segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Tempo de orações



Eu hoje me calo porque as orações são mudas.
O tempo das imprecações cessou
e só resta o triste e doloroso choro
daqueles que sabem enterrar seus mortos.
Catemos os cacos, colemos as xícaras de porcelana
para tomarmos o quente café ralo
vendo os trabalhadores, meio gado meio gente,
sombra do que restou da sua humanidade,
arrastarem seus sonhos, tendo colado às costas
os estômagos com fome de pasto e saber.
Caminharemos sombrios, taciturnos, rodeados
de uma nuvem negra de olhos 
que zumbem como abelhas
mas, do mel em nossas bocas, 
só teremos o gosto agudo
da ferroada a inchar os lábios balbuciantes.
Tristes sentaremos em frente à TV, 
e alimentaremos sonhos de liberdade hollywoodiana.
Dançarinos desengonçados que somos 
tentaremos sapatear o  último sucesso de La la land
enquanto o samba bate no couro de nossas nádegas,
lembrando que é carnaval e precisamos sorrir 
na marquês de Sapucaí ao som dos tambores
que regem nossas vidas.
Chorar para quê, aqui é o Brasil 
e o bispo Sardinha foi devorado
pelos supostos canibais de Colombo e companhia.
É hora de partir, 
às dezoito horas os sinos 
chamarão os crentes à oração 
e todos estarão mudos com uma vela
a queimar entre os dedos das mãos 
É preciso orar, é preciso rezar, 
nunca se sabe quando o noivo voltará
e àqueles que sem lume estiverem cochilando
não será dado nem pão, nem batata, 
nem um copo de leite morno,
antes de serem atirados para fora, 
onde há choro e ranger de dentes.
É tempo de orações, 
é tempo de gente muda, 
sem graça e sem dentes
para sorrir ao sol quando ele voltar.


Nenhum comentário:

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...