Deixei meu cheiro espalhado pela
casa. Ausência de passos que percorreram caminhos inomináveis. Cômodos
visitados sem permissão e outros permitidos e até acompanhados. Um baralhar de
lembranças que formavam um emaranhado em minha mente, instantes antes de ter de
pegar a estrada para mais uma viagem.
Ficaram os beijos dados, os
beijos por dar e aqueles proibidos jamais pensados pelas mentes presas pelas
amarras de uma eterna inquisição a lhes acusar. Vi a xícara ainda suja de café,
as marcas dos lábios que ficavam como presente da última despedida.
Alguns abraços foram dados,
outros recebidos, palavras deixadas no meio da garganta, vozes por sair,
palavras por dizer, uma convulsão de sentimentos barrados pelo espelho
cristalino dos olhos a brilhar.
Talvez alguém deite na cama que
fiquei, e ali respire o aroma de perfume ainda incrustado naquele que serviu de
tálamo aos nubentes proibidos. Raras memórias deixam de vir acompanhadas por
uma insônia dos diabos. É como se ela nos torturasse com o cheiro do perfume presente
que insiste em acusar a ausência deliberada por um corpo imaterializado.
Pior que a despedida, é saber que
ela deixa pedaços de alguém ali na porta. Demoro a lavar a louça; os pratos e
copos cheios até a borda de digitais daqueles dedos macios que teimavam em me
acariciar horas antes, marcas de uma boca que não beijava apenas a borda do
copo, mas as bordas de meu ser. Infelizmente, sei que essa boca já não mais
bebe o café de meus lábios.
Enfim, preciso levantar. Não só
de memórias vive um homem, mas de todo presente que anuncia sua futura
ausência, enchendo os alforjes das pesadas pedras da memória que se não vêm na
bolsa, insistem em se pendurar em nossos ombros, dando o aspecto de um mendigo
a esmolar um momento mais.
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