Recolheu-a na concha de suas mãos.
Pequena, frágil, de um rosa antigo emocionante. Era a primeira flor que colhia
para sua mãe. Estava ali solta, no pátio, à hora do intervalo. O jardim da
irmã. Assim as crianças chamavam aquela parte da escola. Era uma flor pequena,
mas que cabia perfeitamente aconchegada nas palmas das pequenas mãos. Cheirou a
flor, sentiu algo que os adultos chamam de emoção.
Valentina
mostrou a flor para sua amiga Maria Luiza. É para minha mãe, disse. Vou levar comigo
para sala. Você me ajuda a guardá-la? Meu pai vem me buscar à tardinha, quando
a professora deixar de falar com o fim do dia.
Prestou
pouca atenção à boca da professora, que se mexia insensivelmente à sua flor.
Não entendia porque a professora não compartilhava do mesmo sentimento seu. Uma
flor, só minha, só para minha mãe e a professora descuidava de tão grande
momento.
Seguiu
olhando sua flor. Se tivesse a noção de horas acharia o dia imenso. Mas, apenas
contemplava sua flor, a flor que seria a primeira que daria para sua mãe.
Aquilo era tão imenso, que não cabia bem em seu coraçãozinho. Teve a certeza de
que estava certa colhendo a flor porque ninguém a censurou. Ficou ao seu lado,
na mesa. Sua amiga, de longe, guardava a flor com o olhar, feliz por Valentina
estar com a flor que daria à mamãe quando ela chegasse em casa.
"Valentina
do infantil quatro", soou a voz no corredor. Era a hora de ir para casa.
Certamente seu pai estaria no portão à sua espera. E quando desceu a rampa,
correndo com sua amiga Maria Luiza lá estava seu pai, aguardando por ela. O
mundo era estável e seguro até aquele momento.
Olha
papai, trouxe uma flor para mamãe. Vou dar para ela quando chegar em casa.
Tenho uma surpresa para você filha. A mamãe está no carro nos esperando.
Valentina soltou a mão de seu pai e acelerou seus pequenos passos. Antes,
ainda, pôde se despedir da amiga, que correu até ela dizendo tchau.
Papai,
quero dar a flor para mamãe. Olha que bonita a flor, peguei no jardim da irmã.
A jabuticaba acabou, não tem mais. Tem essa flor que achei linda. Olha filha,
mamãe está no carro, vai poder dar a flor agora mesmo.
Entrou
no carro apressada, sentou-se na cadeirinha e disse: olha mamãe, trouxe essa
flor para você. Que linda filha, mamãe vai guardar, obrigada. Gostou, mamãe?
Gostei, é linda.
Valentina
estava feliz, um mundo novo se abria diante de seus olhos e a cidade parecia
imensa, ampla. Os carros deviam todos estar cheios de crianças que os pais
foram buscar na escola, mas nenhum teria a flor rosa que ela dera para sua mãe.
Não sabia nomes de flores, apenas achara a flor linda e, então, levou-a para
combinar com sua mãe. Nesta tarde nem lembrou de pedir sorvete, queria chegar
logo em casa com a flor que dera para sua mãe.
O
caminho foi rápido, os sinais estavam verdes e o carro não precisou fazer
pausas na rua. Queria chegar logo e ver sua mãe com a flor em casa. Chegaram em
poucos minutos. Valentina entrou, tirou os sapatos satisfeita de ter dado uma
flor para sua mãe. Foi brincar, comer, ver televisão até a hora que deveriam
chamá-la para o banho.
À
hora do banho se lembrou da flor. Estava nua, quase para entrar no box, quando
quis ver a flor de novo. Correu nua pela casa, livre de todos os olhares que
essa idade permite. Chegou à lavanderia onde a mãe deixara a flor. Sentiu a
garganta doer e chorou muito quando viu a flor murchando. Não era para
acontecer isso, a flor era para durar para sempre. Era a flor que dera para sua
mãe e não poderia haver outra flor igual.
Pôs
a boca no mundo, chorou sentida, a flor estava murcha poucas horas depois de
ter sido colhida no jardim. A mãe tentou consolar, mas ela não queria ouvir.
Mamãe, foi a flor que eu te dei, ela não pode murchar, ela não pode morrer
assim.
E
ali, nua como estava começou a desfolhar a flor. Estava com raiva, dor,
tristeza e eram muitos sentimentos para um só coraçãozinho. Não cabia em si e
nua desfolhava cada vez com mais força e mais choro a flor rosa que dera para
sua mãe. Apertava forte, conhecera a morte, sem saber o que era a perda. Mas,
no fundo, sabia que a flor não existia mais e perdia, perdia o presente que
dera à sua mãe. O choro era mais intenso, a mãe percebeu que a filha realmente
ficara sentida com a perda da flor.
Por
que não a guardou num pote com água? Por que não cuidou da frágil flor que a
filha lhe dera. Valentina não percebia os pensamentos da mãe que a abraçava
cada vez com mais força. Chorava a flor e a dor da filha. Será que ela também
era culpada de a flor ter murchado tão rápido, ali, esquecida sobre a máquina
de lavar roupas. E a flor começou a colar em seu coração. A primeira flor que a
filha lhe dera era agora esmagada pelas mãozinhas da menina. Choravam juntas,
uma a perda da flor, outra o sofrimento da filha e a flor que se desfazia na
memória.
Tudo
fora tão rápido, tão inesperado. Como imaginar que a filha sofreria tanto por
uma pequena flor. Agora se sentia culpada e dizia para a filha que ela poderia
lhe dar outras flores amanhã ou quando quisesse.
Mãe
e filha se uniam na ausência da flor. Da flor memória, da flor essência dos
laços que uniam as duas. Sentia-se cúmplice da filha, ela também esmagara a
flor ao não dar a devida atenção ao presente da filha. Era a primeira flor e a
primeira flor não se esquece, assim como não se esquece o primeiro amor, o primeiro
beijo, o primeiro choro por ter perdido o namorado.
O
pai espiava tudo de longe. Fora tirado de cena. A vida era as duas mulheres que
ali estavam se abraçando. Uma pequena demais para perceber sua feminilidade, a outra
velha demais para entender que a primeira perda pudesse causar tanta dor.
Ambas
nasciam naquele momento, chorando a flor rosa, a flor ausência que embalou a
tarde da menina em seus sonhos de dar a primeira flor à sua mãe. Não era tarde,
elas estavam unidas como pétalas formando uma pequena flor que sofria. Mãe e
filha se reconheciam naquela solidariedade muda que unem as mulheres para
sempre.
Valentina
chorou nua abraçada à sua mãe. Chorava sua primeira perda. Não entendia por que
a flor durara tão pouco. Mas, renascia nos braços de sua mãe que lhe dava à luz
pela segunda vez.
Assim,
abraçada à sua mãe, foi para o banho, para que as águas da ducha se misturassem
às águas de seus olhos e levassem embora todo o sofrimento. Valentina era uma
menina com sua mãe, e a flor rosa que desaparecera, ficou para sempre em seu
coração.
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