sexta-feira, 29 de abril de 2016

Eu sabia que ela viria
e, então, ela veio,
estendeu-me a mão
e qual trapezista ousado
lancei-me ao ar livre,
entrelaçando meus dedos aos dela.
E ela dançou e girou e rodopiou
diante da plateia de meus olhos.
Hipnotizado a segui
entre saltos e giros espiralados.
Eu sabia que ela viria
e, então, ela veio e passou,
deixou meus olhos
perdidos no vago espaço.
Mas ainda sinto o peso
de pluma de seus cabelos
apoiados em meus ombros.
Por isso, todas as manhãs
sento neste banco
e alimento doce esperança
de que ela volte
nem que seja um minuto
e eu a surpreenda 
dançando e girando
e mesmo nesse instante de ilusão
eu repita a ousadia do trapezista
que um dia fui e no ar
entrelace novamente 
meus dedos aos dela.

terça-feira, 26 de abril de 2016

O tédio, sempre o tédio
diante do circo das relações,
da bajulação miúda dos namorados,
das desculpas que justificam
os atos solenes mais sórdidos.
Sempre a desculpa para o gozo,
sempre a escusa do amor
para o sexo entre os corpos.
E nesse roçar que é porosidade 
passamos a vida enlaçando
braços e pernas na repetição
dos ponteiros do relógio,
que marcam o fim do gozo,
da ereção e, por fim, do amor.
E seguimos tecendo passados
nos intervalos entre um corpo e outro,
cavando com a pá do tédio
a cova rasa do amor
onde jazem enterrados os casais.
Estou fazendo uma sopa
e alguns versos.
Entre alhos e cebolas
jogo com o sal da vida,
cozinho meus temores,
arrisco meus amores,
e, por que não, os dedos
em novas experiências.
Mas, ainda sou eu
o mesmo de sempre,
em nada mudei
e tenho com o que me iludir:
a sopa é o refúgio
no qual me auto-devoro
em definições comestíveis.
 A despreocupada cor de sua pele
na indiferença do dia escureceu
o sol luminoso de meus olhos.
Justo eles que tanto brilharam,
ao te olhar não resistiram
à força de serem por ti ignorados.
O amor resiste ao ódio,
faz-se todo de pedra e rocha
frente ao choque das águas,
mas não resiste nem pode
com a dor da indiferença dos olhos
aos quais por doce ventura dos amantes
deixou-se estar, por desejo, prisioneiro.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Espelho

De quem é essa mancha
refletida no espelho?
Quando me tornei
esse ser bizarro?
Em que momento da vida,
doce ilusão de eternidade,
meus olhos se esvaziaram?
Quando abandonei o sorriso
e meus lábios se fizeram retilíneos
como duas retas paralelas?
Em que ano de meus anos
o espelho deixou de refletir
meus sonhos e esperanças?
Por que, espelho, deixaste
de acompanhar a evolução
de meus cabelos brancos?
Por que não me avisaste
que o tempo passava?
Por que nessa intimidade
de te olhar todos os dias
só eu não percebi
o que todos viam?
Onde está o meu rosto?
Em qual espelho do passado
deixei minha felicidade?

Não me pesam as palavras,
embora por elas tenha sido pesado.
Caminho na desilusão
das atitudes bestas
 e cruzando com gente idiota,
gasto bons dias, boas tardes,
faço-me gentil e disfarço 
a indiferença que me causa
a humanidade na miudez
de sua grande sabedoria.
Não posso ser nitidamente eu,
mero reflexo de espelho,
e me pesam como chumbo
as identidades dos outros
que carrego comigo.

domingo, 3 de abril de 2016

"México es un país de niños alegres y hombres tristes"
(Carlos Fuentes)
Acréscimo à epigafre
"O Brasil é um país de crianças pobres
e políticos ricos" 
Não posso suportar
a maneira como desenha
com teu corpo de engenharia
meus sérios descaminhos.
A maneira como sugas
corpo e alma e esvazia meu ser
deixando atrás de ti um rastro
de sabor de infância esparramado
por minha pele de bronze.
Vencido, entrego-me ao abraço
que esmaga meus ossos
embevecido dessa língua
que toda giros e contornos
torneia em enleios sinuosos 
a base circular de meu pescoço.
Vivo meu Éden ou de Colombo
com meu corpo de Caribe todo sol
semeado sobre o campo de teu ventre?
Sois deusa, sou deus, somos deuses
nesse mundo recriado de prazeres
sob uma tenda de sol qual ilha do amores,
enquanto nos amamos a trinta e oito graus
num insano claro meio-dia de verão.

sábado, 2 de abril de 2016

Há um céu azul
terrível lá fora.
Uma explosão de luzes
e cores intensas
inaugura a manhã
e entre augúrios espectrais
as folhas verdes das árvores
enormes acenam ao vazio.
E aqui dentro tudo
é tão cinza como o inverno.
Tremo diante desta bestial
vista azul celeste
que me desafia a tomar
outros ares de vida.
Acredito que sinto frio
chego a tremer de verdade,
fecho cego as janelas
e desço as cortinas.
Aqui dentro deste quarto
vivo meu inverno
livre das estações
e protegido do céu azul,
que me desafia do centro 
de suas pupilas a viver ficções.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...