quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Tuas palavras

Enquanto falavas, 
deliciei as palavras de tua boca.
Engoli cada nota musical
expelida pelo batom de teus lábios.
Desenvolvi com as tuas palavras
 uma relação carnal e espiritual.
Penetrei as palavras de tua boca,
senti-as em minhas mãos molhadas.
Tive a tuas sílabas nuas em todas
as nuances e contornos sonoros
Por fim, engoli tua língua
na esperança de reter tuas palavras em mim.


 

Fui engolido pela boca escura da noite
negaram-me o direito ao último raio de sol.
E nessa densa prisão de treva
doei meus olhos para as estrelas,
mas o brilho negro deles
não pôde estampar no manto escuro da noite
nem sequer uma piscada trêmula
para avisar a algum perdido expectador
que eu estava ali e ele podia me esperar.
Porém, sozinho, isolado em mim, mergulhei
no útero das trevas e fetalmente adormeci.

 
O pão nosso, o pão de todos sem restrições
o pão do pobre, o pão do rico
o pão da Páscoa, o pão da última ceia
o pão da renovação da ceia,
o pão-pão, o pão hóstia, o pão de cada boca.

Assim, todos os dias os dedos são engolidos, abocanhados
a cada fatia de pão quente entre os dentes,
as mãos são devoradas com a massa
e amassam o pão novamente na boca do meu estômago
e sacia a eterna fome de pão da Humanidade.

Quando eu morrer, deixem-me assim
com este sorriso de desprezo ao nada
e alegria por dar as costas ao mundo.

A expressão lívida de alívio
liberta do peso opressor das obrigações
surgirá com o rictus de ironia à morte.

Quando eu morrer, o riso de expressão muda
na face dura e rígida como pedra
será o não que disse à pesada vida.



terça-feira, 28 de outubro de 2014

Minha Musa

Minha musa é de inspiração difícil
dicção imperfeita, rima trabalhosa.
Dura ao engaste da palavra,
rebelde à convulsão de meus neurônios.
Não é bela nem inculta
não visitou o monte parnaso,
mas frequentou as ruas, as esquinas,
saiu trêbada dos bares e cambaleante
desceu o morro ao som de um pandeiro lírico.
E quando todos pensaram que ela tropeçaria,
empinou o nariz ao ar e posou de rainha.

sábado, 25 de outubro de 2014

No, yo no la tuve...
imposible tenerla
fue sólo una liviana sensación
pegada a mi cara
de un aliento brusco y sin voz.
Esta concha nacarada de miel roja
que se me niega el dulce
mientras yo estallo en placeres ajenos.
Yo, heredero de la semilla de maíz,
que brota en llamas de la tierra
y soy dejado a la nada
por la ausencia de tu voz.
 
Na abóbada invertida de teus seios
comungo dos mitos religiosos da vida.
Reencontro-me contigo nos momentos originais
e tomo o leite da volúpia e do desejo
que mana de teu corpo líquido de calores.
Nas formas circulares de tuas coxas
na baía de teu ventre macio
bebo do Lete e abandono o passado.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Réquiem dos casais


Não que você seja pouco
nem tampouco me desfaço de sua pessoa
mas comigo você é sempre mais
e não posso conviver com a covardia
de ser menor do que você.
Não está em você, está em mim
essa necessidade de ausência
para senti-la presente dentro de mim.

O tempo avisou que passaria
mas não quis acompanhá-lo
em suas correrias, fiquei para trás
e não me arrependo de ter resistido
ao seu poder devorador de sonhos.
Porém, não quero ser livro
para a traça do tempo corroer.

Não sou mais dono de mim
arrendei-me à poesia
e o que ela produzir
dividiremos de "a meia":
os lucros e as perdas.

O poema represado dentro de mim
explodiu em um jorro de palavras
arrebentou a barragem
ganhou a força da natureza
excedeu os limites das linhas
não tomou conhecimento das margens
e fez a si próprio correnteza
arrastando o que havia dentro de mim
para o abismo das palavras e das sensações.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

A Cassiano Ricardo

Na barriga do sapo boi
qual um lampião brilhando na escuridão
houve uma explosão de fogos de artifícios.
Os pirilampos em festa
comemoraram a passagem
de ano no brejo de suas almas.

sábado, 18 de outubro de 2014

Manifestação

Há tiros e sons de revolta dentro de mim
uma granada bomba arrebenta a cada batida
do coração descompassado.
Sou enorme e não caibo dentro de mim.
Os gestos são reações de guerras
fronteiras tomadas à força
reivindicações tardias do direito de falar
e desfilar pelas ruas fora do carnaval.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Trópicos, utópicos,
utrópicos, utopias
miopias da UR-EPOS;
macunaímicas epopeias
de cegos caminhantes,
pelas veias abertas
da América Latíndia.
Cruzei Macondo, Comala,
Manorá e me perdi em Marapatá.
Desmemoriado e sem rumo
dei no enorme formigueiro
do centro do Brasil.
Sou latinobrasilamericano
e esta é minha aretê.
 

Poeta, pintor, professor:
pedreiros das palavras e das cores
imersos na eterna construção
de seres reais e imaginários.
Qual a origem da argamassa
que prende os sentidos às suas pinceladas?
Impossível saber de onde vem o dom
bendito ou maldito, aí está!
É preciso sair do prumo, do esquadro
para ver a liberdade:
o poeta, do papel que o prende
o pintor, da tela que o limita
o professor, da sala que o retém,
assim, construirão mundos novos nas nuvens.


Despojados na cama
espreito teu olhar
esmaecido contra a luz
filtrada pela cortina.
O sol, amante ferido, 
roça teu corpo em suaves raios.
Contemplo a estátua despida de tuas formas,
teu olhar de desdém ao sol
e vejo nascer de teu púbis
a aurora de minha manhã.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Oh, Ariadne, dá-me dos fios que aprisionam teu corpo
qual um novelo enredado no bronze de tua pele.
Para que desenrole teu vestido de flores
e teça para nós um lençol
com o colorido da estampa florida.
Sobre esse jardim macio encontraremos
a saída para os labirintos da vida.
Com as sobras dos fios atarei tuas mãos às minhas
e se houver labirintos, neles nos perderemos juntos
e a morte se fará mais bela em seus enredos.

Perfil

Não...não...não reclamarei
nem pedirei que me olhem
estou aqui e basta
sei de mim, é o mais importante,
se não me virem, pouco importa,
existo e isso é o suficiente.
Não sou apenas esta foto de perfil;
as palavras que me definem,
os gostos, as preferências,
as exigências são formalidades
incorporadas à obsessão de definir.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Os olhos do desespero 
saltaram da foto.
Formas de intrigas
angústias e histórias
veladas ao observador
desesperaram os olhos
no quadro do rosto
do até ali feliz espectador.
Obsedado, hipnotizado
sentiu o flash congelar
seu momento e jamais
se soube de quem era o retrato.

 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Esta noite me sinto disponível
à poesia e seus versos
a seus dedos de cristal
a seu mundo mágico
estampado de palavras.
Ali sou rei e declamo
versos de amores estranhos
envolvido pelo lirismo da aguardente.
Sento à cabeceira da mesa
sou adorado e tenho meu harém
de palavras nuas a dançar
suas volúpias diante de meus olhos.


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Não que eu queira ser maldito:
poeta maldito.
Mas quando nasci
a ave negra da poesia
piou no leito de minha mãe.
E desde aquele fatídico dia
passei a voar nas negras asas
desta companheira insana: a poesia.
 

Amor platônico

Buraco da fechadura
câmera inocente
de ensaios do pequeno voyeur
o ângulo é restrito
mas o prazer da descoberta é imenso.

Felicidade inocente
de saltos por jardins imaginários
no balanço da doce bala
na boca da criança.
Se a vida fosse doce como bala
também jogaria amarelinha 
no céu imaginário de teus olhos.
Mas, a bala se derreteu com a infância
e hoje o doce é amarga lembrança
dos tempos idos de infância.

domingo, 5 de outubro de 2014

"Malandro é malandro, mané é mané"

Convidaram-me para um baile rala bucho
Inocente de intenções esbarrei em sua barriga
Descantei lirismos baratos de formas prontas.
Você ga-ga-ga-gargalhou um riso amplo.
E no rala coxa do salão
enganchado nessas pernas morenas
vivi meu momento malandro;
arrochei o abraço na sua cintura
senti seu sexo molhado de suor e prazer.
Mas quando dei por mim, barriga para cima,
vi somente as estrelas de um céu artificial
e uma verdadeira via-láctea de bocas brancas
a emparedar meu horizonte.

Esta cicatriz em meia lua é direito alheio
ao sofrimento pessoal.
Não me pergunte onde ou quando a consegui.
A navalha em seu brilho frio
ainda corta a íris em lances de luz.
A marca no rosto é memória
perene de um crime
que comenti contra mim.

Estou indo
tenho de ir
ficar mais não posso.
Vou buscar
não sei bem o quê
mas preciso buscar
preciso dar a alguém
este vazio insano
compartilhar em um abraço apertado
o espaço em branco que há em mim.


Caiu uma gota de lágrima negra
nas páginas amarelecidas,
pintando as linhas com tintas fúnebres:
marcas de necrológios ineludíveis.
Saudades inimagináveis revelaram-se
na distante genealogia familiar;
mortes absurdas, suicídios, loucuras
desfilaram nas páginas genésicas.
Percebi-me sentimental e nostálgico
diante daquele longo cortejo imemorial.
Último membro remanescente do clã
suspirei e joguei a última pá de terra,
encerrando assim os fantasmas
no eterno túmulo das palavras.

 
Nas tramas da vida
é fácil enredar-se
difícil é dar no pé
safar-se pela esquina
fugir daquela mina.
não cair na rotina
dos beijos repetidos
das declarações vazias
das reconciliações de ósculos entre cafés
nos lábios lambuzados de manteiga.

Oriente
Oriente-se
não perca a direção
nos caminhos de dunas
uma bússola é essencial
caso não tenha uma
estendo-lhe minha mão
melhor se perder em dois
pelo longo caminho a percorrer.

Compassos de pernas brancas
entre passos de dança;
giros de rotativas seduções
articulam-se nas flexuras
de teus artelhos de flores.
Se pudesse, alçaria-te
sobre uma caixinha de música
para [ali, palco particular] fascinado ver-te
girar em teus contornos de bailarina.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O sol entristecido
encostou sua cabeça no horizonte da tarde
e derramou seus últimos raios de saudade
do dia, que em derradeiros acenos
dava de sua luz o último ar da graça.


Do alto do orgulho 
da minha humildade
em matéria de ironia
sou o rei da zombaria.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...