domingo, 30 de setembro de 2018

De barbeiros e barbearias

Quando era adolescente, meu irmão e eu começamos a frequentar os barbeiros. Eram onde deviam ir os meninos, os "hominhos" dos quais os pais(quero dizer os homens) se orgulhavam em ter. Abriam a boca e diziam: meu filho é homem. E filho homem de respeito não ia à cabeleireira da mamãe, ia aos barbeiros.

Lembro-me de um alguns deles: José Sebrian Gomes, que depois virou meu patrão na entrega de jornal; havia Josuel, que amolava a navalha numa tira de couro e fumava o tempo todo, enquanto cortava o cabelo e conversava sobre a vida, independente da idade do cliente. Meu irmão, por exemplo, cresceu cortando cabelo no Josuel e cortou com ele até que o barbeiro morreu. 

Em geral, havia o quadro do time do coração do barbeiro, um cinzeiro para ele e os clientes apagarem as bitucas, uma cadeira daquelas bem antigas, algumas revistas velhas da mulher e um rádio AM para os mais velhos debaterem as notícias do dia. Nada de horário marcado, agenda, ou telefonemas, cortava o cabelo quem chegasse primeiro, havia fila, alguns permaneciam nela, outros ia ao bar "tomar uma" e voltavam depois, Sei que de quinta-feira em diante, a barbearia era lotada, pois o fim de semana estava chegando e era necessário estar bonito, cabelo cortado, barba aparada, pelos do nariz cortados.

O método era o tradicional, após cortar o cabelo com a tesoura, auxiliado por um pente fino, o barbeiro se advogava no máximo o direito a usar uma tesoura dentada para repicar o cabelo dos meninos, homem cortava no tradicional. Para finalizar uma mão bem cheia de álcool para matar os germes e cicatrizar os pequenos cortes deixados pelas navalhas.

Lembro-me até hoje das primeiras vezes que fui ao salão de cabeleireiro "unissex", morrendo de medo que meu barbeiro de confiança visse ou algum amigo meu viesse a tirar sarro. Entrava desconfiado e para tirar a dúvida da placa que dizia "unissex", perguntava se cortava cabelo de homem. Eu na minha hombridade dos 16 anos, morria de medo de ser visto como um fresco. O certo é que gostei do corte, do banho dado no cabelo após o término e o "creminho" que o cabeleireiro passava. Enfim, como um membro do partido comunista que trai seus amigos, abandonei para sempre as barbearias.

O tempo passou, surgiram salões para todos os lados, cursos profissionalizantes formando novos cabeleireiros e os barbeiros quase sumiram. Só não desaparecem de todo por causa de seus antigos clientes e sua fidelidade aos seus dignos barbeiros. Pensei que era o fim de mais uma profissão no mundo. Eu já não fazia botas no sapateiro, nem mandava por salto ou meia sola no meu sapato velho, ia à loja e pegava um novo, mesmo que barato.

Para meu espanto, usando aqui a linguagem popular do "raiz" e do "nutella", surgiram os novos rapazes, metro sexuais, que passam perfumes, usam cremes e gel para cabelo e se orgulham de sua vaidade. Para eles surgiram as barbearias gourmets. Será que comem algo lá? E não é que comem. Há cervejas, bebidas variadas e algum lanchinho, agora com hora marcada, cabeleireiro agendado, ar condicionado, sofá confortável e cadeira de salão chique dos bairros caros das cidades e um cabeleireiro que faz topetinhos até nos marmanjos de 40 anos.

Sentem-se homens, machos alfas, na moda, mas se se negam a ir ao salão de cabeleireiro. Para eles surgiram as babearias com canal pago para ver os jogos da Champions League, ver UFC e o espaço é decorado como se fosse um clube de futebol. Dizem que retomaram a tradição dos avós, mas se negam a enfrentar uma navalha e aquele velho e bom barbeiro, que com o tempo ficava com as costas curvadas, fumava e usava um lenço de pano tirado do bolso traseiro para enxugar o suor.

Restam poucas barbearias "raízes" pelas cidades. Mas, ainda é possível encontrá-las, ouvir a rádio AM, discutir o futebol local e ver a segunda divisão dos campeonatos, Jogar até mesmo um truco enquanto espera a sua vez de cortar o cabelo. Ali o corte não passa de 15 reais e o cabelo sai cortado do mesmo modo que nas barbearias gourmets, que cobram 60 reais, que imitam o passado e apresentam ao mundo o novo homem da sociedade. 

Há ainda alguns barbeiros. Eles olham o passado, alisam o velho pôster de campeão brasileiro de seu time do coração, afiam as navalhas e sentem-se como museus da nova sociedade, na qual se multiplicam as barbearias gourmets para uma burguesia cada vez mais ávida em consumir sem respeito ao passado e sem saber que regridem pouco a pouco ao mesmo passado que condenam, preconceituosos, disfarçados em suas calças jeans e suas barbas bem aparadas de uma heterossexualidade limitada. 

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