sábado, 26 de setembro de 2015

Dizem alguns
de meus versos
que são tristes.
Respondo
como me é habitual
que sou poeta,
se fosse palhaço
daria uma cambalhota
cairia no picadeiro
e o espectador inebriado
gargalharia um riso frouxo
desprendido da vida.
Mas sou poeta
e aferro-me à palavra muda
casmurra de todos os dias,
com a qual me alimento
e dou vazão à dor
nossa de todos os dias
AMÉM.

Porque me sinto estranho
tomo essa xícara de café
olhando o nada proporcionado
pela parede em branco na qual confio
as minhas primeiras horas do dia.
Flerto com uma janela imaginária
abro horizontes perfeitos
repletos de uma felicidade folhetinesca.
E diante desse horizonte branco
rabisco os projetos do que seria
minha vida se eu fosse outro
se não tivesse nascido em um 16 de abril
e não tivesse essa carteira de identidade
que me denuncia por onde passo.

O meu gosto por palavras complexas
se inaugurou com a palavra AMOR
com ela descobri os nós da vida.
Seduzido por esse fascínio
que me despertam os reveses
disse "eu te amo" e multipliquei
por mil a barreira da comunicação
entre os homens e as mulheres.
Descobri que o verbo exige ação
e indolente demais para herói
voltei à palavra AMOR
e contemplei sua beleza
e sua inexorabilidade
diante da volubilidade do homem.

Ah se soubesses
se tivesses certeza
se te admirasses
se rompesses
contigo este pacto
de ser tua, só tua
eu requereria para mim
um espaço na varanda
de teus braços,
veria o entardecer tranquilo
na ilusão dos casais apaixonados
mas apenas se soubesses
se tivesses certeza
que a menor varanda
é espaço suficiente para dois.

Durmo de olhos abertos
me é impossível o sono
o sono dos justos repousantes
desprovidos de alma.
Alguns dormem, sentem a lenta
modorra circundá-los
como a serpente esmaga
os ossos de suas presas.
Comprimidos pelo cansaço
se entregam à morte momentânea
ilusão da eternidade rota
pelo soar do despertador.
Quanto a mim, não vivo de ilusões
e durmo de olhos abertos
na angústia do dia que amanhecerá.

Caía a chuva sobre meu corpo
mas não podia lavá-lo de quem sou.
Sinto-a roçando os poros da pele
cavando pequenos poços no meu eu,
perfurando minha personalidade.
Quer batizar essa ausência de alma
esse trovão entre nuvens que relampejam
meus olhos derramados no horizonte.
Construí paredes fortes demais
para que a chuva pudesse romper
essa barreira de mim e desnudar-me
diante dos flashes do céu
que buscam o raio-x de mim
e só encontram a permanente tempestade
de nuvens negras em noites escuras.

domingo, 20 de setembro de 2015

Ah....aquele sentimento de poesia
tão nítido, tão claro, tão presente
seus contornos se fixam no meu coração
e ouço, tum, tum, tum, tum, tum....
do peito em festa, reverberando sons
enquanto o rosto sorri diante do mar.
Mas por que escapas-me agora entre os dedos,
se te vivi intensamente há alguns instantes?
Singularidade de ser poeta,
receber essa visitação a qualquer hora,
fora de hora e desfrutar desse momento único
irrepetível em suas graças e danças,
na qual as palavras são insuficientes
para esse enorme sentimento
que não cabe no peito, "nem na cama de amar"
e me leva a abandonar-me à poesia
essa voz estranha que me acompanha
e hoje me sussurrou pelas ondas do mar
"estou aqui, não permita que eu parta sem ti".

.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

não me abra os braços
abra-me as pernas
essas margens que
levam ao leito macio
e morno dessa maternidade
incestuosa que é toda mulher
essa cálida, morna
recompensa do penoso dia,
que se gesta no desejo
e falece no negro gozo
o corpo que me deu a vida
não é o mesmo que me dá a morte
assim, persigo e sigo nos mergulhos
entre as pernas
certo de que no gozo
que se escorre
nasço e morro
todas as noites
nesse balbucio cio.

Via crucis da inocência

A menina canta
em pé, no ônibus.
A menina canta
não percebe o calor
nem transita pelos olhares.
Com os fones de ouvido
a menina canta
crucificada na coluna,
agarrada às barras do coletivo
equilibra-se numa nau estranha.
A menina canta uma cantiga
quase muda, seus lábios
mexem ao som de uma melodia.
A menina canta despercebida
de sua marca de mulher
alheia à fenda que
lhe abrirão no corpo
que inaugurará seu abismo
e sua derrocada da cruz
onde canta feliz, crucificada
às barras do coletivo.
E o Cristo, do alto do Corcovado,
nem espreita, alheio à marca
de mulher que começa a se desenhar
nessa via crucis da inocência
que se equilibra em um coletivo
a 60km nas ruas de Botafogo.

sábado, 12 de setembro de 2015

Tertúlia a dois

Compuseram à luz da lua
versos estranhos e abusados
comovidos pelo álcool.
Pela embriaguez dos olhares
os versos volatilizaram o ambiente
e deram ao céu e às estrelas
um véu nupcial tendo a lua
por abajur de uma cena pintada
no calçadão, de madrugada,
entre dois boêmios abalados
pelas doses de conhaque.
Bêbados, com os cotovelos
no centro da mesa circular,
encontraram o tênue equilíbrio
que os casais necessitam
e ali, de braços entrecruzados,
perceberam que nem a última
dose no fundo do copo
poderia separá-los naquele momento. 

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Ah... as letras, as palavras...
com elas discorri sobre a vida,
mas não soube computar os erros,
as falhas de cálculos nos projetos
tão certos da juventude.
Muitos se revelaram fora da escala.
Nunca fui bom em cálculos,
mas como matemático obsessivo
calculei os erros, as perdas, as dores
e percebi que minha conta está no vermelho.
Não fui bom vendedor, meu caixa zerou,
os cobradores vieram, não tive como pagá-los.
Ainda calculo os erros e tento fechar uma conta
que não compreendo bem.
Sinto-me como criança, que desmonta o brinquedo
tão desejado que ganhou e ao montá-lo
algumas peças sobraram e agora não se encaixam.
A vida se mostrou uma Letra que não tenho
como saldar nessa balança em déficit do destino.




Ah Alegria....
onde te escondeste?
Palavra de dicionário
verbete oculto,
lenda da infância.
Por ti, Alegria,
muitas pessoas
foram infelizes;
de te buscar
se perderam em lágrimas,
em decepções sem fim.
Por ti, Alegria,
muitos separaram,
outros casaram,
alguns tiveram filhos,
outros adotaram,
na ilusão de te encontrar.
Mas sempre sorrateira
escapas, Alegria, aos planos
de te prenderem.
Por ti, Alegria alegre,
muitos deprimiram
outros se mataram
por ti, Alegria,
por não te encontrar
no frágil horizonte
dos amanheceres.

Volto aos fragmentos para casa
peso o peso do dia na balança
de uma mente atenta aos alaridos
ocultos no negro silêncio da noite.
Ando de cabeça baixa, mãos soltas
como se calculasse os passos 
no jogo de ladrilhos da calçada.
Medo da solidão? Do quarto gelado?
Apenas a certeza do vazio anunciado.
o céu ou o inferno do jogo da amarelinha
Volto no dois/um à infância mentalmente
nesse jogo solitário de ser alguém
que não sou para preservar meu eu
sempre intacto da estranheza do mundo.
No fundo ainda sou criança, as cãs
disfarçam o apelo constante da fantasia
e vivo nesse mundo disfarçando no velho
a criança que ainda sonha com o abraço
apertado de uns pais ideais que nunca tive.


segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Porque hoje é feriado
não se lê poesia
tira folga a fantasia
e não se pensa em palavras!!
Porque é feriado 
se ausentou a poesia,
a minha amiga alegria
partiu e eu fiquei só
esperando o feriado terminar
e a poesia voltar!
Porque hoje é feriado
não se lê poesia
nem se vive de fantasia.
Viva a história do Brasil.

domingo, 6 de setembro de 2015

Sempre a vida nesse meio tom
aquele temor do vazio
aquela desilusão após o coito
aquela dor após o gozo
aquela obrigatoriedade do amor
aquela incerteza da morte
aquela incerteza do após a morte.
Sempre o medo: da solidão
do Outro, de nós mesmos,
o medo de mudar, de se arrepender.
E essa vida que passa, que se arrasta
em direção ao nada, ao vazio.
A certeza que a morte finda a vida,
a incerteza do tempo da eternidade.
A vida é esse copo pela metade
é esse copo que só se esvazia
e escorre em direção do nada.
Vivemos esse eterno ensaio de voo
que nunca alcança as alturas
em que o bater de asas é um mero
grito de agonias caladas
desse tempo que chamamos vida.




sábado, 5 de setembro de 2015

Circe

Bebi as palavras melífluas que da tua boca
destilavam em cada doce sílaba
a promessa de um azul celeste encantador.
Cedi a cada dose, a cada promessa de cálice
que nunca terminava de derramar
em meus lábios a flor macia hiante
marcada a ferro de escravo em meu desejo.
Sedento de um líquido que me soava à vida
converti-me em teu animal de estimação.
Afável a teus caprichos e desdéns 
comia as bolotas parcamente que
escorriam de teus dedos de cera branca.
Mas um dia, despertei do sonho e quando
pensava que em ti cravava a espada da vingança
percebi-me em teu leito e aquilo que tanto 
negaste à força do teu volúvel caráter
cedeste, de repente, por vontade e leviandade
deixando a mim a porta do chiqueiro aberta
para que partisse ou ficasse e por vontade
me prendi mais um ano a esse leito de compensações.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Estou fragmentado
há uma estranha incoerência
entre minhas partes.
O desajuste é a forma externa
dos cacos que perambulam
mostrando as formas de mim.
Dou apertos de mãos
beijos suaves nos rostos
e meus cacos vão cortando
os que ousam aproximar-se.
Preciso de uma pá:
recolham-me da insensatez
que é viver esta vida aos pedaços. 

Aprendi a olhar com as palavras
exercício cego de quem constrói
mundos tateando de cabeça baixa
para quem a frequência da vida
é insuficiente para viver todos os dias.
Ausentei-me do mundo dos outros
editei minhas árvores, desenhei minhas flores,
arquitetei minha fantasia numa sintaxe frouxa
sem horários, sem regras, sem patrões.
Nesse mundo de palavras anoiteço quando quero
sem ter a obrigação de amanhecer todos os dias.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Não me envergonho mais das palavras
elas saem despudoradas de mim
e se atiram contra o papel
essa materialidade na qual insisto
em esculpir essas formas verbais
semelhantes à poesia na vibração
do tempo eterno das repetições.
Repito a palavra incansavelmente
até convencer-me de que é poesia
até que as articulações gaguejem 
um som primitivo, grunhido sagrado,
totem de mim e tabu para os outros.
Assim, dispo as palavras nesse incesto
de pai amoroso, devorante do verbo
parido no sofrimento da própria carne.

Para quem ama o dia
a noite tem véus de viúva
que pranteia estrelas
até o doce amanhecer.
O consolo solitário da lua
persiste até o nascer do sol;
novo dia, novo amor
fantasia renovada dos
crentes do amor e da loucura.


Uma lágrima caiu
não é de homem nem de mulher
é salgada como todas as lágrimas
é uma gota salgada
que despencou do alto de um corpo
era uma lágrima humana,
por incrível que pareça,
tão transparente no voo solitário
rumo ao chão desfeito das expectativas
que desconfiei de sua autenticidade
e não tive dó nem pena daquele
ensaio de humanidade contida.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...