

Seus companheiros se ocidentalizaram. Fácil vê-los pelos shoppings caminhando de calça jeans, camiseta de gola pólo, comendo em restaurantes árabes ou sírios, olhando e cobiçando, criticando com a boca e comendo com os olhos as mulheres ocidentais em seus vestidos curtos, tomara-que-caia, shortinhos e blusinhas a desenhar seus corpos pela passarela das lojas infinitamente desejadas.

Porém, ardam elas(as ocidentais) no lago de fogo, enquanto suas poderosas e majestosas mães de família e parturientes em eterna dor de parto flanem pelas ruas de Foz a desfilar uma cultura que os homens podem ocultar pelas suas vestes, mas as mulheres não. A elas está fadada a dor de parir a cultura muçulmana pelas ruas, ocultando seus belos rostos, seus olhos  de amor em tempestade, seus reboliços de coração guardados no peito.

Talvez, por isso, Deus as tenha dotado de olhos tão grandes e negros; belos olhos que são a única janela que podem usar para invejar o mundo quase livre dos ocidentais. Pode-se fechar-lhes o coração, trancafiar seus corpos em modelos que assexuados, mas não podem cegar seus belos, grandes olhos de saudade de uma vida que nunca tiveram.

Será que a beleza dessas mulheres, para seus maridos, está no olhar furtivo que têm de lançar pelos cantos para ver o mundo e as pessoas que passam? Será que há nesses homens um secreto prazer em saber que elas olham, desejam, mas estão tão acuadas que só lhes resta espreitar pelos enormes olhos negros. Será que há um voyerismo nesses homens em ver o secreto sofrimento de suas esposas a brilhar em seus olhos de abismo?

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...