domingo, 30 de outubro de 2016

Tragédia escolar

Não sou bom
em matemática,
mas sei que dois mais dois
podem fazer três.
E se no incalculável do destino
o símbolo de soma
na malandragem dos astros
resolver dar uma estrela
dois e dois podem ser quatro.

Geometria

Escapo pelas tangentes
de teu corpo
porque tuas curvas
exigem de mim
um ângulo difícil
de calcular.
Sempre é mais seguro
e certo
ficar entre as paralelas
de tua pernas
elas me levam serenamente
à profundidade
do infinito de teu ser.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

O homem domesticado

Sou um homem como qualquer outro,
que precisa de um corpo
onde escorar-se
e do calor de peles alheias
para acariciar sob as mãos.

Sou um homem como qualquer outro,
que reclama do emprego, da mulher,
que amaldiçoa o governo;
depois se senta no sofá
com um copo de cerveja na mão
e espera que os filhos durmam,
para amar a mulher de quem reclamou
o dia todo para os amigos
e não tem coragem de se divorciar.

Sou um homem como qualquer outro,
covarde e domesticado como um cão
que abana o rabo ao ver seu dono chegar.

sábado, 22 de outubro de 2016

Defini as rotas em mapas sonhados
tracei planos audazes
caminhei onde não havia estradas
fiz dos caminhos descaminhos.
Não digo que cheguei a parte alguma,
mas quem chegou, quem atingiu o clímax?
Provavelmente, esse morreu
não lhe doem as juntas nos dias de chuva
não tem dos reumatismos as dores
nem a artrite aferroa-lhe o corpo,
essa maciez morna, esse material maleável
com que nos moldamos na vida.
Há um fim, sei disso, sabemos disso,
mas concluir-se, assim, com ponto final
e tudo é outra história.
Isso é para quem se despiu do corpo
e se pendurou no cabide da eternidade.


terça-feira, 11 de outubro de 2016

Aprendi a amansar
o olhar
controlar aquele brilho
jovem de desejos
todo água, todo sinais.

Dei às minhas vistas
um olhar de boi manso
que rumina o passado.

Olhos invertidos,
que olham para dentro
profundos de si mesmos.

Um olho todo memórias
carregado de bagagens,
brilhando no escuro d'alma,
que ilumina os cantos,
as histórias entre malas,
porta-retratos e quinquilharias.

Hoje, o olhar embaciou.

Traído pelo tempo,
vive de lembranças.

Trai quem à primeira vista julga
ser tristeza a falta de brilho
naquele olhar antes todo navegação.

É simplesmente a vitória
do olhar bovino, que tem a paz
de saber-se pleno de luz.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Desbrinquei de cedo.
Primeiro a tosse
depois a anemia.
Virei peça rara
de cristaleira.
Minha vó argumentava
de seus breves saberes
de quem curou as crias
no caldo de mocotó
e no ovo de pata,
que sangue virava água.
Todos arreceavam
d'eu desviver em breve
e meu nome era dito
entre cochichos
e arregalar de olhos murchos.
Pranteavam o defunto futuro
do qual ainda finado
me desconheço.
A menina loira
da casa de madeira
na curva da estrada
desemboca em lágrimas
no córrego atrás das mangueiras.
Chora a distância de dezembro,
quando a explosão rosa-amarelo
de mangas espadas
sobre uma cabecinha de fios de ouro
anunciará o tempo de novas bonecas.
À noite a menina sonha
com o dezembro encantado
das mangas chupadas
sob as copas das árvores.
Da explosão amarela entre os dentes
nascerão bonecas loiras
que ela lavará no córrego
no fundo da casa de madeira
que fica na curva da estrada,
onde tem uma menina loira
que sonha com mangas espadas
e seu mundo é maduro
e amarelo como o sol.

A propósito do dia das crianças

De pequeno
tive meu matadouro.
Era dono de pastos inventados
e o jardim era um pampa imenso.
Nele pastavam formigas
saúvas que davam gosto;
e eu, vaqueiro e dono,
[que a alheio gado não assisto]
contemplava orgulhoso
do alto de meu cavalo verde
de pernas de fósforo
e cascos de fogo,
meu gado formigal.
Deus de meu universo,
escolhia a dedo
a formiga mais gorda
e a degolava sem dó
diante das cigarras estarrecidas
que carpiam enlouquecidas
até anoitar o luto sobre o mundo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Quando te deres conta
de que me amas
e não há sombras
mais em teu olhar,
e sentires um desejo
enorme de sussurrar
em meu ouvido
essas doces palavras,
segredes ao espelho
teu amor, ele guardará
como teu melhor confidente
essa porção de amor
que cultivaste dentro de ti.
Escondas de mim teu amor,
porque a certeza deste sentimento
nem eu poderei roubar de ti
e verás sempre o brilho
de teu olhar refletido no espelho.
Uma mulher de finas mãos
colhe maçãs
às portas do Hades.
De seus seios brotam
peras e figos maduros.
Sua pele de cera branca
é um convite ao deleite
que nasce entre duas colunas
de onde escorrem brilhantes
fios de azeite reluzentes.
O seu ventre é protuberante
de uma lascívia gritante
e vê-se nele
[qual transparência translúcida]
Caim e Abel
a se destroçarem no breve
tempo entre o Alfa e o Ômega.

Sonhei que tragava teus olhos
e no céu de tuas retinas
havia o eclipse do sol.
Nunca mais teus olhos de fogo
devorarão minha alma
nem se cravará em meu peito
a lâmina dura de teu olhar.
Fecho os olhos
como quem fecha uma janela
e olha para dentro de si.
Contemplo vísceras, rins, pâncreas
e não vejo nada no futuro.
Guardo teus olhos no estojo do peito
como relíquias de um tempo
em que me devoravas com um olhar
e a dor de te servir
era como a alegria do amanhecer .

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...