quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Estou disponível
mais do que isso
estou preparado
para recebê-la.
Tão sóbrio, tão dono de mim
consciente das possibilidades
prenhe de ideias.
Os sentimentos roçam
meu corpo pronto
a explodir em palavras.
E assim a recebo
de braços abertos
- nessa comunhão de signos -
a poesia nua
suja ainda de sangue,
mas já tão minha
tão parte de mim
que a chamo de
minha filha!

Essa mania de meditar
de postar os olhos no longínquo
vem de longa data
de imorredouras gerações
e já me fez deixar muita gente
soltando suas asneiras ao nada.
Por assim dizer
a meditação salvou-me
inúmeras vezes de gente cacete
enquanto eu pastava
em prados distantes.
Meditar é a arte
de fitar de olhos vazios
diante do desinteressante.
 

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Natal

Os ódio familiares recrudescem
as desavenças afloram
os desentendimentos cercam as mesas
corta-se o leitão com a mesma fome
de arrancar o coração do conviva.
A festa cristã traz as gueras,
as ditaduras, as mortes de séculos
à insinuante mesa familiar.
A mesa natalina está cheia de Judas
e os beijos só selam um ano mais
de traições, ódios e guerras que seguirão.
Hora de renovar o votos
e afiar as facas... a propósito:
Ao fundo toca o som daquela
pernóstica cantora entoando
"Então, é Natal..a festa cristã".

domingo, 21 de dezembro de 2014

Recolho-me do mundo
desta solidão
deste vazio
deste mar intransponível.
Esse lugar que não
se encontra a margem
este rio de pessoas
em ondas frenéticas.
Mar fundo
abismos das relações.
Sou um náufrago
de mim mesmo.
 
Gosto deste verso áspero
duro em si e nos outros.
A palavra rompante
a ferir os ouvidos
sujos dessa cera
dos bons costumes
das suavidades sociais
das hipocrisias familiares.
O verso lixa a madeira
carcomendo tradições antigas
que rebentam em cancros ordinários.
Esse é o verso ideal que desgasta,
desbasta, corta, apara as arestas
e te põe a nu como no dia
que saíste rubro das entranhas
berrando tua presença no mundo.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A puta amamenta
seu filho de meses
já tão acostumada
a esse gesto banal 
- que agora é limpo e frágil -
mas causa-lhe estranhamento
essa boca sem dentes
que não é a do velho
de gengivas podres
a satisfazer a lascívia
nada leite, apenas desejo.
A puta assim se consola
neste gesto tão banal
tão simples, tão naturalmente
MATERNO.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Eu a quis porque não podia ser minha
não que não a pudesse tê-la fisicamente,
mas não podia suportá-la
em suas crises e asceses de Circe.
Os deuses sempre estão distantes
sua beleza vem do inalcançável
a quebra do mito desilusiona
e adorar o que é humano
exige entrega de longas procissões
de uma eterna semana santa
em flagelos de navalhas
que não posso suportar,
nasci sem vocação para devoto.
Por isso, só posso adorá-la nua
na cama, despida entre lençóis
e destituída da ditadura dos altares.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Meus ossos estão infiltrados
a umidade do tempo os afetou.
Restaram o frio das relações pessoais,
as chuvas de inverno vistas pela janela,
as meias de lã para disfarçar a solidão.
Tenho um nó na garganta, mas o tempo
está úmido demais para chorar.
Consolo-me sorvendo o líquido
quente da cuia carregada de mate,
enquanto os que se dizem amigos
apenas ficaram na promessa de chegar.


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Joguei com o tempo
perdi as horas
atrasei-me para o trem
que partia da vida.

Parado na estação
vi os vagões vagarem
por longos trilhos
até a curva dos caminhos.

Amigos partiram para sempre
alguns familiares foram de companhia
sem tempo de dizer adeus.

Caí na piada da vida
a morte me pregou uma peça
e só partiram os entes queridos.


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Todos os dias alguém pula da ponte
todos os dias alguém teima em nascer.
Nada mais cruel e arbitrário que a vida
Não coube a nós escolhê-la
fomos atirados ao mundo
nus e dependentes por seres que
nos habituamos a chamar de pais.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Paixão Segundo Maria Madalena

O peso da cruz
é totalmente suportável
pois nela há o corpo
do meu homem amado.
Se não fosse a cruz
jamais sentiria o peso
daquele corpo inerte
entregue a meus braços.
Sempre amei um cadáver
fui sua viúva desde o início.
Cristo para mim não passou
do esposo eternamente ausente
a quem esperei em noites vazias
vendo à luz da manhã o caminho solitário.
Esta manhã de domingo não foi diferente
Nem na sepultura me esperou
nem a morte pôde retê-lo para mim.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Nesta vida andei com facas
entre os dentes, a lâmina
brilhando e o gume afiado
para enfrentar os obstáculos.
A dor da fome moldou
a dureza de ferro do coração.
Os sons dos tapas, os gemidos
de dor e prazer que antes atormentavam
fazem hoje trincheiras ao redor de mim.
Luto com o passado e 
com as vozes do presente.
Infelizmente ainda só tenho as palavras
e uma profunda covardia em usar armas.
 

domingo, 7 de dezembro de 2014

O mundo é chato
o mundo é horrendo.
Tem um pouco de ti
tem um pouco de mim.
E maculamos o azul celeste
planejado por Deus.

Sinto que foi vedado a mim
a vida normal dos demais humanos.
Em volta de mim
tudo se desmorona e
só restam os entulhos das ruínas;
homem em desconstrução
sentimentos deslocados
em um insano quebra-cabeças
do qual roubaram algumas peças.
Uma parte de mim sumiu
e não posso encontrá-la.
Tenho de me conformar com o que sou
ser inconclusivo, incompleto
sem possibilidade de conserto.


Nas noites de insônia
o cérebro arde nu
em seus loucos pensamentos.
São nesses momentos únicos
que vela-se um ser ausente.
O corpo em chamas
refresca-se na brisa noturna.
E a companhia de si mesmo
é uma inevitável parceira.


sábado, 6 de dezembro de 2014

O poeta é um ser encantado
nasceu com os olhos às avessas
por isso pode ver a alma
e o contorcer das vísceras.
Na alma do poeta há
a sedução do suicídio
e o sorriso da vida.
Contraditoriamente eu e os Outros
habitam o mesmo corpo.
Templo de adoração sacra e profana.
O poeta (re)inventa-se
ausenta-se de si
e ao mesmo tempo está ali:
mudo e irriquieto
a sorrir para dentro
deixando de fora o lábio
mudo e cerrado.

Repetição

O mundo é velho demais
para fazer de você
uma nova pessoa.
Nos giros da Terra
o homem se repete
e não é porque ela gira 
que o Sol surge ao Sul
e não é porque se dorme
que o homem amanhece outro.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Por que o céu arrebentou em águas
a saudade de você aumentou.
Talvez o clima de aconchego
das gotas bêbadas incessantes
a formar um espelho
d'água imperfeito,
fez-me perceber tua ausência.
Se fosse Romântico diria
que o céu estava riscado
por raios e trovões,
mas vejo o teto escuro
bovinamente calmo
a gotejar uma chuva mansa
que convida ao carinho.
 
Si - nes - te - si - a
Anestesia dos sentidos
anulação do tato, da visão,
picado por tua língua
víbora vibrátil no teto
da minha boca escura
gruta negra habitada
por presas brancas.
Sinestesicamente adormeço
vibram em meus ouvidos todos os sons
explodem em minha boca todos os gostos
formigam todos meus dedos
as narinas violentadas por cheiros mornos
zunem um milhão de moscas em meus ouvidos.
Sinestesicamente apago
na anestesia de teu ser. 


Sempre a escolha.
Certa ou errada
estamos confinados a ela.
Ninguém escapa
ao sim ou ao não.
Inevitavelmente temos de optar
e na eleição sempre
alguém perderá
deixará de existir
(no horizonte dos alheios olhos)
sairá insatisfeito ou irritado.
Mas esta é a sina
alguém deve ficar
"no meio do caminho":
ele é longo e estreito
para mais de duas pessoas.


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

YERMA

Sobre estas rosas tépidas
fiz nosso leito de amor.
Deixei que se abrissem as pétalas
e com elas abria meu corpo.
Esperei ansiosa pelo sêmen
estalar dentro de meu ventre
curando os arranhões dos espinhos.
Mas tu me transformaste
em leito de rio seco à espera
da chuva que nunca veio.
E eu qual pétala de rosa
murchei ainda nos verdes
anos da primavera.
Nem um filho, nem um sequer
para me consolar nessa prisão doméstica
a que me confinaram quando casei.


  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...