sábado, 27 de junho de 2015

Canteiros da solidão

A flor da recordação
desabrochou pétalas
cinzas e sem cheiro
no jardim das parcas
lembranças familiares.
Nessa praça outonal
experimentei o frio
da solidão  e a ausência
daqueles que partiram.
O tempo,
esse jardineiro incansável,
cultivou todas as flores
mortas desidratadas
para o momento da visitação
 a essa praça vazia
dos meus anos de infância
quando as ambições
eram apenas sonhos.

Bordado estereotipado

A realidade
a idade
esta louca vaidade
de anos perdidos
na frente do espelho.
Há uma transformação
muda da pele
em mapa de dores e ausências
que se desenham na geografia
da face explícita, despudorada
em seus envelhecimentos
envilecimentos agudos
que desenham com a agulha
do tempo o bordado dos anos.

Borboleta

Voou da praça dos sonhos
para as linhas de minhas mãos
essa geografia de caminhos
ainda não trilhados
e história desconhecida.
Bateu levemente as asas
com seu leque colorido
de esperanças e  de sonhos
de quem já foi lagarta.
Essa borboleta espreita
minha vida
com os olhos de suas asas.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Poesia
essa vadia
vazia.
Medito
à tardinha
nessa magia
vândala
vagina
corpo úmido
de doce céu
jogado ao léu
essa poesia
essa vadia
me leva à orgia.
Fodamentalisticamente
me converto a essa
magia que é a poesia.
Orgia de joelhos
nesse enjambement mental.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Não posso te ver, não posso aceitar
que sejas tão igual a mim em minha
solitária indiferença.
Estamos irmanados no egoísmo dos dias
dos gestos e das armadilhas que sorrateiramente
foram armadas ao virar da esquina.
Caímos no mesmo ato de falsidade
das mãos que se cumprimentam
em falsa cordialidade.
Estes somos nós homens tão iguais
que não suportamos o reflexo
de nós mesmos nas retinas
que se chocam no palco do teatro
da sociedade que representamos.
Não posso suportar o meu eu que há em ti.

Há um uivo solitário em cada esquina
o grito agudo de dor e desesperada solidão
nessa urbe agitada onde nos animalizamos
a cada segundo do dia.
O uivo ou o som da buzina
o freio ou o guincho do homem/máquina 
embrutecido incapaz de sentir
a solidão que habita o homem ao lado
com o qual atravessamos a rua apressados
e despercebidos de nós mesmos.

Preciso me retirar do meio dos homens
de seus pensamentos bestas de intelectuais
e suas considerações sobre o bem viver
e as soluções para o fim da fome
 e do sofrimento  da humanidade.
Porém, mantenho a cordial
capacidade de me espantar
e a doce ilusão de uma
esperança igualmente besta
de achar que o homem
não é apenas este monte
de terra que se desfará em pó.


quinta-feira, 18 de junho de 2015

Não quis o mar
quis a prisão de amar
este cárcere voluntário
em que cedemos a chave
ao carcereiro sem relutar.
Preso por vontade
o homem vive
voos alheios
sonha terras distantes
e mesmo com a porta aberta
não parte em busca
de novos horizontes.
Amar é esta prisão
sem portas, sem muros
que negamos ultrapassar.

Esta estranha forma 
de acordar todos os dias
desembaraçando-me dos sonhos
pesadelos constantes
labirintos de vozes
que se desencontram
quase insanamente pelos
corredores de uma casa
escura e vazia
tem sido um motivo
para eu me despertar
pelas manhãs que
inauguram mais um dia
de realidades que 
batem incessantemente
à porta e lembram
que os pesadelos
reais apenas começaram.

Esta dor de amar
esta dor de estar
sempre a esperar.
Este encontro na ausência
a presença
dessa flor constante
a desabrochar.
Sempre esta dor de esperar
por estar, por amar
por tocar com os dedos
esta ausência
tão cheia
de significados.
Amar é essa dor
dor constante, frequente
que me arranha
a garganta
em soluços noturnos
de tua ausência
que me lembra
a dor que é amar.


quarta-feira, 17 de junho de 2015

Onde nesse caminho que
supostamente trilhamos juntos
nos perdemos nesse estranho silêncio
e nossas mão dadas e os dedos entrelaçados
deixaram de comunicar aquele sentimento
que acreditávamos ser amor?
Caminho solitário, emparelhados nossos
corpos inertes caminham laboriosamente
calados em angústias e dores inomináveis.
Em que momento perdemos o doce possessivo
que unia nossas vidas ao olharmos em nossos
 rostos a feliz certeza do pertencimento?
Quando nesse caminho paralelo
deixei de te dar as mãos
e te perdi para sempre na doce ilusão
de que seria simples e eterno?




O meu mundo já foi simples mas 
não o compreendia na complexidade
de minha infância suja de terra.
Eu tinha minhas posses e cuidava
do meu gado de chuchu com pernas
de palitos de fósforos furtados à cozinha.
Foi cercando meu gado e colhendo mais chuchus
aumentando minha manada de bois verdes
como sapos no brejo que descobri em mim a vocação
para a ambição e os ciúmes.
Vem desses tempos, hoje convertidos em memórias,
esses desejo de posse capitalista e esses olhar
de joão-de-barro zeloso, piador solitário,
que tudo cerca e tudo guarda do olhar alheio.

Fui atirado contra o muro
há inevitavelmente em mim
um desejo de transpô-lo, escalá-lo e viver
minhas tresloucadas fantasias incensadas
nos entardeceres de solidão e angústia.
O muro é meu obstáculo
fronteira que me separa do caos
atravessá-lo é permitir-me ser Outro
viver livre das regras sociais
catolicamente respeitadas até 
o amanhecer de hoje quando
me vi contra o muro áspero
e tive um desejo louco de arrebentá-lo.
O muro está em mim, o muro sou eu
romper esta parede será a forma
de sobreviver além de mim
fora de meu egocêntrico desejo
positivista de ter a Razão.
Há alguém do outro lado do muro
e quero vê-lo e ter comunhão definitiva
com esse corpo que não é o meu.


segunda-feira, 8 de junho de 2015

A felicidade muda de recordar
está reservada aos seres vivos
que ousaram experimentar
o estranho proibido das relações.
Felizes daqueles que recordam
e dão vida a cenas extintas nas cinzas
porque deles é o reino dos deleites.
Pobres daqueles que só desejam
e cobiçam farisaicamente os atos;
invejarão para sempre as recordações
ocultas por detrás da moldura dos olhos.
Desejar revela ao espelho frio o espectro
  de nossa humanidade frívola e latejante.
Recordar vai além da mera ilusão do reflexo
que contemplamos mudos de nós mesmos;
transcendemos livres o espelho e vivemos
nosso fugaz instante de divindade.

sábado, 6 de junho de 2015

Calei as saudades nas cordas vocais
não deixei que elas vibrassem os acordes
plangentes causados pela ausência.
Encerrei a dor no peito com cadeados
deixei que me dilacerassem a alma
os aguilhões afiados dessa vida vazia
de tua presença espectral a me perturbar.
Esses olhos sorumbáticos postos no horizonte
visto por muitos como meu porte de sábio
é o disfarce da dor a que me obrigo ocultar.
Clandestinas a dor e a ausência guerrilheiras
declaram guerra armada contra meu senso.
Fugi de mim, fechei-me no olhar mudo
e me neguei a comungar desse mundo
que se nutre de carências e penas cotidianas.
Por isso, eu, homem estátua, engessado, há anos
contemplo do mesmo banco, esculpido pela saudade
mudo e calado a transição lenta das horas.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

É inverno
poderia falar do frio
mas sinto-o em
minha pele
áspero e marcante.
Desnecessário falar
do que sinto
de maneira tão contundente
e fria em meu rosto.
É frio
sinto-o inevitavelmente
em minhas mãos e
e no reclame constante
de meus pulmões.

A mais um janeiro no Rio

As casas escorreram pelas ruas
os relógios desfizeram as horas
trabalho e dedicação poupados
em camisas empapadas de suor
atingiram o estado líquido da enxurrada.
O quarto misturou-se com a sala,
e foi atirado ladeira abaixo
seus moradores; como visita indesejada
rapidamente foram escorraçados
e postos para fora altas horas da noite.
Nem a lua nem estrelas a contemplar
este despejo avisado há meses
apenas o teto escuro sem luzes
do céu de nuvens negras.
Ao menos se pudessem ver o Cristo
e saber se algumas dessas gotas
eram as lágrimas do Redentor
a chorar por seus desabitados filhos.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Não viajei pelos mares
nem pelos ares
coube a mim a sina
de desenhar asas em palavras
imaginar mundos azuis
estampados em panos de prato.
Essa vida comezinha
escorregada pelos cômodos da casa
foram minhas maiores viagens.
Compus histórias em panos velhos
juntei retalhos, teci a vida
e cobri-me com o cobertor de sonhos
durante noites de olhos abertos
esperando o novo-velho amanhecer.



  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...