domingo, 30 de novembro de 2014

Maldita G. H. ! Por tua causa
sinto roçar sorrateiramente meu esôfago
em pernas ligeiras e insensatas.
Não tive a sorte da vertigem
e na minha boca há mais 
do que a gordura branca
ainda mastigo a casca
dura de quitina
como se rompesse 
o amendoim em casca.
 


Pegado a teu corpo havia uma explosão
de flores; cuidei desse jardim
certo de que cultivava os perfumes de
meu velório em coroas de flores esparramadas.

sábado, 29 de novembro de 2014

Companhias Invisíveis

Há uma hora secreta do dia
 em que as solidões apertam o passo
rumores de morte rodeiam a casa
vozes antigas ressoam pelos cômodos.
Uma boca negra entoa cantigas fúnebres
nos quartos vazios, embalando um ataúde
de outras épocas; nos caibros do teto
há mais que picumãs pendurados
e todos os dias o mesmo corpo se pendura.
Ouve-se apenas o baque, a pancada
dessas companhias invisíveis.


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

De quem são esses corpos estranhos
estendidos lado a lado
separados pelo gozo pessoal
intransferível, incabível nos dois.
Os peitos ainda ofegantes
na sem-razão do coito
estirados paralelamente nos sonhos
individuais têm as vozes caladas e
os olhares fixos no teto da alcova.
O instante singular divorciou os corpos
separou as mãos, marcou o início do fim
antecipou as despedidas, acenou com seus adeuses.

Passei a vida mendigando à perfeição
desprezando as coisas imperfeitas.
Não percebia que no inacabado,
na incompletude, nas lacunas
é que havia espaço para mim.
O perfeito não se afeiçoava a meus gestos
enquanto às imperfeições eu era um ímã
que atraía meus iguais, meus irmãos
do eterno inacabamento da humanidade.
Nessa comunhão estranha e fraterna
descobri que o amor vive na incompletude.


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Crentes do amor

Os devotos do amor
vivem o cilício da carne.
Em lábios trementes
ruminam orações de apelo.
Sofrem das desilusões eternas
bebem o cálice das lágrimas
satisfeitos de sua mágoa.
Em incessantes aleluias
alçam vozes de clamor
felizes da dor
que proporciona o amor.

Sonora voz do tempo
sinto que me encarna
em possessões estranhas
giros místicos me assombram
tenho visões cíclicas das 
 jornadas noturnas dos derradeiros
dias do sangue de Abel
aspergido sobre a terra.
Sonho com dias vermelhos
e meu corpo semi-vivo
é banhado por mares de cadáveres.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Porque no poema estou nu
o olvido já não existe
e o pior de mim está nas palavras.
As máscaras giraram pelo piso,
inscrevi minha face na página
estampando-a contra o muro branco
sem contornos nem disfarces
fui despido de mim diante de todos.

As árvores não precisam de motivos para viver.
A sombra de suas copas prescinde 
dos homens para sua plena existência.
Verdes ramos, folhas verdejantes
musgo e casca espelham esta força
frondosa e arcaica.
Vigilantes do tempo, silenciosas
noturnas, as árvores formam
bosques de imaginção e fantasia.
Gerações definharam ao pé de suas raízes
e outras surgiram na primavera das estações.
E elas ali, inexoráveis em dureza,
madeira de lei, nobres prestando
vassalagem aos ventos, sofrem
a maleabilidade volúvel dos homens.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Não perderei tempo na banal descrição de mim.
Não suportaria a redução em palavras,
ser limitado a vocábulos de dicionário
explicado entre dez ou doze acepções
de um vergonhoso verbete de estante.

Deconfio de todas as prescrições e manuais,
restringem o uso, impõem regras idiotas
dão quatro ou cinco maneiras de como amar
e fórmulas exatas do bem viver.

Lancem fora os dicionários, os verbetes,
os manuais, as terminologias, os perfis,
toda forma de limitação do eu e suas
justificativas de bons moços e perfeitas esposas.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Fim de tarde

A manga do sol me seduziu,
seu amarelo-rosa umedeceu meus lábios.
Alcancei a pedra da lua e atirei contra o sol
pendurado na enorme mangueira do céu.
Sorvi o amarelo de sua polpa
estrelando-a contra o céu escuro de minha boca.
Fechei os olhos e senti arrebentar estrelas
na caverna sombria de meu ser.


 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Não quero mais saber do mundo
ele está triste e eu sem palavras,
elas se esvaíram para um vazio em mim.
Em algum momento perdi a mão
e lidar com as pessoas me é penoso.
As pessoas também são tristes,
cabisbaixas e mudas caminham
lado a lado, ignorando-se mutuamente.
Sinto-me só, se as palavras ao menos não
fugissem ao meu apelo, seria mais conformado.

 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Recordações da infância

Eu que vivo destas liberdades feitas de palavras
careço de longas meditações e fantasias
para desfazer os nós das prisões diárias.
Com as palavras vivo meu sertão
porteiras abertas, odor de terra molhada
sol e chuva, chuva e sol dos ditados populares.
Saudade das épocas inocentes de
buscar São Jorge na lua e contar
carneirinhos na nuvens brancas esparramadas
pelo pasto azul do céu sem limites.
Ali as horas não tinham importância
e sorvia o enorme algodão doce das nuvens.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Manhã de novembro

O sol com seu halo de luminosidade
bocejou o dia inaugurando a manhã.
Os hibiscos soltaram suas saias vermelhas
dançando ao rumorejar da brisa.
O dia com sua magia e seus fados
expeliu o homem da cama ao som
de um sonoro bem-te-vi agitado.
Paradoxalmente, o começo de mais um dia
desconta do calendário um dia a mais
no roteiro desse reflexos primaveris
de que se compõem as horas da existência humana.


Fui denunciado pelas palavras
reconheceram-me nelas
inevitavelmente todas têm minha face.
Não posso esconder-me atrás dos vocábulos,
que insistem em desmascarar meu rosto.
No contorno das palavras há um
"procura-se o autor", ele é culpado
das declarações que emanam dos signos.
Sou homem verbo, réu permanente,
responsável pelos sons articulados
que na minha boca são discursos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A Manoel de Barros

No limite das horas
todos transcendem
a fronteira do eu.
Corpo fechado
encruzilhada aberta.
Pastos amansados
por bois sem asas.
Passar o limiar,
chegar à terceira margem
é remar com asas de borboletas
no remanso do infinito.


Pulei o muro de minhas ilusões.
Dói encontrar um mundo fora do meu corpo.
Tenho a impressão de não ser convidado,
há pessoas iguais a mim, mas se negam a me olhar
viajam por suas quimeras mundocentricamente fechadas em si.
As pernas carregam pesos inertes
prendem cabeças ocas ao chão da realidade.
Se não fossem esses pés calejados, muitos vagariam sem rumo
presos às muralhas da solidão.
Arrependi-me de ter pulado o muro
quero voltar ao aconchego do meu eu,
a essa solidão carinhosa e só minha.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Toda mulher tem seus dias de raposa:
renegada em seus brios despreza
as uvas mais belas das vinhas de Salomão.

Mas tem seus dias de enredadeira;
girando em dedos ágeis os bilros
tece a rede de zelosos cuidados.

Aranha negra, audaciosa, viúva de 
teias incandescentes ja foi luz e treva
para muitos machos no cio desavisados.

Hoje em que repousa na idade
chora em túmulos vários, em cemitérios desertos,
tanto as uvas pretensamente desprezadas
quanto os homens a quem serviu de últimas vestes.




Sonho

Uma boca rubra e desdentada
anuncia em meus ouvidos dias de morte
sapos despedaçados, borboletas arrebentadas
sopros de mau-agouro percorriam a floresta
de meus desejos libidinosos e desacertados.
E um anjo de boca negra sorria com
toda sua terra anunciando trevas.

Há um som de guitarra espanhola
na caixa de ressonância de meu crânio,
nota dissonante, som vadio
de errâncias ciganas
dedilhadas no baralho das previsões.
Esse som reboa em meu peito
como um cavalo a galope
rumo ao abismo das sensações
do chacoalhar em crises
das cadeiras em convulsão
agitadas pelo "taconeo" de um flamenco rubro
 em noite enluarada.

A Dalton Trevisan

Fetiche de João
é Maria de quatro
limpando o chão.


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Estou cercado de andaimes
não sei quem me fez assim
interminável construção
a ruir no pó que restará da vida.
Sempre fora do prumo
parede torta a ser demolida
e levantada insistentemente.
Régua, nível, ferragens, colunas
esforços vãos para recompor a parede
que me cercará para sempre do mundo.
Parede torta, fadada a rachaduras.
Sinto minhas veias romperem o reboco
expondo cruamente minhas entranhas
a esse estranho mundo sem razão.


domingo, 9 de novembro de 2014

"Não só de pão viverá o homem"
mas de toda pedra atirada
no telhado, nas vistas, na janela.
A pedra no sapato, a pedra de tropeço,
a pedra de sal e a  pedra de açúcar.
A pedra que te arrebenta o dedo
e estilhaça teu peito.
A pedra convertida em pedrada
atirada pelas mãos do manifestante
a pedra atirada por Davi na cabeça de Golias
a Pedra de Sol em seus ritmos
cabalísticos de tons finais.
A pedra angular, a pedra de Pedro
a pedra fundadora, a pedra sabão
de Aleijadinho e seus anjos barrocos.
Enfim, a última pedra que ainda não foi lançada
mas pode atingir tua cabeça.

 

sábado, 8 de novembro de 2014

Amor: sentimento único, 
intraduzível em palavras.
Os vocábulos assassinam o instante
embaçam o brilho do idílio.
O poder viperino das palavras
envenena o objeto vivo.
Amor não carece de verbos,
mas, em sua insanidade, as pesssoas
evocam em cultos as palavras
sem saber que ali sacrificam o Amor.
O Amor é para iniciados, é uma aporia.
Unicorniano, o Amor, não se seduz com palavras
emprestadas a antigas estórias.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Virgem, te quero nua,
despida, atrás do altar.
Desde a infância te desnudava
das formas retas e angulares
na busca das curvas sinuosas
cheias de vida cobertas pelo manto.
Ali germinavam prazeres esquecidos
carentes de mãos ágeis que a ti, oh Virgem,
libertassem da prisão do andor.
Se pudesse despregava teus pés do altar
para vê-la descer até mim,
abandonando as nuvens e os anjos boquiabertos
por vê-la andar pelas ruas de mãos entrelaçadas
com aquele que tanto a adorou em seus dias.
Eis o rebento da família!
O filho pródigo em todos os contornos:
a lascívia no olhar, o sangue nas mãos.
Porém, não lhe farei festas nem assarei cordeiros,
cobrarei a fortuna que gastou displicente.
À noite haverá festa e o filho pródigo
será o rapsodo de suas prodigalidades
em versos melódicos e plangentes de
suas aventuras e decepções.


quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Sinto-me estéril
há um verso agarrado às minhas entranhas
que resiste à mascara da palavra
e se nega a habitar o espaço branco da página.


Por que me descobri em você
conheci a dor da solidão.
Antes era só e tinha plena comunhão comigo.
Taciturno, a ausência de vozes me acompanhava.
Hoje ouço o som da minha voz no vazio.
Uma irritante ladainha de faltas
desfia o rosário de dores infinitas.
Fiz-me religioso, passo a noite em vigílias
ciumento da adoração que outros lhe possam votar.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Despenquei do retrato
como é estranho pisar no mundo.
Antes apenas era olhado e admirado
agora sou olhado e criticado.
Devolvam-me ao retrato
voltem-me para o tempo inerte
nas águas paradas do poço da memória.
Pendurem-me de volta na parede
deixem-me esquecido no canto sem luz
não sei viver fora do retrato
daquela imagem distante e perfeita que fizeram de mim.

É estranho, mas não posso fugir de mim
nasci para este corpo e sou refém dele,
de suas limitações, de suas sugestões,
nada posso impedir na sua forma de atuar.

Esse olhar é a janela pela qual 
espreito o mundo lá fora .

Com esse corpo me apresento para a vida.

Encarcerado em suas entranhas
submeto-me aos desejos mais vis
satisfeitos por essa carcaça ambulante.

Sei que um dia serei livre,
só espero que essa massa de carne e osso
não tenha me sujado demais em vida.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Timidez

As palavras ardiam em minha boca
sentia queimar os lábios e a vermelhidão
subiu a meu rosto como uma tocha incandescente.
Fugi com os olhos em direção ao chão
e senti um cheiro de terra molhada recendente
da chuva que caía dos meus olhos.
 

domingo, 2 de novembro de 2014

Espera

Brilhou no rastro da noite
um véu de estrelas arrastado pela via-láctea.
A noite, noiva insone, chegou adornada
pronta para a vigília das horas.
Aguardou o noivo, chorou estrelas e
orvalhou a grama para a manhã.
Em vão esperou o amado;ligou
o abajur da lua para iluminar o céu escuro.
Sentiu frio e se cobriu com o manto da aurora
rósea suspensa pelos pássaros em revoada.
Quando o sol, noivo tardio, chegou para aquecer a noite
ela havia partido cansada do longo velar noturno.


Dia dos ausentes

A Morte desmarcou as visitas e
recebeu as pessoas em sua casa.
Um dia por ano ela não se sente indesejada
recebe a todos de braços abertos
na visita provisória de suas eternas casas.
Para a Morte é dia de festa
veste sua melhor mortalha negra
e apresenta as acomodações das futuras alcovas.


sábado, 1 de novembro de 2014

Desperdício das horas

Sinto meus dias escorrerem
pela torneira do tempo.
Gota a gota encho a taça das lágrimas
extrapolo a conta das consequências
pago a multa do absurdo da vida.
Há tempos tento fechar o registro,
mas espanado ignora meus apelos
e nas noites insones do verão
ouço a vida escorrer a conta-gotas.

Lirismo de fim de noite

Para quem tem os olhos da poesia
todo cotidiano é belo em sua banalidade.

Emergem das sarjetas altares
e odes são cantadas no lirismo frouxo
pelo coral embriagado que se apresenta
no inusitado das horas mal-dormidas.

A serenata incerta, desritmada
tocada pelo quarteto de grilos violinistas
é brindada por uma anônima Janis Joplin de toillete
a fechar a cortina da noite com o último frevo rouco da manhã.


Congresso Internacional da Solidão

O mundo deu um abraço vazio e solitário
todos emudeceram no frio gélido
deste compartilhar inseguro e isolado.
Todos sentiram a mesma solidão
e alheados do mundo encegueceram
diante de rostos vazios e mudos.
Uma planta espinhenta brotou
em cada desértico peito, bradando
o desamor semeado por décadas
e do centro do cacto todos viram brotar
a flor do sorriso amarelo da cumplicidade
humana em prol da solidão.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...