quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Respiração


Sublevo-me contra o nada,

este é um mar de ausências

a me fustigar o peito.

Vejo cadáveres por todos os lados.

Pessoas que se calaram para sempre

ainda sufocadas, querem dar o último adeus.

Foram-lhes negadas as despedidas

cerraram suas bocas, romperam seus dentes

e ninguém ouviu o último estalo de seus corações.

Estou só, estamos sós, abandonados,

no mar das inconclusões e das dúvidas.

Espanco desesperado o ar

ainda tenho essa saída.

O grito preso na garganta agride o ar,

sinto-me vivo, inflo os pulmões

e digo aos que partiram

um até breve com os olhos,

para não lhes ofender  os ouvidos.

Sou um privilegiado e isto assusta-me,

não posso doar o ar aos que se foram.

Justamente nós que éramos irmãos do vento

sem pátria, sem nacionalidade, sem documentos,

que provassem nossa humanidade.

Hoje, somos números, cifras, estatísticas,

o oxigênio virou exceção

e nós, os que restaram deste jantar insano,

sentimos a leve mão do ar a nos afagar

com culpas, com desculpas,

por respirar.

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