O que é uma lata de Coca Cola? Pergunto-me às 12h52min aqui na França? Penso em levá-la comigo, guardar mais que na memória o momento e colocá-la na bagagem de volta daqui a um ano. Mas, o que levaria comigo? O momento e o sentimento que envolvem a lata de Coca Cola teriam ficado para trás, nada mais diriam da sexta-feira chuvosa e fria que ainda é e que no futuro já terá sido esquecida. Não só ela, o sentimento do momento, do despertar que uma simples lata de Coca Cola pode produzir em nós.
Olho para a lata de Coca Cola. Há a estampa de dois jogadores da Seleção Francesa de Futebol. Embora seja novembro, ainda é o ano da Copa do Mundo e os franceses não se cansam de lembrar disso nas bandeiras que ficaram esquecidas nas janelas das casas, nos parapeitos, nas propagandas velhas que ainda não foram substituídas, nas figuras de um Mbappé sorridente que insiste em mostrar ao mundo os "Bleus". E agora, na lata de Coca Cola, ele está a me olhar, enquanto eu como um "Rosette", nada mais do que pão com salame.
Penso comigo: a camiseta poderia ser amarela, poderia ser a seleção brasileira ali registrada na lata. Não é. A seleção francesa ocupa a estampa. Novamente ficamos para trás. Assim, não levo comigo a lata, guardo-a na minha memória. Há objetos que ficam sem sentido fora do local que foram produzidos, eles devem guardar seu espaço, sua origem e essa lata é francesa, pertence ao sentimento de vitória da Copa do Mundo e na minha estante, ela lembraria apenas a derrota, a minha derrota, que ainda eu vivia em felicidade naquela tarde, e a saída do Brasil do torneio, diante uma Bélgica muito mais animada.
O sorriso de Mbappé vai crescendo, enchendo a sala, engolindo-me em sua alegria de menino que ganhou um novo brinquedo. Deixo-me estar ali sentado, mastigando e olhando aquela lata como um troféu sobre a mesa. Vejo como essa lata tem sentido aqui na França, como ela é nacional, como ela veste as cores da seleção Francesa e sinto-me um pouco participante desta alegria, deste sorriso que insiste em me contagiar.
Não, a lata de Coca Cola não poderia correr o risco de parar em uma cooperativa de material reciclável no Brasil. Ela tem de ficar aqui. Ser enterrada no local que nasceu, ser recriada, vestir novas roupas, ser uma Coca Cola cheia de novo, esperando novos lábios a beijá-la. Por isso, não posso levar esta lata comigo, aqui é a casa dela e fica tão bonita vê-la assim como um troféu, que não ouso ultrajar sua nacionalidade. Não imponho a ela o exílio.
Desisto de levá-la. Procuro a lata de lixo mais próxima e com certo cuidado a deposito no fundo do cesto, como se enterrasse a um ente querido ou a um amigo. Antes, porém, fotografo a lata em suas cores vermelhas tão conhecidas de todos os consumidores. Registro o momento para alguma necessidade que ainda desconfio não saber exatamente qual é.
É só uma lata, eu sei. Mas, o sentimento que me invade agora não é compartilhável, é único, íntimo. É meu momento de estrangeiro, de estudante, de profissional em licença para um Pós-Doutorado na França. Sinto-me um pouco Mbappé. Sem o sorriso dele, é claro. Não ganhei a Copa do Mundo, não recebi um troféu, não fiz a viagem sob os fogos da alegria dos vencedores. No entanto, estou aqui e este sentimento de irmandade com um Mbappé de lata, sorridente e menino é que me dá esperança de que o mundo é possível.
Recupero rapidamente a lata. Empunho-a como um jogador que venceu a Copa do Mundo e nessa contemplação também sou um pouco Mbappé, também sou um pouco vencedor e deixo que seu sorriso ilumine uma vez mais a sala nesta tarde chuvosa que nos avisa do inverno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário