Para que servem as moedas? Compras? Pagamentos de bilhetes de tramway? Esmolas? Comprar balas ou chicletes na cantina? Tomar aquele expresso de 0,80 cents de euros? Se tiver 1 euro, e com sorte, pode encontrar 300 gramas de chocolate ao leite no supermercado. Comprar pirulitos ou aquela baguetinha básica que os franceses adoram. Se comprar para assar em casa, pode levar duas e ainda te sobram 15 cents. Ah... temos também as moedas de 2 euros, elas compram mais coisas, mas deixem-nas por ora. As moedas servem para muitas coisas, além, é claro, de acabar com os moedeiros de nossas carteiras e entulhar os cantos dos armários com aquelas que são esquecidas às pressas ao se tirar as calças.
Interessa-me, porém, outra questão. Por onde passam as moedas? Quem as pegou antes de mim? Por onde andaram? Por quais bolsos passaram? Quais as mãos sustiveram aquela moeda entre os dedos? Brincaram com elas, olharam-na ou simplesmente no gesto mecânico pagaram algo? Gosto de imaginar que as moedas viajam. Há alguns anos um amigo me deu 1 euro no Brasil e disse: para dar sorte, para quando fores à Europa. Achei bobagem e guardei no porta-canetas, sempre à minha vista, aquela moeda sem valor real naquele momento. Eu a perdi, no entanto, cheguei à França.
Por que há pessoas que guardam moedas? Afeiçoam-se tanto a elas? Sempre que vou a museus, vejo coleções de particulares de moedas. Algumas com mais de duzentos anos e penso: nossa, elas viram muita gente nascer e muita gente morrer. Viram políticos ascenderem e com a mesma velocidade caírem; derrubaram alguns políticos também e foram trocadas por outras de maior valor.
As moedas nos cercam todos os dias. São valores menores, não são sonhadas, poucos ainda têm aquele porquinho rosa de cofre para deixar as economias. Nunca tive um porco, mas já tive uma lata. Nas épocas gordas do real, juntei quase 100 reais em alguns meses e paguei todos os pedágios e cafés de uma viagem que eu havia feito. Antes troquei as pobres numa padaria, o dono ficou super feliz com o troco para a semana. Vejam, as moedas nunca são valorizadas, sempre estão de passagem, são dadas como trocos, estão longe do glamour dos cheques especiais ou dos cartões de créditos internacionais.
Ninguém se arrisca por uma moeda. Se ela caí ao atravessar a faixa de pedestres, deixamos-na ali. Porém, presenciei quase mortes, nas faixas de pedestres de São Paulo, de garotos que deixaram seus bonés voarem da cabeça, pessoas derrubando seus celulares ou moças as suas bolsas. Mas, por uma moeda, quem se atira ao desconhecido do além?
Moedas são seres resistentes como as baratas. Habitam cantos escondidos das casas, brechas de móveis, pés de cama, cantos de armários, bolsos de calças e casacos e ficam ali quietinhas, imunes ao tempo, sempre sendo moedas à espera de que novamente dedos as toquem e as coloquem em circulação. Moedas são seres silenciosos, até valem alguma coisa, até pagam pequenas contas, mas estão longe de serem desejadas.
As moedas são andarilhas. Passam pelas mãos dos mendigos, de pedintes, que jamais te pedem 5 ou 10 euros para comer. Mas, uma "monnaie", "une pièce pour manger". E, no final das contas, as moedas vão alimentando muita gente ao longo do dia. Aqui na França dá até para aquela cervejinha e uma baguete em um dia mais generoso nos corações humanos. As moedas são andarilhas, dormem debaixo dos bancos e das árvores e um belo dia habitam nossas casas, nossas latas e moedeiros à espera de outras mãos, de outras carícias, de outros dedos. As moedas são promíscuas por natureza, se vendem fácil e se desapegam fácil também.
Para mim, as moedas são os seres mais solidários do mundo. Elas habitam as mãos dos mendigos, seus chapéus, latas, garrafas, ocupam as caixinhas de ofertas das igrejas, estão nos bolsos dos bêbados para tomar aquele "esquenta peito", para beber aquele "querosene" e nos salvam ao final do dia, quando desesperados batemos as mãos nos bolsos e achamos aquele metal para pagar a volta para casa. Nunca agradecemos as moedas, talvez nem as olhemos, a não ser para sua cifra, mas quem se atenta à sua arte, suas musas e animais em extinção esquecidos em alto relevo em uma de suas faces?
Uma moeda é um valor de mercado. Compramos moedas estrangeiras para viagem, mas recebemos as notas de papel. As moedas estão por aí, à espera de uma mão, de alguns dedos e de mais uma viagem pelos cantos das cidades e dos países do mundo. Elas não precisam de malas, estão nas carteiras, nos bolsos e nas bolsas. Uma moeda sempre viaja e raramente é declarada como um valor trazido na bagagem, uma moeda é um imigrante capaz de habitar os cantos mais desconhecidos da humanidade.
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