sábado, 30 de maio de 2015

Uma poesia nunca é nova
ela já envelheceu antes de ser palavra
nos meandros do cérebro, oculta das pessoas.
A sua verbalização na página
é o último gesto de limitação
a que o poeta condena a poesia.
Esse ato de desapego, ensaiado tantas vezes
é o divórcio definitivo entre o poeta e a poesia
o último adeus de um caminho longamente
trilhado de mãos dadas e comunhões silenciosas.
Na página ambos seguem caminhos distintos
na esperança de encontrar novos amores.


A cama é esse doce ensaio da morte
leito de sono dos conformados
que jazem ensaiando a paz dos eleitos.
Paira sobre suas cabeças inertes
o senso da justiça que conforta os justos.
A insônia é para seres como eu
inconformados e injustos, incompletos
tecedores de males e ardis
que aprisionam os justos no tempo do sono.
Temos nós, oh espantosa missão, que
cavar o ventre duro da mater terra
destino de todos: justos e injustos
que terão sobre seus doces corpos
o peso sensual da terra a lhes possuir.

As folhas insistem em cair
as pessoas tornam a partir
algumas por um tempo, outras em definitivo;
outras chegam ao mundo viçosas como folhas verdes
certas de que jamais partirão,
Mas com o tempo, perdem do viço o encanto
e como as folhas amarelas voltam a cair
nesse repetitivo ritual dos encontros
ao qual a terra em sua paciência
e silêncio a todos recolhe.

Não vejo luas sangrando
nem musas brancas e nuas;
quis ser poeta mesmo assim
e herdei a angústia das
palavras incompletas
a inquietação de saber
que os sinônimos são imperfeitos
e a diplomacia das relações
é uma falsificação de mim.


Dúvidas???

"Ou isto ou aquilo"
não tenho o tempo de Cecília
nem a prerrogativa da incerteza.
Da infância distante
sobraram-me esses calhamaços
de infantilidade não perdoáveis
no homem que avança o tempo
e as horas da inevitável maturidade.


Tarde [...]
pode ainda o homem pensar
vejo notas musicais
teclarem o chão
com o chuvisco incessante 
dos pensamentos inevitáveis.

Memória das artes
memorando das práxis
comemorando as partes
envolvidas no esquecimento
em que votaram o artista morto.
Agora para sempre lembrado
nos Anais da História da Arte.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

A tua ausência se desenhou diante de mim
perdi teus contornos nítidos na lente míope
de meus olhos cansados de te procurar.
Soube-me só e vazio como dantes
quando sua chegada preenchera espaços
que desconhecia haver em mim.
Difícil lutar com o nada, os gigantes tendem
a avolumar-se e ficam mais assustadores.
Nada mais aterrante na solidão que a presença
permanente dos fantasmas.
Se eles não fazem companhia nas horas do dia
à noite gritam incessantemente em meus ouvidos,
condenando-me a um crime que não cometi
afinal seu corpo se evadiu silenciosamente
e fui condenado ao luto da eterna espera.

terça-feira, 26 de maio de 2015

As palavras estão por toda a parte
mas quando penso no poema
elas se ocultam sob o papel
tenho de garimpá-las na superfície
branca da terra prometida de ouro,
alegrias invisíveis do leite e mel sonhados.
A fé não deixa morrer o poema,
peneiro intertextualidades, interlocutores;
escrevo para alguém incerto nesse deserto.
Tenho a febre das metáforas, das sinédoques,
dos arcaísmos fugitivos que descem pelos rios
das linhas, arrastados pela correnteza.
Só esbarro em pedras, areia e calhau,
o ouro das palavras corre longe
de meus dedos gastos e calejados.
Mas a febre do poema me queima
a fronte em dias e noites desperto
na mina da folha em branco.
O poema é meu deserto e minha Canaã
meu crime e minha redenção.



segunda-feira, 25 de maio de 2015

O corpo em estranhos bailes
arrebentou contra a calçada.
Descido das nuvens de álcool
e de uma realidade vaporosa
para um mundo sem graça
esse corpo estatelou contra o cimento,
compondo uma cruz na esquina.
Crucificado pelo tédio e indiferença
o corpo adormeceu leve e tranquilo
desapercebido das chagas abertas
e do riso escarninho dos passantes.
O cão negro e estranho vindo
de outras épocas e passados
estacou com seus dentes brilhantes
e montou guarda para que o homem
pudesse carregar sua cruz.


As flores de papel e tinta
possuem o cheiro da imaginação.
Seu colorido apela à memória
recuperando alheias cores
que reavivam os fotogramas em
preto e branco que desfilam
nos jardins de minha caixa craniana
fazendo as vezes de um lambe-lambe.
Assim, comecei a ver o mundo
de ponta cabeça e de pernas para o ar.

sábado, 23 de maio de 2015

Queria ser poeta
melhor [...]
queria pensar
como poeta,
mas não sei mexer
com as palavras, desorganizá-las
do doce conjunto da realidade.
Descobri-me parco de recursos
imaginativos, daqueles
que tornam os homens interessantes
e de interessantes em amantes.
Mas sou quadrado demais
para entrar pela janela
e ainda consulto a bula
da gramática em doses diárias.
Tomo minha dose de sujeito simples
e me sujeito às regras de bom moço.
E bons moços não servem para amantes
cabe-lhes o posto de maridos infames
e estes também não pensam como poetas.

Meu verso é nervoso e agitado
serpenteia pelas linhas
em agitações convulsivas
alheio aos olhos do leitor.

Meu verso é descontínuo
como as gotas da chuva
que nas suas insistências
formam poças e enxurradas.

Assim é meu verso
como a água da chuva
que unida no chão arrasta
casas e pertences te deixando
sem eira nem beira nesse rio
desmargeado da insana vida
que vive a transbordar os limites
do seco e do molhado do dentro do fora
do bom tom que rege a amizade
no seu frio apertar de mãos.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Ode à mediocridade

Não te contaria quem sou.
nem todos podem
com a tola verdade.
A fantasia é das nuvens
melhor se decepcionar
com o que cremos grande.
Afoga-se melhor no mar
do que em um copo d'água.
Preferimos a tempestade,
admitir que uma gota
foi o tsunami de nossas vidas
dói demais diante
de nossos sonhos de grandeza.

Este gosto de me ocultar vem dos tempos idos
de infância sob o estrado da  larga cama.
Ali eu era rei, comandante do exército colorido.
Homenzinhos tirados de doces baratos de bar
guerreavam uma batalha sem balas nem gritos
surdos ao apelo de um mundo adulto.
Hoje continuo a batalha, mas não posso ficar
sob o estrado da larga cama familiar.
Agora as balas são de borracha e as bombas
estouram  como rojões sobre minha cabeça
numa iniludível algazarra de realidade
em meios à densas nuvens de fumaça.

A propósito do massacre dos docentes no dia 29 de abril de 2015. Paraná-Brasil.

Não que eu tenha partido
nunca atraquei no seguro
 porto de teus braços.
Não te coube o apelo
do fique comigo
se de adeuses te fiz
nos contornos distantes
dos olhos marejados
postos nos horizonte.

Por que esse adiamento, essa espera?
Se de tua voz aguardam meus ouvidos
o macio consolo de saber que estás aí,
bem do outro lado da linha, atenta
à menor possibilidade do timbre telefônico 
que se adia por dias de espera e solidão.
Os dedos duvidam sobre as teclas
e os dias se vão com o dedilhar
de uma sonora canção de saudade.
Seguro o telefone como se soubesse
que do outro lado também acaricias
o objeto frio em seu plástico negro.
E nessa comunhão de silêncios
nos encontramos na ausência mútua
e muda de nós dois.

O labirinto queima sob meus pés
traço caminhos sem saída
desemboco sempre no beco
e só vejo o muro, a muralha
à qual me levaram meus pés.
De ordinário desconheço a saída
sou eu o labirinto e o Minotauro
devoro-me em dúvidas loucas
e com os fios de escape teço
o trançado da corda que aguarda
o cadafalso de minhas ações.
Condenado a mim mesmo
tramo labirintos à noite
para me perder em seus jardins
no dia a dia de minha trama solitária.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Eu que te desenhei flores na parede
ressinto de teu aroma de pétala
em jardins de tua boca rósea.
Choro tua ausência e contemplo
as flores sobre pedra e cal
as quais te pintei num jardim
insípido e inodoro de nossos estéreis
abraços em sonhos interrompidos
pela manhã ditatorial que
conclama à realidade impassível
de tua ausência negra dos caminhos
do asfalto negro das partidas.



segunda-feira, 18 de maio de 2015

Profano [...]
este corpo que me foi dado
para gozo e delírio
templo das delícias,
refúgio das épocas amargas.
Gozo [...]
a vida em carne tépida
que os vermes devorarão
libidinosos na campa escura.
Hoje devoro, degluto
sua carne macia
qual os vermes vindouros.
Invejo-os porque podem
carregar consigo tua carne
que eu apenas posso
habitar momentaneamente.
Eu, verme de teu prazer
e de teus humores húmidos
quentes líquidos em cama
ligeira de amores efêmeros.




Não pude deixar de notar
que tens na forma de andar
os contornos da caligrafia.
Equilibras-te sobre a linha
de uma tênue vida sincera
Aguardas na longa espera
romper os limites, perder a linha
preencher os vazios dessas raias
com a mancha escura de teu ser.
A página em branco é tua
faz-te heroína de epopeia
atira-te do precipício da linha
para o espaço branco da página.
Até que os contornos-corpo
sejam as linhas de tua história.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Comecei a fazer poesias
quando descobri
em minhas horas insones
que não tinha nada mais 
a dizer às pessoas.
Passei a balbuciar versos
a gaguejar metros
numa lógica inconcebível
até me desumanizar
e retroceder às formas
moleculares invisíveis.
A olho nu passo indiferente
por essa sociedade bastarda
carente de Deus. 

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Duvido sempre
da seriedade
em poesia.
Um homem sério
não faz poesias.
Versos são para
os loucos varridos
que navegam
na barca dos insanos.
Gente séria
nunca é interessante.
Em geral, são das gentes
as mais entediantes.
Não se pode gozar sem sorrir.

Para a poesia
a linha do caderno
é galho em flor
onde o poeta
pendurado macaqueia
suas palavras.
Pelo menos se cair,
do papel não passa.
Há dias de olhar
perdido no ar.
Alguns dizem
da poesia
ser a forma
da esperança.
Mas, eu acho
que é bobeira mesmo
essa vontade de deslizar
do mundo real
e me perder nas bobeiras
das fantasias de adentro.
Olhar pelo avesso
esse mundo virado
de sentidos e posses.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Não quis ancorar-me
em teu corpo
porto macio.
Sabia-o mais perigoso
que as ondas do mar.
Não se morre só afogado
morre-se também em ondas
de corpo à deriva
que espera o marujo atracar
cansado das dores do (a)mar.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

O poema de mim mesmo
nada pode revelar de mim
fingimento em palavras
aqui não me encontrará
são os versos meu esconderijo
na poesia que me reinvento.

Escrevo para mim
rótulos de embalagens.
Sou meu próprio SAC
e não me compreendo.
Suspeito que venci
meu prazo de validade.


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Acerto os ponteiros do relógio
para não perder o compasso 
da vida que se esvai.
Regulo as horas, os minutos,
os segundos e o dia
equivocado em que nasci.
Nasci no dia previsto,
de vida parida em dores
e no quarto branco do hospital
só o relógio se atrasara
um dia, vinte e quatro horas,
e, assim, nascia eu
atrasado de dias
na peça que o tempo
pregou no relógio de pulso
que ainda hoje carrego comigo
atrasado em um dia, burla
contra a morte, assim,
como foi a favor da vida. 


domingo, 3 de maio de 2015

Atiraram contra um professor,
não ia nu por pudor.
Mas tinha nos olhos a mágoa
de quem sente o frio
da pancada sem razão.
Acusado foi de conhecer demais
falar demais, incitar demais,
excitar demais, evitar a acefalia.
Atiraram contra um professor
levava como arma um livro,
essa arma nefasta, perigo das almas.
Atiraram um professor na lama,
contra o asfalto, contra a grama
contra a parede, sedução de fuzilamento.
Atiraram contra um professor
saíram tristes, as balas eram de borracha.
Não se deram conta [...] nem quiseram saber
mas a dor maior, era a dor moral
impotente [o professor] se sentia
quando se lembrou[...]
inevitável saber
ao olhar para as mãos
e se sentir apenas
UM PROFESSOR.
Nasce-se poeta?
Pó da terra!!
Ou torna-se poeta?
Profeta?
Nasci com esse olhar
meio alheado, avoado
experimentado em nuvens.
Pisando levemente o chão,
tateia-se melhor
o mundo dos sonhos
Não quero, não posso
ser invadido pelo mundo.
Por isso, esse galope
desvairado pelas nuvens,
imitando dos passos
o negrinho do pastoreio
que cansado desta vida
foi tanger ovelhas
de algodão doce
no pasto azul
de seu caderno de sonhar.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...