quinta-feira, 31 de março de 2016

E o céu se povoa de flashes....
será Deus fotografando seus filhos
ou o Criador está a tirar selfies?
Afinal, não há muito aqui embaixo
que valha a pena gastar a bateria
do mega ultra power Iphone
Divino em pequenezes.
Deus é grande, sua selfie
deve ser enorme e nós
das mesquinharias de nossos
apartamentos financiados
apenas assistimos ao incessante
relampejar entre brumas.
Então, só resta sonhar com
com um Deus enorme, 
de grandes mãos
tirando selfies sobre a chuva,
enquanto nos escondemos 
sob os pequenos
tetos de nossas incertezas.
 
 

 

quinta-feira, 24 de março de 2016

Cristo Negro

Creio no Cristo Negro,
que morreu extenuado
nos canaviais da América.
Pregadas ficaram suas mãos
no cabo do facão.

Creio no Cristo,
não No das quarenta chibatadas,
mas No dos inúmeros açoites
levados nas costas sob o sol
do meio dia em chamas.

Creio no Cristo sem água,
que se encharcou na cachaça
para sobreviver à fome do doce
mar verde dos canaviais.

Creio no Cristo Negro,
que não teve Maria Madalena,
mas foi obrigado a deixar mulher
e filhos na solidão da senzala.

Não creio no Cristo branco
de olhos azuis lacrimejantes.

Anseio pelo Cristo Negro,
que não teve quem lhe tirasse
o corpo frio do eito da cana.

Quero o Cristo Negro,
sem José de Arimatéia
e sem todas as mulheres 
de Jerusalém a chorar
o túmulo vazio do Mestre.

Anelo pelo Cristo Negro,
sem cruz e sem placa de rei.

Desejo o Cristo Negro
que passa todos os dias pelas ruas
puxando a carroça cheia de papelão,
varrendo a sarjeta de nossas sujeiras,
e que pede uma moeda no farol.

Creio no Cristo Negro
de olhos vermelhos de sangue,
que chora os séculos de exploração. 

Creio no Cristo Negro
de todos os livros apócrifos
sem História e fugido
para o Quilombo dos Palmares.




Aos que partiram
não restam senão
os adeuses mudos
as frases caladas
os abraços ausentes.
Os retratos parecem gritar,
mas também são mudos.
E essa solidão extrema
e esse grito preso sufoca
como mãos na garganta.
Porém, não posso acompanhá-lo
ainda não recebi meu bilhete
de partida e seu lado no assento
ainda segue vazio até o dia
em que também embarcarei
e, então, falaremos de coisas 
banais, como a vida.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Negrito soy

Tú me llamas negrito, hija mía
hija mía, negrito soy
y no me emblanqueces
cuando contigo me acuesto.
Si en las calles me llamas negrito
negrito soy, hija mía
y en el oscuro de mi habitación
no te molesta mi piel
cuando te cojo entre las sábanas.
Así, negrito sigo siendo, hija mía
porque tu piel blanca
no oculta el negro de mi piel
mientras descansas bajo 
la sombra de mis brazos.
Si me llamas negrito,
negrito soy, hija mía.

Despedida

Tua voz desceu
pelo despenhadeiro
de minha garganta
e se arrebentou
contra a boca
do meu estômago.
Vi os estilhaços
de minha face
caírem do espelho.

segunda-feira, 14 de março de 2016

O gozo é breve
por isso, te gozo
e me gozas
todos os dias;
e vivemos dessas
brevidades.
Breve a vida.
Breve o gozo.
Longa a ausência
entre os corpos.
Então, abrevio-me
em teu corpo
e faço de tuas curvas,
VÍRGULA
para que o espaço
entre nós
seja breve
como o gozo
que encurta 
a vida.
Que horas são?
Não sei!
Perdi o time,
errei o vagão,
cheguei atrasado
à estação!
Perdi o trem
perdi a vida.
Alguém, por favor,
mostre-me a saída.
Caí em mim
ou 
caí de mim?
Eis a questão!
O abismo é o mesmo.
No ano de tua ausência
não plantei flores,
abandonei o jardim,
vivi de outonos.
O cheiro do café
servido à mesa
traz a marca 
da ausência.
O fundo da xícara 
é um abismo,
qualquer açúcar 
é amargo
e a luz do sol cega,
é o astigmatismo
que me distorce 
os fatos da vida.
Fui diagnosticado 
inexoravelmente:
para distorções da mente
não há óculos 
que regulem o foco.
 

quarta-feira, 9 de março de 2016

Abelardo e Heloísa

Para aquela a quem faltaram
os verbos e as palavras doces,
reinvento em brilhos da memória
a face incandescente do Amor.
A memória trai em suas verdades
os heróis derrotados nas batalhas.
Vencido no leito nas artes do amor,
cavalgo em lençóis como vencedor,
porque das dores por ti deixadas
carrego comigo a cicatriz
de teu corpo, marcada no sorriso
daquele que de teu leito teve o melhor
dos sabores, o maior dos prazeres.
Pincelo com as palavras na tela
das ausências o retrato mais belo,
que brilhou a eternidade do instante
nos recônditos espaços da mente.
Perfeito o quadro, raro em beleza,
torno-me contemplador e museu,
guardião de tua face que nas ondas
de ausências e presenças 
é inevitavelmente sempre mais bela.

quinta-feira, 3 de março de 2016

O índio caçador

No Largo do Arouche
há um índio nu
no meio da rua.
Parado no tempo,
estático de séculos,
contempla as árvores
da praça à sua frente.
À noite, as girls sorumbáticas
de minissaias rotas brancas
ofertam quase nus seus corpos.
Algumas girls têm pênis
e o índio não entende
o lúbrico dos trajes menores,
nem os homens brancos
que trazem papéis coloridos
e brincam com os pajés
travestidos de girls.
Estatual, nacional libidinoso,
pelos séculos amortecido,
o índio acredita ser vingança
dos pajés contra os brancos
que trouxeram doença ruim
e deixaram Iracema de barriga.
O índio chora encarcerado
ao longo de todas as noites. 
Tem saudades de Iracema,
tem ódios de Martim.
Transformado em estátua
é pior que Adamastor
ninguém cantou sua vida
não teve a atenção de Camões
para dar brilho à sua dor.
Hipnotizado pela noite
o índio caçador,  triste despirocado,
vê as girls de falo em riste
arrombando os brancos 
numa grande pajelança
sob as copas da árvores.



terça-feira, 1 de março de 2016

Escrevo porque o Mundo
é Mundo
e não posso viver
sem esse estranho hábito
de apreendê-lo em palavras.
Escrevo porque sem as palavras
sou um aleijado mental,
não contento-me em olhar
o Mundo,
preciso tocá-lo com as sílabas
beijá-lo com os sons
de signos lascivos.
Escrevo porque não sei pintar,
não sei dançar, não sei cantar.
Escrevo porque você existe
e sem as palavras
seria com uma mera
imaginação sem formas.
Escrevo porque o Mundo
é Mundo,
porque não sei calar
diante das rotações e translações
que me propõem o teu corpo.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...