quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Ainda tenho em mim
aquele Manuel Bandeira
quando a infância era só
"café com pão, café com pão".

Trago debaixo de meu braço
aquele volume de Drummond
das palavras mágicas e a constatação
da vida besta, meu Deus!!!

No espelho pela manhã
confundi meu rosto com o de Cecília
e coloquei minhas mãos frias
entre as conchas de suas mãos quentes.

Tive a certeza de Vinicius
de seja eterno enquanto dure
e beijei teus olhos como se fosse
a última vez do operário de Chico.

Eu, esse obreiro das palavras
só sabia questionar: E agora, José?
A vida é esse cotidiano dos continuamente.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Poesia...

Abandono-me a ti
solidão inexorável
das palavras mudas,
templo das imagens obcecadas.
Sinto a tua dependência
no meu gesto de calar
de me encerrar nessas caixas
a que chamo versos.
Não vejo o mundo fora de ti
acomodo-me à tua geografia sinuosa
e acompanho em suaves curvas
o destino torto que me legou
na herança das palavras soltas
o baile verbal do mundo,
onde me encaixei nas entrelinhas
e quase mudo aprendi a sussurrar
palavras, frases orações lúdicas,
sintaxes que não me conciliaram
com essa realidade chamada vida.


domingo, 18 de outubro de 2015

Estar só [...] a dose mínima
da porção de mim que gira
no carrossel das lembranças
traz a náusea dos fatos passados
que cavalgam espetados
no giro incessante do tempo.
Na roda da repetição
não respiro os mesmo ares,
só os fatos rejuvenescem
presentificam-se, alimentando
a dor do instante monumental
da sensação do tempo presente.
O carrossel da vida não cessa
somos atirados sobre seus cavalinhos
e giramos até encerrar o tempo
desse passeio pelo parquinho da vida.
Infelizmente, as pernas são curtas
e não posso descer antes do tempo,
estou à mercê do funcionário,
que desatento, olha o relógio
contando os minutos para desligar
a chave e encerrar o incessante giro
das catracas que movem a vida
daquelas pernas curtas que sonham
ser um cavaleiro e não percebem ainda
que lhes fogem o tempo e o caminho.

Decomposto,
o resto de mim,
ainda sou eu.
Pensei que o pó
me libertaria
dessa imagem 
que faço de mim.
Mas inaugurou
a dura eternidade,
a que me condenam
as religiões inconformadas
com o vazio.
Os sacerdotes me perdoem
mas ninguém me perguntou
se gostaria de ser eterno.
Aprendi a gozar a fugaz
ideia do vazio.
A ausência do tempo
conforta com mãos macias
e curam as feridas da eternidade.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Na ausência de teu corpo
velo fotos no retrato
a ausência se pendura
no fio da memória
e incomoda como uma
faca cravada no peito.
Essa sensação que não termina
a percepção de que não é o fim
alonga a dor incurável da ausência. 
Se a memória é do passado
por que essa dor é do presente?

Soube que era um rato
tive a sensação de ser um rato.

Preso na ratoeira da vida
fui pego em flagrante
roendo retratos de uma
história inútil. 

As pessoas não gostam de ratos
sou um rato na ratoeira,
mas meus olhos congelados
ainda incomodam os que passam.

E agora todos se abaixam
para ver os olhos do rato.

Estou no centro do retrato
a ratoeira é um templo.

O busto no oratório é o meu
e como rato sou adorado.


A dor de ser eu
não é maior 
do que a dor
de ser Outro.

O Outro que me dói
que me arrebata
é de ter um corpo
como limite do meu eu.

Meu fracasso:
sempre ser eu
nunca aprendi a ser o Outro.

Esbarrei em fronteiras
encontrei as trincheiras
e como sou somente eu
abandonei o campo de batalha.


Ah... teu corpo
o ritual das horas
a via crucis do desejo
a umidade rasa
dos naufrágios. 

Os pássaros de agouro
nunca trazem boas notícias
por isso o clima negro
que cerca meu dias
lembra o piado que 
inaugurou meu primeiro
choro no mundo visível.

E aí surgiu teu corpo
com a promessa das delícias.
E sobre ele pousou o pássaro
aquele mesmo que me recebeu
no mundo com o canto.

Soube ali que começava
a guerra florida
e só me restava iniludivelmente 
"la noche boca arriba".


Impossível o amor
essa palavra irascível
o ódio contido em doce conluio
de um par de inimigos
que dividem a mesma cama.

Impossível o amor
essa tragédia cristã
na qual os casais se crucificam
pelas manhãs entre xícaras.

Impossível o amor 
empacotado em reality shows
e pacotes de canais privados
que alentam os sonhos da classe média.

Impossível o amor
essa palavra antiga
falha da criação quando
o mundo ainda era verbo.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Não faça versos,
faça sexo.
Essa masturbação
de palavras
nunca encheu
uma cama.
Por isso, todo poeta
é solitário
otário, vário,
em seu desvario diário.
Não faça versos,
faça sexo.
O gozo
ao menos
é real.
Mesmo que fugaz
preenche de adeuses
esse longo ensaio da
vida em se despedir
do mundo.
Não faça versos,
faça sexo
que a morte
como noiva
é ilusão de poeta.
Não faça versos,
faça sexo
porque na campa fria
ninguém deita acompanhado.

Quero o poema que reúna todas as pessoas do mundo
alegres e tristes, negros e brancos, pardos e amarelos,
todas unidas no encadeamento dos versos
de mãos dadas, livres de conceitos e preconceitos
que nos atam em celas todos os dias.
Quero o poema liberdade, livre de regras
cheio de desejos, de sonhos, prenhe de vida
capaz de encher as pessoas e suas almas
com o sentimento de poesia que me inunda.
Quero o poema que transborde as barreiras
exceda as margens estabelecidas entre o mar
e o limite das areias da praia morna.
Assim, quero o poema. Sem regras, livre
para ser poesia, dono de si, de mãos abertas
sempre pronto a afagar os versos ondulados
de um corpo nu que salta entre as ondas do mar.

Vi um pássaro da janela de meu apartamento
não era belo, era desprovido de encanto, feio.
Era um filhote, não se pode dizer que era
um passarinho desses de se pôr na palma da mão.
Não estava implume, mas ainda lhe restava
uma penugem branca sobre as penas negras.
Seu bico era longo, adunco, cravado entre
um par de olhos negros amedrontados.
Provavelmente caíra do ninho e sozinho
tinha receio de mim que o olhava.
Ficamos nesse olhar silencioso dias.
Pela manhã abro a janela e vejo
no telhado da garagem meu pássaro.
Olho para ele e ele para mim
irmanamo-nos nesse olhar negro e sombrio.
Hoje abri a janela e não o encontrei
meu pássaro voou ou morreu, não sei.
E só restou o vazio daqueles olhos negros
daquele urubu soturno e solitário com quem
compartilhava as primeiras horas da manhã.




Da série Haicais

Ensaio para o fim

Surge na mente uma quimera
ainda primavera
no outono das dignas eras.


Promessas

Quem nunca de si por si
sofreu da ilusão
e prometeu ficar só?

Sedução

Encompridei da conversa
o ritmo dos lábios
fiz a ponte entre nós dois.



  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...