sábado, 27 de setembro de 2014

Poesia de todos os dias
motivo de tristezas e alegrias.
A tua busca consome-me o tempo,
despercebido das horas
medito no corpo ainda informe.
Página branca, luzidia,
desafiadora da caneta
ri seu riso alvo
diante de meus olhos.
Não posso esperar da página
nem da caneta pobre de papelaria.
Aguardo as palavras
sentado diante deste jardim branco.
Seu reflexo me enceguece
As palavras são meros vultos branquiescentes.


Insônia

Deitei.....
senti no corpo
o formigamento
de estranhas lembranças.
E meus olhos abriram
no estertor da noite
solitária e triste.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Doce cortiço - Soneto imperfeito

No lindo sonho de vermelho e sol
Pombinha, branca menina, manchou-se
do sangue quente e vermelho:
soube-se jovem e mulher.

Casou-se de véu e grinalda
qual suas brancas asas.
Na noite de lua de mel
abatida foi por dolorida estocada.

Ferida em seus brios e amor
sangrou calada e sem soluços.
Mas, pela aurora, Pombinha voou.

Encontrou doce pouso e consolo
em colo alvo e igual
deixando para trás a estocada dor da perda.


Rasguei versos de um amor
sem vergonha e sem pudor.
Sem saber, arrancava
alheio de dedos tuas roupas.
Rápido de palavras
liso na lábia
deslizei pelo teu corpo
e já não houve mais versos,
apenas lirismos onomatopéicos.

Flores, amores
não digo cores
digo dores.
Que é o amor?
Esta dor constante?!
A certeza do fracasso,
inevitabilidade do amor.
A janela fechada
a porta aberta
a rua que convida
a novos passeios.
 

Lê em voz alta;
pelos sons de teus lábios
falam poetas antigos.
Dialogo com eles
em ondas sonoras,
ritmos e danças preservados
pelas memórias das palavras.
Estes baús de signos
ocultam segredos de família,
incestos, amores proibidos.
Sons de orquestras mascarados
pela cadência de sílabas.
Neste baile insano, tu és Sherazade
e eu sou teu rei voluptuoso
retardando o prazer de teu corpo.

Conselho

Se é bom para ti
não o dê para mim.
Pode te fazer falta.

Se a vida sorriu para ti
não queiras que sorria para todos.
Pode ser que amanhã chore por ti.

Se serviu para ti
faze bom uso.
Não dês pérolas aos porcos.



Ah! Virgem estéril
que queres com teu cabaço?
Esta resistência de aço?
Não crias, não procrias
não enches o mundo
só te enches de ti.
Rompas a porta
e rujas até a morte.
Experimentai o jardim das delícias
libertai o id
e ide pelo mundo
abençoando homens
a qualquer hora
de portas e pernas abertas.

Não me venhas com vaidade
que um dia virá a idade
melhoridade, melhor a ida
que a vinda é com a vida
finda que o gozo é mais natural.
A consciência de seres pó
te deixas gastar até o pó.


"Ou isto ou aquilo":
Deixas de ser indecisa
se tu não mamares outra mamará.
Se não deres bem dado
corres o risco de perder o escondido.
Virgem ou não virgem?
Deixas disto: importante é gozar
abrir-se para o mar e molhar
e não ficar só, a olhar.

Há um gosto de poesia
em cada pronunciada palavra.
Um gesto de heresia
quando durmo em tua virilha,
eu, habitante só de tua ilha.
Ali parado, debico-me
em suaves lirismos
que derramo em teus lábios
e bebo o mel de teu corpo
inteiro, na inteireza
de teu doce enjambement.



quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O que fiz desta vida
meia boca meio oca
meia vida meio ferida.
Virei estepe nesta estepe
me estrepei, trepei
fodi e me fodi
afinal, na vida
tudo é na sua medida.

Aos críticos de caneta em punho,
dicionário e gramática na bolsa,
que fazem greve aos poetas
fora da academia:
as curvas da poesia
seduzem as linhas retas de seus escritos.
O dono do latifúndio só
é feliz no bordel
onde perde a linha e a coerência.

Poeta?

- Profissão? - Açougueiro.
- Seu melhor corte? Corto palavras,
peso verbos, desosso rimas:
O avental sujo de sangue
são das últimas palavras
mortas pelo meu cutelo.
Limpei as mão sujas
e o sangue é a prova
de minha experiência.
 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Sou um talibã literário
explodi uma dinamite verbal:
havia nela poesia.
Versos se estilhaçaram
e estilhaçaram janelas.
As rimas cortaram os rostos,
os hemistíquios separaram o peito;
assonâncias e aliterações feriram
com seus ásperos e arredondados gritos
o nome dado a mim no batismo.
Quebrei a velha pia de louça
e dei uma banana para
o sacerdote e meus pais
que encontrei no velho retrato.

Por que há pessoas feias, meu Deus?
Como gostaria de ser hipócrita,
dizer que as amo, que as admiro.
Mas só consigo olhar a bela morena
que acaba de subir no ônibus.
Abençoado pelo Cristo Redentor
de olhos ocultos pela neblina, 
como se num aparte
deixasse [eu] seu filho aqui na terra
devanear nas curvas daqueles lábios,
que imitam as ondas de um corpo
suado, sensual, moreno, naquele
brilho de ondas entre dentes.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

A tristeza de meu olhar
é longa e vaga meditação
em dores antigas, rancores, amores.
Remexo o baú das histórias e estórias
das que vivi e das que inventei
misturadas no liquidificador
do tempo; cortados e despedaçados
fatos reais ou fictícios pouco importam.
Todos estão colados a mim
e habitam as janelas de minhas retinas.
 

Sonhei que saltava de um trampolim:
ensaiei, saltei sobre a prancha
pulei de um ímpeto
e mergulhei com a cabeça
numa rocha pontiaguda.
Os palhaços riram da ingenuidade
de meu gesto imaturo.
Mas no trampolim da vida
muitas vezes se racha a cabeça
antes de encontrar-se com as ondas do mar.

A insanidade tem duas idades
a adolescência, falta de consciência;
a velhice, falta de crendice.
Nas duas idades enlouque-se.
Na primeira por ter muita vida
na última por ter a vida finda.

Esta é uma sala;
nao é de estar;
não tem TV nem sofá
tem cadeiras duras
e paredes sujas.
Projetos humanos
habitam a sala.
E te digo que se
eles não sonharem,
os tijolos destas paredes
sonharão por eles.
Sonharão que um dia
esta sala será habitada
por pessoas que saibam sonhar.
E esta sala voltará
a ser uma sala de aula.
 
A flor do jardim ao lado
poderia ser uma tela
na distante galeria de exposição.

A moça que rega a flor
poderia ser uma estrela de cinema
daquelas musas do preto e branco.

Mas ambas são reais
e como dói esta verdade.
Porque a flor sendo bela
não posso colhê-la,
e a moça do regador,
mesmo sendo verdadeira
não posso beijá-la.

A vida é uma flor dura
de pedra e sem cheiro.
Porque te feri, conheces estas pétalas
ásperas, cortantes, anti-românticas.
Das rosas vermelhas (o que te restou?)
apenas o sangue quente de tua face
ainda escorre maciamente.

Sala de aula

Sensibilize-se, descubra-se
as paredes são de tijolos
pura pedra atirada
contra os olhos atentos.
Insensíveis, esquálidas
rochas de pobreza ambulante
habitam a sala de aula.
Chão pobre, madeira velha, 
teto paupérrimo, tábuas podres.
Senti-me pobre, triste, isolado
diante do vazio quadro
verde sem esperança.


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O que cabe em um poema?
A triste saudade daqueles
que estão longe.

O que cabe em um poema?
A dor da recordação
daqueles que passaram.

O que cabe em um poema?
Você e eu misturados
em um único delírio.

O que cabe em um poema?
Vozes de personagens ausentes
que representam uma vida.

Mas o que não cabe em um poema
é a dor verdadeira, a saudade sentida
e os corpos de carne e osso suados na página.



Sob minha pele crescem raízes amargas;
as veias são vestígios de venenos antigos
dilaceram minha carne
e explodem na convulsão 
vidrada dos olhos
e da língua que serpenteia,
destilando sílabas ferinas.
Tubérculos venenosos incham
o coração que bate, bomba, bombardeia
com jatos sanguinolentos
a carne enferma de lembranças.
 

Precisei do silêncio
da paz, da solidão
que não havia em mim
para dialogar com as palavras.
Diplomata de caneta em punho
diante da dura resistência das palavras,
insistentes, afiadas, mas caladas, mudas,
indiferentes a meu apelo tátil.
Rebelei-me contra a gramática,
fui ditador, torci o sintagma de várias maneiras
para arrancar das palavras
o brilho que faltava à composição.
 
 

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O homem enforcou a criança
de dentro do seu coração.
Viveu anos de aporrinhação.
Chegou o velho com a pá,
desenterrou a criança morta,
jogou outra pá de terra
sobre o corpo do homem
e plantou uma flor amarela.

A morte não iguala - anula.
A equiparação humana
concentra-se na compreensão
mútua dos corpos que se arrastam.
Onde a terra entulha a boca dos homens,
na escuridão dos olhos cegos,
é fácil o tolo ser sábio
e o sábio ser tolo
ambos se ignoram
e são felizes em sua ignorância.

A pele de teu corpo cerzida
à minha pele colou
o sabor de teu sexo
a meu sexo e ali
ombreados no prazer
confundidas as peles
explodimos no gozo natural
dos seres humanos iguais.


Solidão de noites acompanhadas
em lençóis compartilhados.
Você à leste, eu à oeste.
Brumas de tecidos levantados
em paredes de solidão mútua.
Vozes incompreensíveis, murmúrios
lamentos calados, sufocados
pelo desinteresse recíproco em compartilhar
algo mais que o espaço do leito.

domingo, 7 de setembro de 2014

As pedras de tuas palavras
caíram sobre minha cabeça.
Escavaram em meu cérebro
profundo abismo.
Impunemente as palavras
cravaram seus punhais
lâminas agudas atravessaram
a medula, separaram minh' alma.
E hoje vago sombrio no nada
e o nada é o meu cosmos,
taciturno, fúnebre, ausente de tuas palavras.
 

Sinto que passaste pela porta do quarto,
presença de sombra e bronze.
Tecido de pele morena
que escorre entre meus dedos.
Fecho os olhos para que não amanheça
e sinta tua pele de areia
escorrer leito afora.
Brinco de deter o tempo.
Prendo-te enlaçando meus braços
em tua cintura de ampulheta,
mas descuido e abro os olhos.
Estático, surpreendo-me só com a sensação
de tua pele de sombra e bronze
a badalar em meus ouvidos.
 

 
Delírios lúgubres reservam teu colo de lira,
harpa de sonoros desejos de outrora.
Anseiam meus dedos ligeiros
tocar as cordas de teu amor.
Contorço-me ao teu redor,
serpenteando em suaves giros
pelas colunas alabastrinas de tuas pernas.
Enrolado ao teu corpo cravo as presas
em teu solenóglifo seio envenenado.
 Sinto o sangue congelar.
E de pedra passo a compor
teus contornos rígidos de estátua.
Eternizados neste gesto atemporal
sou Cacambo e tu és Lindóia
e o sangue na parede apenas
é memória de um poema antigo.



"Adeus: palavra que torna as pessoas
em insignificante passado.
Morte antecipada em seus festejos
para aqueles que partem.
Derradeira palavra colada a lábios
cheios de coragem audaciosa.
"Adeus": palavra libertadora para uns
cárcere escuro para outros.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Pelas fendas do ladrilho
brotam estranhas memórias.
Agarrando-se às minhas pernas
sobem estes ramos verdes;
cravam seus dentes de sombras
dilacerando minha carne.
Sinto o gosto de terra na boca,
as raízes vampirizam meu pescoço
e de meus olhos brotam
suaves orquídeas azuis.

As palavras mentem
inevitavelmente são mentirosas
em teus doces lábios.
Saboreio o tom das palavras
mastigo cada sílaba
como se devorasse tua língua de hidra.
Sei que teus olhos desmentem
o som da flauta ciciante
emitido por tua boca.
Mas, ineludivelmente fui traído
pelos arpejos de teu lirismo
e hoje me vejo à sombra do abismo.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Quando menino corria atrás de borboletas,
elas pousavam em mim; meus olhos
arregalados conheciam suas cores de leques abertos.
Dizem que as borboletas são almas,
almas das pessoas que dormem.
Um dia, outro menino veio correndo [...]
pisou em todas minhas borboletas.
Esse foi meu primeiro velório
e chorei as almas mortas das 
pessoas que dormiam sem poder acordar.

Não tenho assinatura.
Devo ser um homem muito banal.
Nunca coube a mim os fortes traços
geometrias de seres complexos
riscadas sobre os documentos.
Talvez por isso não fui engenheiro nem arquiteto,
restou-me a irregularidade das palavras,
os contornos imprecisos dos signos.
Provavelmente, vem daí o verso irregular
e o tom um pouco cambaleante dos significados.

O timbre de tua voz
era ouro derramado em meus ouvidos.
Eterno amanhecer em lençóis
da rotina-dia tão desprezada.
Hoje ponteiros metálicos perfuram meus ouvidos
irritadiços pelo duro golpe do despertador;
forte voz histérica presa à minha mente,
gritando como megeras que não posso 
chorar pelo ouro derramado.


Do teto de galhos secos
pendem flores amarelas.
Jatos de fosforescências
disparados da árvore de arame.
Imitação de borboletas mortas
expostas à alva solitária.
Paguei com meus olhos
os votos a esses seres de pétalas,
quadro de inspiração  divina
que rouba à imitação dos quadros
em sua formosa e indiferente originalidade.


O dia de muletas
reprovou a vida apressada,
o agitar das coisas,
os ônibus que expeliam gente
pelo escapamento fumacento.
Rotatórias de vinil
tocavam repetidamente
uma sinfonia de buzinas, freadas,
gritos e xingamentos, espalhando línguas de fogo.
A agulha enorme da vitrola quebrou
e as pessoas encapsuladas nos carros
congelaram eternamente na ausência sonora.
O anjo de alumínio estático o dia todo
desceu da caixa de madeira
dobrou seus pertences e partiu de bicicleta
gargalhando asas de pombos em revoadas.
 

terça-feira, 2 de setembro de 2014

A menina pedalou a bicicleta,
a coroa girou lentamente.
Senti a corrente de meus nervos
correrem pelos dentes da catraca
e girei meu ser ao sabor de seus pés,
rodando com ela pelas ruas.
Correia-corrente-catraca
e eu atado a esse sistema,
preso por vontade ao olhar raiado
dessa menina que pedala
feliz sem saber que [eu, roda] giro
aos seus pés feliz também,
colhendo pétalas roxas que caem
de seus olhos raiados de arco-íris.


Ali estava ela [a modelo]
doentia, magra, pálida,
esquelética, esquálida.
Desfilava ancas femurais
pela passarela ensandecida.
Flashes disparados, cliques,
quase radiografias da
beleza moderna se esvaindo.
Modelo de fome e abstinência,
privação para caber
entre colunas da capa
da próxima revista de moda.
Enfim, ainda somos românticos,
admiramos a forma cadavérica,
semi-morte que se exibe para nós,
enquanto lhe oferecemos uma rosa.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...