quinta-feira, 31 de julho de 2014

No cristal sujo de batom
mordi teus lábios.
Rompi o vidro
em um canibalismo imperfeito
misturei o sangue dos meus lábios
à digital vermelha
impressa na borda da taça.

No enjambement de nossos corpos
encontrei a extensão da vida
muito mais que a vida.
Agarrei-me às rimas ricas de teus lábios
e num gesto de elipse engoli tua voz.
Língua convulsa que roubou parte de ti
engolindo lasciva saliva
de mil Sherazades em uma noite.

Marquei um encontro comigo
e me desencontrei.
Perdi o passo de mim.
Em que etapa da vida me perdi,
desconheço.
Mas há anos não me encontro.
Uma parte de mim atirou-se da ponte
enquanto meu eu olhava 
o corpo que boiava lentamente
no remanso das águas.
Quando ensaiei um aceno
este corpo, não mais meu, desconhecido de mim
perdeu-se na sinuosidade do leito do rio.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Teu olhar:
Todo brilho.
Todo lâmina marcada.
Todo faca afiada.
Cortante relâmpago
alma, corpo e âmago
se distinguem nele.
 

Carência

Recolhi do vento partículas azuis de prazer
afagos momentâneos de lascívia, fazer
não diferente da vida.
Beijos secos e frios, mera lambida.
Instantes de carinhos efêmeros
logo desiludidos pelos golpes duros
de folhas secas a me esbofetear.


 

domingo, 27 de julho de 2014

Vejo em teu rosto
lábios de pedra a me ignorar
mas, eu, qual onda do mar
arrebento contra a rocha fria
indiferente momentaneamente
ao meu toque de sal e veludo.
Lentamente trinco teus lábios
insiro neles minha língua
e de tua boca jorram lavas
de desejos antigos, de épocas imemoriais.

O poeta vê borboletas no asfalto,
põe na escrita o corpo amado,
transcendendo a matéria em seus significados.
O poeta não vê o mundo, sente-o
rabisca-o com suas visões.
Distorce o mundo em um torcicolo
malandro e sarcástico.
Desconfie daquilo que vê o poeta,
pois jamais estará nos olhos dele.

sábado, 26 de julho de 2014

As flores rosas do ipê
estenderam seu tapete no asfalto
dando as boas-vindas aos transeuntes
ocupados demais para olhar o céu
e ver que sobre o fundo azul
havia flores rosas que tingiam a tela celestial.



Angústia do biografado

Jamais saberei como será composta
a última linha de minha história
ou será estória, inventada ou intepretada
por alguém que me compõe de tinta e papel?
Terei minha voz presa em escrita alheia
minha vida, não mais minha
relida por alguém que só dosou os goles
mas nunca sofreu as consequências dos tombos.
Assim será minha biografia
alheia a mim e à minha vida.

 

A escrivaninha em desordem,
cercado de livros de incompletas leituras.
Histórias interrompidas,
poemas deixados pela metade,
cartas rascunhadas e jamais enviadas,
deixam-me a amarga impressão
das relações rotas
que não habitarão minha biografia.


A vaga impressão de teu sorriso
me devolveu à adolescência.
Descompasso da vida
que se chocou contra o incompreensível
sentimento do amor.

Teu corpo em curva me enfeitiçou!
Odiei teu rosto.
Graças ao antídoto de tua face
libertei-me do encanto
e deixei teu corpo sinuoso
resvalar só pela vida.

Enferma

A moça branca no hospital
vestida de branco em lençóis brancos
espera a morte chegar.
Será a morte preta ou branca?
Verá a luz clara ou a noite escura?
Assim, a moça branca,
em lençol branco,
vestida de branco,
é posta em uma gaveta escura.


Pintar com palavras,
maldição de quem não sabe de pincéis.
É como ser cego em meio a tintas.
É só ter significantes para apontar
as lâminas coloridas.
Pincelar com palavras é depender
sofridamente da imaginação alheia,
é ser eterno dependente de quem lê.


Da obscura essência do ser amado
afogo-me em densas escuridões
de um jardim noturno
medonho e nefasto.
Caminho desconhecido.
Brincadeira de João e Maria,
deixando migalhas
comidas pelos corvos.
Desta senda não voltarei
ficarei perdido no escuro da noite
eterna treva no pio
das aves de mau-agouro.



sábado, 19 de julho de 2014

Girei os ponteiros do relógio
nostalgia de um tempo passado
de dar corda ao despertador
de girar a manivela da vitrola.
Impressão e ilusão de fazer o mundo
girar um pouco mais lento,
quando o som ainda não era tão limpo
nem a imagem tão nítida.


Gerundiais

Escute a vida pulsando
a chuva caindo, as pétalas abrindo,
as aves piando litanias, as meninas cantando
velhas cantigas de roda.
Faço dos batentes da janela moldura
e vejo o quadro vivo dos momentos lá fora.
A vida rolando, o tempo passando.
Descubro que o quadro sou eu
estático diante dos motivos da vida.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

No ar um clima de velório
prenúncio de muitas dores
morte física e espiritual
ritual de passagem para o oculto.
A luz do sol contrasta com o negro da vida.
A menos a terra me deixará
em estado de igualdade com os homens.
 
Poesia fuga, poesia maldição de quem escreve
Condição indigna para quem a realidade
tem o peso insuportável da vida.
Poesia sonho e fantasia
lugar de criação do ser
espaço de demiurgos
para quem a insatisfação
é dom demoníaco de querer outra vida.
 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Brinquei de roda com o anjinho do cemitério.
Dei voltas e voltas ao redor do túmulo.
Porém, ele de asas congeladas nem se mexeu.
Dei-lhe uma rosa, nem sequer me olhou.
Girei, girei, girei e quando vi
estava adormecido para sempre 
no canteiro de rosas guardadas pelo anjinho.
 

Canto a rosa de vidro
perfeita em seu contemplar mudo
cristalizada e fossilizada pelo tempo.
Jarro de vidro barato sobre a mesa
lembrando consolos e batalhas
que não atravessam a materialidade
da redoma de vidro e água.

Cantei a rosa imperfeita
vácuo e ausência de mim
nos dias passados pela vida.
Rosa sem pétalas, negra
carcomida de saudades e dores causadas
pelos aguilhões cravados no peito.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Cortei as mãos nos espinhos das palavras.
Essa cerca viva de poucas possibilidades
fez-me duro como aço, diamante não polido
de setas agudas disparadas pela língua.

Há pratos e copos quebrados.
Em minha memória ainda cortam
seus cacos, velhos punhais
de brilhantes lâminas no escuro.


Carrego uma pasta com flores secas
não são minhas as pétalas.
Mas roubei-nas de diários antigos.
Provas de um donjuanismo juvenil
que pretendo apagar de meus arquivos.

Sou homem: originado do barro.
Não estou na lama, sou lama
barro que suja, emporcalha
e vai secando até o fim da vida.
Aí, passarei a ser barro, terra seca, pó...


A poesia gritou dentro de meu peito
fez dele caixa de ressonância
bateria empolgada de escola de samba
fui obrigado a soltá-la na avenida
cheia de negaça e rebolados sensuais.
 

Risquei a página com o estilete de minha alma
sangrei-na sem saber que sangrava a mim.
Pacto de sangue e papel.
Desenho brutal da pré-razão.
 
O desafio da página em branco
a ausência de sentidos
na face limpa do papel.
Devo macular esta folha
com minha tinta negra de tantas épocas?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Dancei sozinho, baile canhestro,
(mas afinal sempre dançamos
a sós com nossas fantasias).
Te iludes ainda a pensar
que teu parceiro dança a mesma música?
Na contraluz do salão
percebi teu olhar de soslaio
a cobiçar outros ritmos.

Violentei tua boca com um beijo
estava exausto de teus versos
que flutuavam de teus lábios,
assim não enlouqueci com tuas metáforas
metaflores, metalábios de eruditos versos negros.

Tremi quando me reconheci em você
soube que ser igual
é quase insano.
Compatibilidade: maldita palavra moderna
desesperadora da fragmentação do eu.
Ritual globalizante
de um mundo formatado
e comandado por títeres desarticulados.

terça-feira, 8 de julho de 2014

No espelho de tuas unhas azuis
descobri-me velho.
Teus dedos morenos
qual adornos barrocos
destilam de tuas unhas
uma prisão incansável de me possuir.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Demorei a acordar
demorei a perceber que o poema
dentro de mim despertou ranzinza
e chato a reclamar a ausência
de um sol ainda sem luz.

Há um poema não escrito.
Ideal, mental perfeito.
Sua sonoridade
atravessa a eternidade.

domingo, 6 de julho de 2014

À meia noite sob a luz do poste
a encontrei iluminada como num palco.
Atriz principal de uma peça
monólogo arriscado na calçada.
E eu, figurante menor, a acompanhava,
cada gesto, cada movimento dos dedos
que apertavam o cigarro levado
calmamente aos lábios vermelhos.
Segui-na pelas ruas, pelos postes,
pelas calçadas e fiz as mesmas paradas.
Contemplei-na à beira da orla.
Encostou-se no parapeito, gestos calmos
subiu e atirou-se para sempre
nas ondas negras de uma noite infinita.

Oh, Deus, por que deixaste
o pecado deitado à minha porta?
Por que mandaste que eu me controlasse
se o pecado é tão belo e atrativo?
Por que cabe a mim e não a Ti resisti-lo?
Por que a mim esta tarefa tão árdua?
Sinto-me só e fraco,
tentado a ceder.
Por fim, abraço o pecado e vivo com ele
um romance intenso e banal.


O corpo se arrasta todos os dias
entre carros, motos, outros corpos.
Tomba da cama pela manhã
esperando o dia que tombará
pela última vez na terra.
O corpo se ritualiza,
entre escovas e esponjas se higieniza
civiliza-se para outros corpos.
Veste-se, sai e agora
corpo fechado igual outros corpos
dança o baile da sociedade.

Um suspiro
uma dose de si
a angústia da incompreensão.
Vi todos girarem
em torno da poesia.
Dança frenética,
ritual da chuva,
cerimonia genésica
no ventre dos versos.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...