terça-feira, 26 de janeiro de 2016

De teu rosto belo e jovem
guardo em escultura polida
tua imagem pelo tempo protegida,
congelada, imune à ação maligna
que a tudo deteriora e desfaz. 
Porque estás emoldurada em minhas retinas
retenho-te em forma de amuleto em altar
de adorações ao céu da juventude,
que me abrem teus olhos em pálpebras macias.
Minto, porém, sobre a maciez perturbadora,
imagino-a, recriando o calor de uns lábios
que se congelaram entreabertos
neste busto que erigi no quadro na memória.
Não sopra, mas é como um vento gélido
trazendo de antigas sílabas a musa
que com palavras descreve o poeta.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Declaração

Sinto que as paredes me esmagam
comprimem o que resta de mim.
Há um desmoronamento insano,
mas as pessoas não podem ver
os ossos quebrando, dilacerados
pelo romper dos ponteiros do relógio.
Sou eu e contemplo o nada
ele tem muito a dizer se se quer ficar
mudo diante da paz alheia.
Estou entregue à escultura de mim
e é assim que todos devem me ver:
mudo e estático como se nada houvesse a dizer,
pois ninguém estranha uma estátua muda.
Declaro hoje aos presentes e aos ausentes
que meu corpo é meu túmulo
REZEM POR ELE.
Amém. 

sábado, 23 de janeiro de 2016

Limpo as lentes dos óculos
e penso em ti nos movimentos
circulares que operam os dedos
que desembaçam o vidro.
Porém, não te vejo melhor
nem te aproximas como 
imagino no horizonte.
Continuas pequena, miúda,
nas lentes míopes do passado.
Lembro, então, que limpo
os óculos e suas lentes,
que não são binóculos e posso ver
até onde alcançam minhas curtas vistas,
cansadas e opacas do tempo.
Coloco os óculos novamente
e vejo a mim mesmo
parado diante do espectro
que me tornei frente às vidraças
com vista para outras alheias janelas.

As mulheres mudas esgarçadas
carregam rotas sacolas de feira
e trazem os amados filhos
agarrados às suas saias.
Cumprem o ritual desenganadas
de regressar ao lar e alimentar
os filhos mais velhos
que as encheram de filhos
e deitaram sobre si as capas escuras
da prisão familiar dos casamentos.
Com estes filhos não gerados
não saídos de suas entranhas
condenaram-se aos dias de dores e choros
das mães que rezam pelo retorno
dos filhos que nem ligam para avisar
e pela manhã caem na cama dos sonhos
e alegrias proibidas da noite passada.

No meu poema
gostaria de me desprender de mim
estar só, longe dos versos,
abandoná-los à sorte das palavras.
Distante dele [o poema]
viveria solto, leve, na sua doce
conotação de alegrias e tristezas.
Sem as palavras eu viveria um mutismo
diante da parede branca de minhas manhãs.
E o poema estaria melhor sem mim,
ele também diante do branco da página.
Cada um poderia viver sua vida,
o poema com as palavras e eu com meu mutismo.
Mas teimam, não sei por quê, em dizer que o poema
sou eu, que é meu, sendo que na verdade
só pode viver o poema nas vozes emprestadas.


Desconheço uma história
que não traga consigo
uma tragédia de amor.
Somos tragediógrafos da vida,
dramatizamos o irreconciliável
na esperança de crer piamente
nós mesmos nessa dor.
No palco das paixões 
derramamos lágrimas sinceras
das máscaras horrendas imutáveis,
que ocultam as verdadeiras razões
do crime que somos culpados.
Ah...se pudesse ser eu mesmo
no palco da vida, por um minuto que fosse,
também encenaria minha comédia de amor.
Afinal, desconheço na vida
quem não traga consigo
uma tragédia de amor.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Dilato as narinas na expressão contorcida da dor
sugo o ar na sofreguidão de quem desperta
de um sonho escuro e engulo as lágrimas
do sal reconfortante que lima os dentes alvos.

Devoro quimeras inconsciente dos traumas
festejo encontros efêmeros de tua pele
que anuncia partidas e despedidas,
afogando-me nessas doses breves de amor.

Os teus olhos enviesados denunciam a partida
sempre presente nos gestos da fugacidade 
com que me olhas como se tivesses pressa.

Sofro dos adeuses, dos acenos disfarçados
em cumprimentos de recepção festiva
quando os dedos esmaecem ao longe.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Amor que é Amor, dói.
Dói de falta, dói de medo
dói porque dói, sem ter explicação.
Amor que é Amor, dói.
Dói de doer porque a dor
sublima o medo de perder.
Mas, dói sem saber, sem ter porquê,
dói de dó, de danação,
dói porque é Amor
e há o temor
de perder, sempre de perder,
aquilo que é o Amor.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Livro das ausências

No ano de tua ausência
conheci minha dor.
Imitei os amantes
olhei pela janela
[nada vi que outros olhos não vissem]
mas o vazio do horizonte
rebentava em meu peito
em ausências tempestivas.
Senti-me doente, fora de mim
certo de que a ausência
levara consigo uma parte de meu corpo.
E senti-me só, de uma solidão
indizível, somente capaz
de entender aqueles que sofrem
a dor das ausências incessantes.
Chove, mas não é por consideração a mim
é tão somente o breve mês das águas
que chegou indiferente à dor ou à tristeza
daquele vazio deixado pela ausência.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A vida em desregramentos

A regra não aceita o desvio
exige o padrão absoluto
dos pensamentos retos, nunca indiretos
dos itens contratuais entre os homens.
Mas [...] rompi os contratos, quebrei
as alianças arranhadas pelo tempo.
As janelas de minha casa encenam
mosaicos de santos quebrados,
rotos, rasgados em sua estranha
virgindade das adorações estrábicas.
Profanei as expectativas alheias
com a mesma atitude santa
dos crentes diante da cerimônia
do corpo e do sangue, preferindo
meu cálice ao da inalcançável
promessa para as almas da regra.
O meu caminho não é largo,
tampouco estreito ao ponto de não
aceitar o vale de sinuosidades
das rotas estabelecidas para a viagem.
Sou assim, filho de Raabe
disposto a abrir as portas
para a estrangeira e fazer de meu canto
coito de espias e andarilhos.
Por descaminhos e na arte das desregras
pintei meu calvário e também
soube, entre quedas, carregar minha cruz.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

De que servem os retratos
os autorretratos, os porta-retratos?
Esses rostos silenciosos, de gargalhadas mudas
que se opõem às imagens austeras pintadas dos avós
pendurados na parede da sala [ou no lustre?]
como se espiassem os netos e seus idílios?
Fomos engolidos por uma câmera digital
sequestraram nossas raras emoções de felicidade
e nem posso chorar de saudades [ou rir?]
diante de tanta gente morta
nos seus caixões de vidros sobre
o aparador de madeira que recebe as visitas
desatentas ao meu apartamento de baças luzes.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...