sábado, 20 de agosto de 2016

Os balões

A menina descansava no colo do pai, que passeava insistentemente e com certa impaciência, de um lado para o outro, em frente à mãe que mastigava lentamente a comida. Ali estava o momento dela, braços livres, descansados da labuta diária de segurar e ninar sua filha. Alongava o tempo de cada mastigada, cada dentada era um ato de preguiça altamente calculado, como se se vingasse do homem que estava ali diante dela e que a fizera mãe. Enquanto comia, sentia que recuperava sua identidade, tinha um nome, uma profissão, não sofria o apagamento das horas do mamã, que se tornaria mãe e, por fim, definitivamente seu nome se converteria em um amontoado de letras no RG. 
Cansado de esperar aquela prática bovina, que incluía os olhos de uma plácida toura, o pai mudou a rota dos passos. Fingia mostrar interesse pela pequena e até ensaiava uma falas com a bebê, porém com medo de ser tomado por trouxa diante dos olhos expectantes que se distribuíam pelas mesas do restaurante. Imaginou que aquele passeio um dia seria feito de mãos dadas e que ao final do corredor de olhos haveria um homem a esperar pela filha.
Quase se desesperou, mas não era para tanto. Não tinha a fibra das raivas longas, nem as forças para desperdiçar em pensamentos que poderia adiar por alguns anos. O genro ainda não existia e se existisse deveria andar em fraldas, cagando e mijando como sua pequena. Nada que pudesse atentar contra esse reinado tão certo e tão efêmero que começara a descobrir naquele pacotinho de olhos abertos que tinha em seus braços. 

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...