terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Ensaio para a poesia ou o argumento de um desesperado

Não, não posso te deixar sair;
és pura demais para este mundo.
Dorme e eu te acalentarei
como a mãe que tem nos braços
o filho a quem tanto desejou.

Não, não posso abrir a porta,
sei que partirás e não me preparei
para este momento de vazio.
Como viver cada segundo 
sem este sentimento indecifrável
que me oprime e me alegra o peito?

Não, não posso mais viver sem
esta companhia silenciosa
sem esta poesia que me arrebenta
as cordas que mantém meu coração
preso ao fio de até ontem uma vida medíocre.

Não, não vás; só te peço que não me deixes
nem acenes com a cabeça o certo adeus.
Como te olhar pelas costas e perder
da ponta de teus dedos o toque sensível?

Não, não saias! Sei que sou ridículo,
mas, este momento, esta carícia, esta luz
só podem ser vividas agora, neste despertar
mudo e contente de tê-la só para mim.

E esta certeza da poesia só eu terei,
pois é impossível dividir com Outro
o que é só meu e foi feito só para mim,
que sentado aqui nesta cadeira,
vivo os últimos momentos
antes do inevitável adeus.


Se faltares a razão
ao psiquiatra não vás.
Vás pular carnaval,
que é o divã dos loucos
e a cama dos insensatos.
A felicidade não é eterna,
mas pode durar três dias
e um feriado.
E se tiveres de chorar,
tens aí a quarta-feira de cinzas
para te consolares.
Nas contas da vida
errei os cálculos,
fui um mau engenheiro,
minhas construções ruíram.
Quis a monotonia seca das retas,
mas não contava com a beleza da curva,
essa alegre surpresa
que desmorona os edifícios
da razão e põe escoras 
nas paredes do coração.

Tempo de ausências


Comprimo o vazio com as mãos,
espremo o ar  entre os dedos
e sinto esse vazio tão presente
a ocupar todos os espaços.
Cada canto de meu ser antes indivisível
agora se preenche dessa ausência
que habita até o limiar do corpo e da alma.
Percebo fragmentos, partes de mim se soltam
e integram o ar, tornando pesada a respiração.
O peito pesa o tamanho intangível deixado
pelo espaço em que cabia a imaginação
também de uma outra ausência,
construída de fantasias e focos de luz
que desenhavam sobre a tela um rosto.
Esse mesmo rosto não deixará de existir
está fossilizado nos pigmentos de cores
em algum porta-retrato esquecido sobre
uma estante a contemplar o vazio
de uma outra ausência anunciada, muda
inconfessável como os segredos guardados
no silêncio que lhes cabem.
Nesses vazios somos você e eu de mãos dadas
e nada une tanto quanto a ausência
quanto a incerteza dos caminhos
que nunca chegaram a existir.
Nela [na ausência] não há espaço  para despedidas.
Ali o mundo se encerra e o tempo
não pode em seus domínios
exercer o poder do fim.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Um poema de Amor

Um poema de Amor
é tão difícil quanto o Amor.
Um poema de Amor
jamais deveria ser escrito
deveria existir no silêncio
na ausência de palavras.
Um poema de Amor
não deveria caber em versos,
deveria ter a medida certa,
ser parco de exageros.
Mas, quem nunca exagerou no Amor?
Um poema de Amor
não cabe no curto tempo
de um coito entre corpos,
nem deve durar o breve
suspirar de um orgasmo.
Um poema de Amor
não cabe nas análises de sintaxe
nem na coerência dos textos.
Um poema de Amor
deveria durar para sempre
e mesmo nas noites de ausência
ser lembrado entre lágrimas e sorrisos.
Um poema de Amor
deveria durar para sempre
e não caber no adeus dos amantes
esgotados daquele mesmo Amor
pelo qual um dia suspiraram
de chegar a exigir a morte
a aguentar o peso de jamais
ter vivido um Amor.
Um poema de Amor
jamais deveria ser escrito,
mas também não seria um poema de Amor
se por timidez ou mediocridade 
fosse para sempre calado
no peito de quem ama.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Batom!!!

Princesa, princesa, princesa
batem agitadas as palminhas
de uma bebê ao ganhar
um livro de colorir.
Princesa, princesa, princesa,
me deram doze gizes de cera,
se dois deles forem batons,
podes ficar com os outros dez.
E majestosamente a bebê
passa em seus lábios rosa
o giz de cera.
Em suas mãos é um batom
e o mundo gira alegre
fora do tempo e das horas.
A bebê sorri infinitamente;
estende as mãozinhas e diz:
BATOM! E O MUNDO
É VERMELHO E NÃO TEM FIM.

Poema quase conto

Vendo sonhos em cestas de pães
há flores amarelas em um jardim
estampado no tecido
de pernas infantis
que saltam atrás de borboletas.
Abro horizontes
e florescem os sonhos
nas asas dos anjos de louça
sobre a estante de vovó.
Sou um mosqueteiro montado
em um alazão de cabo de vassoura.
Marcha soldado,
o capacete é de jornal
e a espada de espeto de churrasco
persegue um dragão de quatro patas
que late alegre ao redor de minhas curtas pernas.
Balança sob a copa da árvore a princesa azul
e em meus sonhos infantis devo salvá-la
trago de presentes balas 7 belo,
guarda-chuvinhas de chocolate
e um pedaço de bolo de cenoura
furtado às vistas de mamãe.
Conquisto a princesa e felizes para sempre
descemos embalados em uma Monark vermelha
a ladeira onde fica a casa de vovó.




Despertar

Quando teus olhos pousaram sobre os meus,
inaugurando essas manhãs de silêncio
e expectativas brotaram como galhos em primavera,
senti que aquele gesto azul trazia suas gaiolas.
O medo de mudanças entrou como maresias
e um gosto salgado temperou a tarde,
antecipando o contato dos corpos suados
a quem as águas do mar não matam a sede.
Teu corpo sabia à água doce
e tua respiração úmida de chuvas antigas
trouxe o cheiro da terra molhada da infância.
As razões não venceram por suas lógicas,
as águas dos céus misturaram-se às da terra
e a arca de teu corpo abrigou o animal preso em mim.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...