sábado, 27 de fevereiro de 2016

Colóquio dos namorados

Você não é bonita nem feia,
não sei explicar.
Às vezes é bonita,
às vezes é feia.
Vai.... vou dizer
te acho bonitinha,
para mim, perfeitinha.
Quer saber?
Prefiro que te achem feia!
Assim, fica sendo bonita,
bonitinha, perfeitinha só para mim.
Em casos de amor
melhor o egoísmo da feiura
que o orgulho da beleza.
E pode me chamar de egoísta
porque o amor aceita tudo
menos nos cálculos perder.
Nasci com os olhos invertidos
nunca soube olhar para frente,
o vazio solitário do futuro exaspera
e dá vazão a profetas e loucos.
Opto pela inexorabilidade do passado
e passo diante de meus olhos
a galeria de estátuas de sal
flagradas no coito, na boca vociferante,
faminta de outros corpos paralisados,
no gesto do dedo em riste imobilizado
pela inércia do tempo passado.
Homens e mulheres presos a seus atos
condenados às consequências das águas
que giram a roda do ressentimento.

Uma flor
era apenas uma flor,
mas eu parei esta manhã
e contemplei a flor solitária,
numa comunhão muda.
Estaquei diante da flor,
ela não deixou de ser a flor
muda e radiante, orgulhosa
de seu estado de pétala.
Tive desejo de arrancá-la
e trazê-la à força de sua fragilidade
comigo, mas ela não deixaria
de ser flor e eu homem.
Abandonei a flor,
não sem certo ressentimento,
e segui meu caminho
tão humano como essa flor.
 

Caderno da primeira série

As letras já marcavam
a distorção do que hoje sou.
Velho caderno, velho homem,
novo menino que se encontrava
nas margens rabiscadas
da velha brochura,
comprada a alguns mil cruzeiros
no bar mercearia do Juquinha.
Alguns corações mal-rabiscados:
indícios das frustrações amorosas?
Sei que o caderno existe,
mas o menino desapareceu
na brincadeira de esconde-esconde
e perdeu-se em algum canto da memória,
foi só o que restou das travessuras:
o velho homem que é a sombra
do menino da carteira escolar.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Às tuas graças a noite chegará

O que hoje cuidas do sol obscurecer
à luz de teus lindos olhos,
a sombra baixará
e o dia em noite convertida
não mais no reflexo do espelho
receberá da beleza a tua face.
Porque das graças a bela fronte
emudecerá inevitavelmente.
Fatal destino, iniludível dia
da noite que desce o manto escuro.
Então, hás de lembrar
de quando em fugaz instante,
na aurora inaugurada pelo sol,
apenas pedi de tua face
contemplar ao longe.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Lacrem enquanto é tempo,
sobretudo os produtos perecíveis.
Fechem a vácuo o amor,
esse frágil e delicado sentimento,
carcomido pelas traças.
Lacrem o amor, as amizades,
os namoros, os casamentos,
os filhos e os netos.
E quando abrirem o pacote,
mantenham ao abrigo
do sol e da chuva,
esses produtos costumam evaporar 
com as estações do ano.
Consumam rapidamente,
as pessoas tendem a ser perecíveis.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Tracei a reta,
algumas paralelas,
calculei as escalas,
alinhei o esquadro,
até equilibrei o prumo,
mas, perdi a direção.
Desalinhei quando
concluía a obra.
Meu ser repleto de andaimes
desabou em queda livre.
As partes de mim
ainda refletem meu todo,
são reminiscências
do grande projeto que fui.
Embora esteja em cacos,
acham meu telhado
e atiram mais pedras.
Onde estão minhas colunas?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

A ansiedade da Poesia
me devora na ausência
das palavras que não coabitam
nos sentidos que desejo dar
aos espinhos que crescem no peito.
A Poesia é rocha intratável.
 Esta pedra explode em faíscas
de amor e ódio florescidos
e o gesto brusco da mão estendida
é defesa de quem se vê desarmado.
Poesia, essa palavra rara,
pedra de polir sons das notas
musicais na garganta de quem crê
poder transformar em música
o Verbo da Criação seduzido
pela serpente espiralada, presa
por tantos séculos no jardim do Éden
à espera de um único homem nascer.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Da lembrança do amor em uma manhã de inverno

Se em tua boca
encontro o que me devora
tenho-me por perdoado a sede
de tão ligeiro beber-te.
É o receio de o instante perder
sendo único o encontro de lábios
e ficar com memória somente
do gosto preso à minha boca
e sentir da flor exalar
em meu hálito o teu corpo,
quando desperto pela manhã.
Se pudesse sufocar dentro
do meu peito o ar
não te cederia à brisa da manhã
que levemente te embala em despedidas
deixando em minha face
o antigo beijo de Judas.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Da série infância

Pega-pega

- Peguei! 
- Não pegou!
- Peguei! 
- Então[....]
me dá tua mão!
- Peguei e não solto mais!
Moral da história:
Cuidado para quem dás tuas mãos,
pode ser que percas a chave da porta.

Cabra-cega
 Quando aceitei a venda
pensei que me darias a mão.
Agora ando assim,
sem rumo e sem tino.
Meu balido é de saudade,
meu choro é do triste engano
do dia que aceitei a venda em meus olhos.
Quando me perdi de mim?

Da série mínimas

I
A porta.....
sempre a porta bate
e a solidão dentro de mim.

II
Se me encontrares
fora de mim
me devolvas para dentro
pode ser que enlouqueci.

III
Quando tuas ondas
passaram sobre meu corpo
fiquei à deriva de mim.

IV
Para tão grande saudade
tão pequeno corpo.
(sinto que transbordo)
Quando voltarás,
para te fazer grande 
nas pupilas de meus olhos?




terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Eu que experimentei todas as coisas
contentei-me, afinal, em ser
palhaço no picadeiro da vida.
Vesti a máscara, 
coloquei o nariz vermelho
e reconheci a impossibilidade
 de corar diante de qualquer vexame
que me expus na longa lista
das vergonhas que enfrentei.
Podem rir de mim, 
aceito o riso doente, consciente,
escrachado do público.
Essa plateia inerte, 
incapaz de viver, de gozar, 
de emborcar numa dose de conhaque,
mas que se submerge no mar encapsulado
dos antidepressivos em noites de insônia.
Deem-se ao luxo de uma gargalhada limpa
sincera, enquanto eu vivo meu suspense
de Hitchcok no stand up das desgraças
que lhes conto em confissão neste aparte teatral.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Traigo una foto tuya,
llena de agujeros,
en el bolsillo 
y me hueles
a otras épocas
y te busco sólo
donde no te encuentras
porque hablo contigo
en noches oscuras
de nostalgia y muerte.
Y ya no hay,
no puede haber
diálogo posible
que no sea en el pasado.
Por eso, la palabra cerrada
en mi boca y los agujeros
dónde te encerré para siempre.

Candela de las habitaciones

Esta ciudad me ahoga en ventanas,
huecos de soledad y humo
y no me acerco a nadie.
Me valgo de un vaso de vino,
vino seco para que mire
más dulce la vida de anteojos
por los huecos que llamamos
ventanas en el marco
de los edificios que miran
lo hombres en sus butacas
de cueros vanidosos del dinero
presumidos de una alegría
que los encarcela en la soledad
de sus pisos y los cierra a la flor
de la gente que vive en los caseríos
albergados de amor y mate.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Pós-coito dos amantes

Por que me interrogas?
Gozo com meu corpo
que é somente meu.
Se nele gozaram outros corpos
é que abri meu corpo para recebê-los.
E se gozei?!! Claro que gozei,
gozei com meu corpo
e se hoje dele compartilhas
é que te permiti o instante
do gozo que é só meu.
Conforme-se com o gozo presente,
que já é passado, assim como
o que gozaram outrora e partiram
tendo meu corpo como leito morno.
Se gozo, gozo com o que é meu
e do que tenho aqui nada te pertence.
E não mais me interrogues, enfado!!!
Se gozei ou se gozo
nunca devi este prazer
a ninguém mais que a meu corpo,
que gozou, que goza, que gozará
a despeito de quem vem ou  de quem vai.

Questão de fé ou de fezes,
pouco importa!
Cada um crê
com o que tem.
Meu verso é estrábico
como o de uma santa
posta no altar.
Os olhos refletem
o desconhecido.
De olhos postos
no Criador, olha
com ternura o homem
frágil apegado ao nada.
Meu verso contempla
obliquamente a página,
flerta com o leitor
por insistência dele,
não o olha, pois como
pode contemplar o amador
sendo o verso a comunhão
de todas as coisas e de todos os astros?
Meu verso é universo e gira
sem saber em torno dele mesmo.
Meu verso sofre do estranhamento
que causam os estrábicos
quando tentam olhá-los de frente.
Mistério da criação estrábica
que não se rende aos olhares
e olha sem saber a coisa olhada
que é objeto da contemplação.
Meu verso é estrábico
e também não sabe para onde olha.
Chamem o doutor, chamem o ofaltmo,
que conserte os olhos de meus versos, 
que sendo estrábicos não se rendem
facilmente à contemplação.


Quando nasci em um domingo escuro
o céu negro com sua boca desdentada
despejou-se em gargalhadas
e uma chuva torrencial desceu
dos enormes olhos de Deus.
Juiz e Salvador selaram meu destino,
conheci de antemão meus desatinos
e o som dos trovões se sobrepôs
a meu choro sem ser ainda de agonia.
Cercou-me a sombra de uma asa negra
e senti do alto da cabeça à planta dos pés
o primeiro calafrio de minha vida
anúncio de medos futuros e incertezas.
Apertei a mão de Deus, Ele a minha
e selamos esse acordo de guerra fria
de que não saberia de minha partida o dia.
E desde essa época caminho como se a vida
não tivesse fim no relógio dos homens,

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Que meu amor não seja pequeno
 nem mesquinho
a ponto de te desapontar no caminho,
nem grande demais
para que eu não sofra com as desilusões
das despedidas e da falta de abraços.
Que meu amor seja calmo
sereno como um olhar maduro
que se encante com as pequenas coisas
que ria de atitudes ingênuas;
que meu amor esteja no altar
das orações dos aflitos
e que atenda a todos teus caprichos
alheio a mim e a meu desejo.
Que meu amor seja tudo e seja nada,
porque amor sem contradição
é confissão de culpa
é carta de condenado.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Canção dos noivos ausentes

Não aceito que me recriminem a dor
pedindo ilustres versos de Amor
se é Dele o resultado de tamanha afronta
que comprime o meu peito e extrai a frio
o azeite da vida que antes ungia meus lábios
em fervorosa adoração tremente [demente].

Mas, ah, que venha, então, a alegria
o ócio da solidão a encher os quartos,
a cama agora em seus doces espaços
a acolher outro corpo que não unicamente o meu.

Porque se da vida se exige alegria
não quero mais experimentar a nostalgia
que é mania de te ter todos os dias
mesmo muda a espreitar com os olhos
a porta aberta e a proposta da partida.
Vá, não te prendo mais no quadro de meus olhos
e deixe aqui a santa paz da doce alegria de estar só.



  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...