Creio no Cristo Negro,
que morreu extenuado
nos canaviais da América.
Pregadas ficaram suas mãos
no cabo do facão.
Creio no Cristo,
não No das quarenta chibatadas,
mas No dos inúmeros açoites
levados nas costas sob o sol
do meio dia em chamas.
Creio no Cristo sem água,
que se encharcou na cachaça
para sobreviver à fome do doce
mar verde dos canaviais.
Creio no Cristo Negro,
que não teve Maria Madalena,
mas foi obrigado a deixar mulher
e filhos na solidão da senzala.
Não creio no Cristo branco
de olhos azuis lacrimejantes.
Anseio pelo Cristo Negro,
que não teve quem lhe tirasse
o corpo frio do eito da cana.
Quero o Cristo Negro,
sem José de Arimatéia
e sem todas as mulheres
de Jerusalém a chorar
o túmulo vazio do Mestre.
Anelo pelo Cristo Negro,
sem cruz e sem placa de rei.
Desejo o Cristo Negro
que passa todos os dias pelas ruas
puxando a carroça cheia de papelão,
varrendo a sarjeta de nossas sujeiras,
e que pede uma moeda no farol.
Creio no Cristo Negro
de olhos vermelhos de sangue,
que chora os séculos de exploração.
Creio no Cristo Negro
de todos os livros apócrifos
sem História e fugido
para o Quilombo dos Palmares.