segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Fragmentos de uma partida.

Deixei meu cheiro espalhado pela casa. Ausência de passos que percorreram caminhos inomináveis. Cômodos visitados sem permissão e outros permitidos e até acompanhados. Um baralhar de lembranças que formavam um emaranhado em minha mente, instantes antes de ter de pegar a estrada para mais uma viagem.

Ficaram os beijos dados, os beijos por dar e aqueles proibidos jamais pensados pelas mentes presas pelas amarras de uma eterna inquisição a lhes acusar. Vi a xícara ainda suja de café, as marcas dos lábios que ficavam como presente da última despedida.

Alguns abraços foram dados, outros recebidos, palavras deixadas no meio da garganta, vozes por sair, palavras por dizer, uma convulsão de sentimentos barrados pelo espelho cristalino dos olhos a brilhar.

Talvez alguém deite na cama que fiquei, e ali respire o aroma de perfume ainda incrustado naquele que serviu de tálamo aos nubentes proibidos. Raras memórias deixam de vir acompanhadas por uma insônia dos diabos. É como se ela nos torturasse com o cheiro do perfume presente que insiste em acusar a ausência deliberada por um corpo imaterializado.

Pior que a despedida, é saber que ela deixa pedaços de alguém ali na porta. Demoro a lavar a louça; os pratos e copos cheios até a borda de digitais daqueles dedos macios que teimavam em me acariciar horas antes, marcas de uma boca que não beijava apenas a borda do copo, mas as bordas de meu ser. Infelizmente, sei que essa boca já não mais bebe o café de meus lábios.


Enfim, preciso levantar. Não só de memórias vive um homem, mas de todo presente que anuncia sua futura ausência, enchendo os alforjes das pesadas pedras da memória que se não vêm na bolsa, insistem em se pendurar em nossos ombros, dando o aspecto de um mendigo a esmolar um momento mais. 

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  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...