sábado, 27 de agosto de 2016

Amanhã será domingo

Amanhã será domingo. Impossível não pensar neste fatídico dia. Desde que amanhece o sábado, somos tomados por uma insana força de aproveitar cada segundo. Engolimos as horas no relógio. Queremos que o tempo passe mais lento. Afinal, sábado é o primeiro dia do início do fim de semana. E por incrível que pareça o único: não esqueçamos que domingo é o primeiro dia de mais outros seis.

Talvez decorra desse sentimento oculto o fato de domingo ser sempre um dia angustiante para muitas pessoas. Para piorar é a véspera da segunda, a tão temida segunda-feira, dia de encarar o chefe, o colega de trabalho invejoso ou indesejado. Até porque em nossa atual situação ter inveja de qualquer brasileiro que seja é burrice.

Mas ali está a segunda-feira, acenando-nos mal nasce o domingo. E o mesmo ritual se inicia. Alguns vão à missa, outros à escola bíblica. Rituais espirituais que encurtam as horas do domingo, mas reduzem o sentimento de solidão que somos tomados nesse dia. 

Logo pela manhã vamos à padaria. No caminho, os açougues tomam as calçadas com seus fornos cheios de frangos girando em espetos e outras churrasqueiras com uma infinidade de carne para saciar a sede humana de sangue, agora dourada no carvão e com um leve tempero. Compramos maionese, umas cervejas ou vinho, colocamos o macarrão no fogo e já é meio dia perdido.

Podia ser diferente, mas não é. Os vizinhos colocam o som alto, gritam, riem, tomam cervejas e cantam desafinadamente as músicas mais terríveis de nosso imaginário local. Pensar é proibido. A bebedeira retarda os sentidos e faz segunda parecer mais distante. 

Às 15h00 a depressão aumenta. Os parentes chatos foram embora, os amigos após dizerem algumas verdades incentivados pelo álcool ficam envergonhados e voltam para casa, em geral, discutindo no carro como pedir desculpas no dia seguinte.

Às 16h00 horas os homens ainda tem um alento: futebol na TV. Só estragado pelo humor feminino que se vê desprovido de qualquer programação que atenda suas necessidades. É nossa sociedade ainda machista. O homem trabalhou a semana toda e agora merece o descanso. Então: futebol, paixão nacional, destruição dos lares felizes. 

Às 18h00 o baixo astral é geral. Aparece um ex-gordo ridículo na TV, cheio de grosserias que comanda um programa dominical de aberrações, que são aturadas até chegar o momento das "vídeo-cassetadas", quando as pessoas mostram seu lado sórdido, rindo de crianças que caem, velhinhos bêbados ou gatos que se espantam diante do espelho.

Para piorar, o único passeio que resta é a farmácia. Saímos comprar aquela neosaldina, um gastrol, aquela fralda que acabou, o anticoncepcional para evitar que a população aumente e que a diversão vire pesadelo, aquela camisinha de sabor ainda na esperança de um ato mais ousado depois de anos de casamento.

Mas amanhã é domingo. Inevitavelmente domingo. As rádios vão colocar músicas da década de 80, velhos rocks, alguns sertanejos antigos, algum programa da jovem guarda e samba, muito samba e pagode, como se todos nós nos estivéssemos unidos sob esse gosto musical. 

Enfim, realmente o tom é de nostalgia, um sabor antigo, uma saudade que nos aperta o peito, que nos deixa sem palavras, como se tivéssemos perdido alguém; e com esse nó na garganta vamos dormir, antes que comece o "domingo maior" ou que Silvio Santos faça mais um aviãozinho com uma nota de 50 reais.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...