Houve um tempo em nossas vidas que era lírico o mandar cartas. Agora mandamos mensagens de Whatsapp, áudios, vídeos nossos e alheios e perdemos a conexão verdadeira com o mundo e com as pessoas. Pela manhã, recebi um vídeo do Tik Tok com uma carta de Fernando Sabino para Clarice Lispector e fiquei pensando como estamos vazios de conteúdo hoje em dia. O texto é lindo e nem parece que era uma carta, mas tinha sentimentos pungentes.
Lembro-me de na minha juventude ter mandado algumas cartas. Ainda era a época em que não havia esses aplicativos de mensagens e, então, recorríamos aos correios para enviar nossas correspondências. Isso foi um curto período, porque logo vieram os celulares e com eles começamos a mandar mensagens. Antes, porém, troquei alguns e-mails. Em substituição à carta havia a velocidade do correio eletrônico. Ainda era algo semelhante à carta.
Veio-me à lembrança agora da longa correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Henriqueta Lisboa. Os sentimentos eram puros à medida do possível. Trocavam experiências poéticas, impressões sobre o mundo e deixou-nos a dúvida se havia ali um sentimento de amor platônico, algo que não precisava ser físico para ligar os dois.
Pode ser saudosismo este o se lembrar das cartas. Pergunto-me, porém, quando teremos novamente intelectuais trocando cartas, debatendo ideias, movimentando o mundo com seus pensamentos profundos? Como fazer isso no Whatsapp? Impossível, fomos invadidos pela rapidez, pela pressa das mensagens que ficam com pontos azuis na tela e se demoram a nos responder, já ficamos irritados.
A carta nos dava o tempo de pensar, refletir, amadurecer as ideias, ter raiva, ódio, amor, perdão e depois responder ao interlocutor. Tínhamos o tempo íntimo para sentar à luz e responder ao nosso amigo, amiga, amor ou simples paixão. Era o tempo da espera, do questionamento: será que minha carta já chegou? Terei resposta em breve? A pessoa mudou de endereço? A carta encontrará seu destinatário?
Os serviços de correio hoje são para entregar contas, correspondências de bancos, compras que fizemos pela internet. Há anos não vejo uma carta pessoal na mesa do condomínio. Todos os envelopes são de mala direta, de bancos, empresas, associações de caridade, sindicatos e o que mais houver de impessoal.
A carta era íntima, vinha selada, tinha as letras do remetente. Desde o envelope fechado havia as marcas de quem nos escrevera. Havia, depois, a ansiedade em abrir o envelope, desdobrar o papel, ler e reler naquela intimidade das letras o que nosso correspondente nos queria falar. Sem dizer que receber uma carta era sinal de que alguém se importava conosco, que no mundo alguém se lembrara de nós e tirou um tempo para nos contar o que estava vivendo.
Esse tempo das ausências foi embora. Fomos devorados pela pressa e pelo desejo de comunicação rápida. Somos seres irritadiços, tristes, ansiosos. Antes cozinhávamos o tempo em dias, semanas, meses, até que a carta nos encontrava em nossas casas. E era uma alegria ver uma carta sobre a mesa a nos esperar.
Não pedirei que ninguém me escreva uma carta, o tempo dos papéis arrancados às folhas de caderno já passou e com ele nos tornamos seres digitais. Provavelmente, mais rasos em nossos relacionamentos que exigem o "eu te amo" delivery. Sou de uma outra época, sou de um outro tempo, perdido no século XXI; ao menos tenho o prazer de dizer que mandei cartas e as cartas que deixei de enviar, ficarão todas em minha mente à espera de um tempo que não volta mais.
5 comentários:
Lindo, professor.
Profundo e verdadeiro.
Também sou da época de mandar cartas. Sinto falta ...
Realmente um tempo que se perdeu...
Caro Weslei, texto lindíssimo, esclarecedor e profundo!
No passado, também escrevi inúmeras cartas. Hoje a tecnologia fez com que tudo se torne mais rápido, mas as cartas bem escritas, elaboradas e ‘perfumadas’ fazem falta.
No dia a dia, muitas pessoas buscam o imediatismo das coisas e deixam de lado o que há de mais profundo, dentro de si, para ser revelado. Talvez o ‘medo’ dos padrões impostos pela sociedade, talvez o próprio ‘medo’ em si. Talvez o que mais angustia é não sermos nós mesmos, todos os dias. Talvez ai esteja o imediatismo da tecnologia porque por meio dela podemos pôr máscaras e fingirmos sermos outras pessoas.
O que nos move é o amor e, a vida, em sua profunda sabedoria, nos mostra que o essencial é simples, tão simples que as melhores coisas passam desapercebidas no cotidiano, uma delas é olhar com atenção para dentro de si e percebemos o quanto somos especiais.
Verdade, Weslei. Tempo das cartas: período áureo da comunicação e das relações humanas. Durou séculos e , por que não dizer, milênios.
Que texto lindo, professor ! Isso me fez lembrar a época em que a minha mãe se comunicava com os familiares por carta, era uma alegria quando o carteiro passava na rua, pois esperávamos ansiosamente pela resposta rs.
Que texto lindo , professor! Lembrei da época em que minha mãe mandava e recebia carta, adorávamos quando o carteiro passava, pois esperávamos por respostas, novidades entre tantas outras coisas . Confesso que ter acesso à internet facilita muitas coisas, inclusive a comunicação, no entanto, não se compara à experiência de esperar por uma carta, ou de sermos cobrados o tempo todo, já que a vida nas redes sociais exigem que estejamos o tempo todo on-line.
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