Um dos caminhos pelos quais comecei minha vida de leitor foi pela crônica. Lembro-me de ter caído em minhas mãos o livro Ai de ti, Copacabana! Hoje, sábado à tarde, estava lendo Não está mais aqui quem falou, de Noemi Jaffe e para minha surpresa, em uma das histórias, encontrei-me novamente com meu velho e bom cronista.
Noemi contava de um possível relacionamento amoroso entre Rubem Braga e Marguerite Duras, durante a resistência francesa ao nazismo. Havia ali uma história de aventura, na qual a autora francesa, com seus encantos físicos e com sua capacidade de atrair amores, seduz um oficial nazista e o leva à morte com a ajuda de seus companheiros, entre os quais, constava o brasileiro. Tudo isso ela soube por uma mulher, que ao que tudo indica, foi uma das namoradas de Braga. Agora velha e sem pudores, pôde contar sua história e mostrou uma carta a Noemi, que emocionou-se diante de tal acaso.
Não foi pela guerra, porém, que me relacionei com Rubem Braga. Comecei identificando-me com ele pelo fato de ambos não gostarem de guarda-chuvas. Eu, quando jovem, perdia muitos guarda-chuvas e acabei desistindo deles, preferia chegar molhado a carregá-los. Em uma das crônicas de Rubem Braga, ele também narrava seu mal-estar com o objeto grande e negro.
É curioso os caminhos que nos levam a um autor ou que nos fazem reencontrá-lo. Coincidentemente, está acontecendo a FLIM, na cidade de Maringá. Na festa literária uma das convidadas era justamente Noemi Jaffe. Em um momento da entrevista ela diz que os autores roubam de outros autores suas histórias e misturam-nas em novas histórias, dando-lhes outras roupagens. Faço o mesmo aqui. Roubo um pouco da história de Jaffe para compor a minha, porque foi por meio dela que reencontrei meu velho e bom Rubem Braga. Há anos não o leio, mas ele entrou de contrabando em minhas memórias neste sábado à tarde.
Acho que Braga esteve comigo em Paris em 2018, mesmo que eu não soubesse. O tempo de repente virou e me vi atingido por uma enorme pancada de chuva sob a Torre Eiffel, corri a me abrigar, mas mesmo assim fiquei encharcado. Novamente, a despeito do tempo, estava eu sem guarda-chuva. O tempo já se mostrava revolto, no entanto, quis confiar em minha intuição, que falhou. Devo constar aqui que havia vendedores de guarda-chuvas nas imediações da Torre, inclusive vendendo aparatos transparentes com inscrições de "Paris Je t'aime".
Não me arrependo de ter evitado o guarda-chuva, afinal de contas, tomei uma chuva em Paris. Não é todo dia que alguém pode se encharcar na cidade mais famosa do mundo. Para eu que já tomei chuvas mais modestas em rincões pouco conhecidos, era um batismo a água que molhava meu corpo. Pouco tempo depois, veio um sol arrebatador e logo eu estava seco e em um barco, navegando pelo canal do Sena.
Posso dizer que mantive a minha dignidade e a de Rubem Braga, fiéis ao hábito de não portar guarda-chuva. Afinal, era uma tarde de passeio e a chuva só trouxe uma experiência a mais. Agora, que li a história de Noemi Jaffe, fico me perguntando se Braga não tomou alguma chuva em Paris, enquanto esperava por Marguerite Duras à beira do rio Sena. Será que eu teria olhado o Sena diferente, se soubesse que meu cronista favorito havia estado em Paris? Não sei. Mas, agora que sei da história, dei um jeito de enfiar Rubem Braga em minhas memórias e sem autorização alguma de família ou de amigos, o cronista esteve comigo em Paris pois, como diz Maurice Halbwachs: nunca estamos verdadeiramente sozinhos.
Assim, a partir de hoje, quando voltar a Paris, poderei ver o rio Sena acompanhado de Rubem Braga. Olharei o rio, contemplarei o passado e saberei que sou mais um brasileiro a andar pelas ruas parisienses sem guarda-chuva.
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