sábado, 3 de setembro de 2016

Devolvam minha Olivetti!

A tecnologia é uma maravilha. Achamos tudo no google, o maldito até tenta antecipar e facilitar nossa busca. Mapas enormes como encartes de revista, grandes enciclopédias vermelhas na estante, dicionários grossos, nada disso se faz necessário mais. Uma máquina com alguns terabites de memória, uma conexão rápida com a internet e como diziam no antigo "Casseta e Planeta: seus problemas acabaram! Será?!
E toda essa tecnologia migrou para os Iphones, para os Smartphones e por aí vai. Mas, nasci em uma época que nada disso existia. Ainda tenho escondido e até com uma certa vergonha um diploma do curso de datilografia que fiz quando era pré-adolescente em uma escola pública. Na cidade havia dois lugares que ofereciam esse curso: a sede social da igreja católica e a escola onde estudei. Na época, as máquinas já eram antigas e minha professora suspirava pelas máquinas de datilografar elétricas, que não chegavam e acredito nunca chegaram para suas tão dedicadas aulas.

Parávamos o tectectec incessante dos dedos para corrigir os erros, passávamos errorex e soprávamos para voltar ao ruído infernal de 20 alunos datilografando, cada um mais rápido que o outro. Incrível como o ser humano disputa nas menores coisas. Mas, o sonho era mais tarde prestar o concurso para escrevente do fórum e para isso tínhamos de ser velozes. Em uma cidade pequena ser um homem da lei, mesmo que atrás de uma modesta Olivetti, era subir na vida e ter um certo respeito. Além disso, imaginava-me diante do juiz anotando o depoimento de um bandido perigoso.

Em seguida, as máquinas foram aposentadas e surgiu o computador de mesa. A primeira escola de Informática da cidade oferecia o curso de MsDOS e todos nós olhávamos cobiçosos para os 486. Na época meu irmão ganhou um curso desses e foi fazer. Ele já trabalhava em um escritório e eu morria de curiosidade de ver meu irmão digitando num bicho daqueles, achava-o até importante quando pegava sua barraforte  vermelha e rumava para o curso da Microcamp.

De repente, entrei na faculdade de Letras e um professor pediu um trabalho: digitado. Nunca havia usado um computador, vira na mesa de pessoas ricas e de escolas de informática, mas o dinheiro não dava para fazer o curso. Meu irmão mesmo não pôde avançar porque a escola dava a bolsa apenas para o nível inciante. Para sorte minha, um japonês chamado Marcelino levou-me ao laboratório de informática e me explicou que DOS não existia mais, que as máquinas iniciavam normalmente e que o trabalho se digitava em WORD. Com a aula de uma hora uso o computador até hoje. Perdi muitos trabalhos no começo, errei muito, fiquei vermelho, irritado, chorei diante da tela, até que tornei-me um usuário mediano das tecnologias da Microsoft.

No entanto, aceleremos os fatos. Não tive os primeiros tijolos que chamavam celular e mais pareciam um carrinho à flexão, não tive ICq porque não tinha computador, fui ter tardiamente Messenger e que sinceramente acho ainda hoje melhor que o Skype, mas o finado se foi. Agora Inês é morta e, sinceramente, depois do Whatsapp nunca mais acessei o skype ou o messenger do facebook.

Porém, para quem vivia de errorex de pincelzinho para economizar e não comprava o corretor de fita que era mais caro, evoluí bastante. Os problemas, entretanto, só se tornam mais complexos. Não preciso mais de um corretor líquido e falo a verdade, menos ainda do corretor do google. Haja ignorância desse maldito.

Quem nunca se irou diante de uma mensagem que enviou e ao olhar a tela o intrometido mudou a digitação porque achava que você estava errado? Uma máquina querendo corrigir meu cérebro, para mim isso é demais. Digito três, quatro vezes a mesma palavra para que ele entenda que quem manda sou eu. Não quero sugestões de ortografia ou substantivos malucos que ele insiste em digitar no meu lugar.

Os problemas aumentam quando conjugamos os verbos. O corretor do google é burro para verbos, seu vocabulário é limitado e irritantemente coloquial. Será que é um corretor feito para a América Latina e calcularam um número de palavras bem abaixo de um estudante médio? Preconceitos do senhor Bill Gates.

A tecnologia nos fez esquizofrênicos. Brigamos com a tela do computador, com o teclado do Whatsapp, temos medo de acessar o WiFi do barzinho, porque ele vai denunciar no facebook onde estamos e ao final da noite haverá mil curtidas sobre nossa mísera vida pública. Acessamos um mapa e ele quer a nossa permissão para usar a localização atual. E onde fica nossa rebeldia? O direito de dizer nem minha mãe sabe onde estou? Brigamos com o GPS, chamamos ele de burro, discutimos com a voz de uma mulher que nunca vimos. Antes era mais fácil, brigávamos com a esposa e depois de 100 km na direção errada e emburrados admitíamos nosso fracasso e parávamos em um posto de gasolina, humilhados pela inteligência feminina.

Só tenho algo a dizer: que saudades de minha professora de datilografia e de uma época em que ser feliz era ter um cargo de escrevente no fórum da cidade. Por favor, desliguem o WiFi e devolvam minha Olivetti.


  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...