sábado, 30 de agosto de 2014

Precisei da tua ausência
para saber o que é o amor.
E agora que não te tenho,
como amo a tua falta!
Como amo a sensação do amor,
este sentimento desconhecido,
só revelado em tua partida.
Então, abro a janela e aspiro
o ar de tua ausência
e mais amo a tua falta
do que a tua presença.

Quando era criança, tinha medo do escuro.
Fantasias povoavam o espaço negro
e não abria meus olhos.
Na adolescência, controlei o medo da escuridão.
Tentei convencer-me de que não havia nada
quando a luz se apagava.
Agora sou adulto, não posso dizer
que perdi o medo do escuro,
mas imerso nele, abro os olhos
e minto para mim mesmo que
na escuridão não há nada e
estes seres que me fazem companhia,
são memórias da escuridão da infância.
 
 
Quero um vaso,
não de flores;
sanitário.
Nele darei
a única contribuição possível
ao jardim de flores:
minhas fezes.
E todas as vezes
que olhardes as belas flores
coloridas, espalhadas
com suas pétalas macias
sabei que nessa maciez
conhece-se a profundeza
de meu ser.


À meia noite os gritos de desespero
ecoam mais livremente.
Vozes vazadas atravessam venezianas,
tocando acordes diminutos
de violões imaginários,
lamentando por fados
a solidão vista da janela.

Colar cacos,
atividade diária.
Taças estilhaçam,
chocam-se falsos brindes,
celebram-se a divisão,
discussões céleres
dos homens pelo mundo.

Frio, lâmina dura.
Dentro de mim vazio,
oco que o vento vara,
atravessando meu ser.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Negação

Esta noite as canetas estão secas.
Abandonadas no porta-lápis,
baratas esferográficas me olham.
Um lápis desponta sob o papel
lancetando-me um olhar seco.
Desafio-o a compor uma página
cheia de versos novidadeiros.
Oferto-lhe a folha branca, mas,
desafeto meu, dá de ombros.
Esfolo uma palavra, mordo-lhe as vogais,
mas elas contêm os gritos,
abandonando-me ao silêncio,
enquanto observo suas vísceras
em minhas mãos ensanguentadas.


 

Devaneio, esta é minha oração;
prece de lábios mudos
e olhar perdido na imensidão do infinito.
Não vejo a luz nem sinto a escuridão,
meu ser se desfaz em articulações miúdas,
até restar apenas  murmúrios e
ressonâncias de ladainhas antigas.

Aos que faltaram à  aula de literatura
só lhes resta o sexo real.
Ilusão das horas despedaçadas
em segundos agônicos de orgasmo.
Desconhecem que o sexo começa nas palavras
e desemboca na cama das ilusões fugidias.
Na cama, o sexo é leito de rio assoreado.
Na literatura, o sexo ainda é cachoeira
e sua força não tem limites. 
 

terça-feira, 26 de agosto de 2014

A poesia sem olhos fala no silêncio.
Suas lacunas são quartos abertos
aos amantes sedentos de amor.
Dipostos a pagar pouco, ficam pouco,
deixando o rastro úmido de seus corpos.
Sem escrúpulos a poesia abre suas janelas,
seduz outro desavisado que passa pela praça.
Sua cama tem perfumes e bálsamos
e pressa de novos amantes.

Poesia: ilustre desconhecida que passeia
de salto alto pelas ruas.
Não lhe pedem autógrafos,
não reconhecem-na em seu luxo.
Bela e solitária, indigente entre as gentes
soberana em seu pulsar....
tripudia do cegos à magia da realidade.
Encontrei na poesia o gesto das horas.
Fôlego necessário à vida.
Fuga ao tédio e ao banal dos dias.
Água de fonte estranha, inacessível
aos que veem demais o cotidiano.
Poesia: flor mística entreaberta
regada pelos dedos gotejantes de palavras.
Poesia: salvação e perdição;
expiação dos hereges, condenação dos santos.

 

sábado, 23 de agosto de 2014

A palavra falada ou escrita
nega-me a ausência sentida.
O vazio preenche-se de sons
pronunciados ou imaginados
e já não sou mais só.
Sou eu e minhas palavras.
Posse indevida dos signos,
que marcam minha comunhão com o mundo.

Olho a saia plissada
assemelha-se a uma cortina
encarnada em seus leves movimentos.
Pergunto-me aflito:
Quando ela abrirá a cortina?
Deixará que eu veja
a luz do desejo brotar
dos portais de sua alma?
Mas pode ser (ilusão da vida),
que ao abrir as cortinas
haja uma leve cheiro de terra molhada.
Anúncio de chuvas torrenciais
a matar minha sede de suas águas.
 

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Cartas de ninguém

Nunca escrevi cartas nem as recebi.
Na infância desejei escrevê-las,
porém, no pequeno mundo que encerra a inocência,
não conhecia pessoas.
Pai, mãe e irmão para mim
não eram pessoas, eram seres domésticos.
Quando os portões se abriram,
conheci pessoas e definitivamente perdi
a vontade de escrever cartas.
Jamais recebi uma carta de amor,
tampouco as enviei.
Não colecionei selos
nem envelopes coloridos ou perfumados.
Não participei da ansiedade de esperar
no portão o carteiro pedalando sua bicicleta.
O homem de calça azul e camisa amarela
à minha porta, traz correspondências banais.
E quando me perguntam: Quem era?
Respondo molemente: Ninguém! Só o carteiro.
A chuva no poema não molha
não exige capa, nem guarda-chuva.
As tempestades nos versos
não arrastam casas, nem causam prejuízos.
São enxurradas de palavras articuladas,
molhadas apenas pela saliva da boca.
No entanto, desfaço-me em gotas de palavras
e tremo de frio na noite escura,
ao som da chuva que bate à minha janela.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Desfilam rostos estranhos diante de mim;
alguns sorriem, outros conversam;
alguns estão mudos em um mundo alheio.
Cada rosto uma história, uma vida
que caminha sobre pernas inquietas.
O mais tenebroso: a caixa craniana
guarda uma massa cinzenta; caverna
que oculta o grosso intestino do mundo,
fossa negra de maledicências,
arquiteturas de mortes, traições e vinganças.
Descaiu-me o semblante, aí sonhei um mundo
só de cabeças esquizofrênicas,
sem pernas, sem braços, presas
nos escuros labirintos de suas faces.

A bailarina azul
admirou-se no espelho.
Viu sua saia de copo azul
e mergulhou em sua cintura.
Nas ondas frenéticas
de um mar convulso,
agitado pelas virações da lua,
a bailarina deslizou pelo palco,
saltando ondas imaginárias.
Por fim, aportou no cais dos braços
do marinheiro que a admirava
do alto do observatório do farol.

sábado, 16 de agosto de 2014

Guarda-chuvas ambulantes
perambulam pelas ruas.
O voyeur da janela triste
imagina rostos nunca vistos.
Tem de se contentar com
o prazer ligeiro das pernas.
Baile entrechocado de tendas
misteriosas multicores,
guardadoras de prazeres
vedados ao obcecado observador.

Nos dias de chuva chuviscam milhares
de poemas de chuva...
gotas de sílabas espalham-se pelas páginas
molhando versos nas goteiras dos telhados.
Dia de chuva bom para comer 
bolinhos de chuva com chá.
Chávenas quentes que molham os lábios
como a chuva deixa a terra molhada.
O chuvisco, a chuva, a chuvarada
trazem dias de quadros pelas janelas.
Em cada apartamento se abre
um quadro triste e melancólico,
que se expõe aos caminhantes da rua.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Fácil perder o jogo
quando não se conhece
as cartas da vida.
Embaralhei os caminhos,
dei as cartas erradas,
equivoquei-me na estratégia...
Perdi a mão e o jogo.
Quebraram a banca
e tive de pagar a aposta.
A vida é um jogo
em que a última cartada
é dada pelo vazio da morte.

Indizível, inapelável
momento dos fatos.
Deixaram-me nu
no meio da rua,
olhado de lado.
Atravessado por preconceitos,
conheci a mim mesmo
despido da máscara.
Traje de gala
herdado de séculos
para a festa da vida.

A volta

Subi as escadas.
Rocei de leve os degraus.
Sob meus pés anos passados,
pequenas farpas acariciavam velhas feridas.
Enquanto subia
lembrava a última vez que desci
para jamais voltar.
Como dói esta escalada,
mais do que as malas,
pesam-me os sonhos frustrados,
os adeuses deixados
atrás da porta que se fechou
e os ecos dos passos,
que golpeavam fundo o asfalto molhado.

Pagode

Um corpo sambou;
jogou os quadris.
Uma performance de ancas
aproximou-se entre negaças
e gingados de capoeira.
Estacou e perguntou:
- Qué dançá, piá?
- Sei sambá não!
- Tá cum medo, piá?
- To cum medo não!
- Tá cum quê' ntão, piá?
Rodou sobre os calcanhares,
rebolou insanamente
pelo salão como uma lua negra,
brincando entre nuvens.

 

sábado, 9 de agosto de 2014

Repetição

O olhar   [ tímido da primeira vez]
o toque [ o entrelaçar de mãos]
o beijo [ a comunhão dos corpos]
o choque [ as primeiras desavenças]
o pranto [ a primeira desilusão]
a separação [ derradeira frustração].

Arranquei teus olhos com uma navalha:
colei-os na tela em branco,
mas fugiu-me teu olhar.
Radicalizei a perspectiva, redirecionei a luz,
em nova tela preguei teus olhos.
Mas.... perdi aquele instante fugaz,
como se me olhasses do avesso,
tocando os matizes rubros de meu corpo.

Das ruas com jardins de carros
desabrocham pétalas negras
de fumaça e óleo.
Tingem narinas e pulmões
de fuligem pegajosa.
Os escapamentos atiram contra
os homens aformigados em sua mesquinhez,
sonhando que conduzem máquinas
e têm o governo do mundo.
 

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Morte do palhaço

O palhaço com seus malabarismos
no farol, tendo a faixa de pedestres
como palco e o sinal vermelho como luz
esborrachou-se no asfalto quente.
Seu salário de moedas espatifou-se,
tocando a única canção fúnebre
executada em seu velório.
A multidão expectante de motoristas
esperou o palhaço se levantar;
e no silêncio sepulcral não 
perceberam que seu coração
explodira como rojão em dia de São João.
Quando o farol abriu, ninguém viu
a última lágrima arlequinal escorrer
pela face muda e triste do palhaço;
quem sabe saudade de Colombina,
quem sabe esperava o adeus daquela mina,
que arrancou com o carro em alta velocidade.

Escravo de mim
não me componho em versos.
Sou carne, osso, sangue,
desejo de vida longa.
E morte breve.
Aceito tacitamente o desejo;
o verso é apenas ensejo
do prazer em palavras,
deliciosamente saboreadas,
pronunciadas ciciando
sílabas "eróticotônicas"
na explosão bilabial;
projeto de beijos sonororeal.
Nada de verso vocábulo, signo;
só carne, dentes, saliva.


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

As velhas grávidas invadiram o mundo.
Estão prenhes de vida.
As bocas escancaradas pedem sonhos
e não terra que as cubram.
As gengivas cobrem-se de próteses dentárias
prontas para desfrutar a carne do prazer.
Não ao leito ineludível da morte
e sim ao tálamo do prazer "gozivivo"
Ávidas da langonha que molhe as paredes secas
e umedeça as entranhas dos prazeres falsamente juvenis.
O gozo verdadeiro está na certeza
de que a vida acaba no derradeiro gemido.

Na correria do dia
fiquei alheio à poesia.
Em meio a papéis sem sentido
(indiferentes ao lirismo)
preenchi protocolos bestas;
presidiário das lacunas de formulários.
Quanto desperdício de papel!
A folha quando castrada de sua liberdade
aborta o poder poético do Gênesis.
 

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Quando vim ao mundo
desembarquei com a passagem de regresso.
Visto com data, dia e hora marcados
para novamente ser desterrado.
Na primeira viagem vim de olhos fechados
abrindo-os na chegada;
na segunda jornada irei de olhos abertos
e serei embarcado de olhos fechados.
Da primeira vez não tinha consciência para compreender.
Porém, na segunda vez, terei consciência 
demais para cerrar os olhos em paz.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Efemeridade

Olhei a manhã embaçada
pela janela de vidro.
Olhar ao longe, sorvi o café.
A golada desceu fria
como aquele amanhecer de inverno.

domingo, 3 de agosto de 2014

Suor

Sinto a face derreter
em gotículas de leve sensualidade.
Percebo a flacidez dos músculos
encharcados marcando a camisa.
Uma liquidez quente desce
pelo abdômen abrançando-me a cintura.
Sinto o leve incômodo da calça
molhada como se eu estivesse em um charco.
Sinto que meu ser se esvai pelos poros
e afogo-me nesta água salgada
sem praia, sem mar, sem a quente areia.


Há um buraco
ele é negro
nebuloso e insano
parte intocável do ser.
Ali se encontram
memórias, pesadelos, medos
mascarados pelo sorriso
sócio-cotidiano das manhãs.


sábado, 2 de agosto de 2014

Minha revolução é de uma entidade só.
Um eu-lírico armado de
versos cortantes, rimas
atiradas com uma funda na fronte de Golias.
Suspeito de toda revolução
que o homem tenha de usar outras máscaras
que não a própria anteface do rosto.
A primeira revolta é interna
guerra de entranhas
explosão vulcânica das profundezas do ser.

Na cantilena das horas mortas
encontrei-me com o vício da poesia.
Noite de pactos e sangue
liturgia fúnebre de uma alma
parada na encruzilhada das veredas,
entre o afago das asas brancas
e a sedução dos cornos de bronze.
Poesia: maldição da sibila
que vê claramente na escuridão
e declama enigmas em versos lúgubres.

No céu de tua boca
explodiram estrelas
que embora mortas, brilham.
Por isso este desassossego
obrigando-me a fechar os olhos
ao cair lento da noite.

Isaque e Ismael

Explodiram pedras do asfalto
romperam vozes de revoluções antigas.
Estilhaços arranharam as peles;
choro e ranger de dentes
o inferno urbano assolando
mulheres e crianças.
Enquanto os homens digladiam-se
por antigos ciúmes inexplicáveis.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...