sábado, 26 de outubro de 2024

 

A poesia é essa água que escorre pela boca

e desce pelas bordas

 rompendo a barreira dos lábios.

Diz e não diz

fabula mundos intangíveis

de pura ilusão e alegria.

Na poesia, caso com a mulher que sonhei

desilusão é coisa de romântico

meu herói é Mío Cid,

sou o conquistador de Espanha

e pela Andalucía coloquei a morena de olhos

negros na garupa de meu cavalo.

À noite, dançarei com ela sob a lua

e, ao contrário de Neruda,

 não direi versos tristes nesta noite de aventuras,

onde o campo verdejante será nossa cama.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

 Não era você sobre a cama

era uma fenda aberta

aos meus fantasmas e sonhos

que abria uma brecha no peito.

Dele saltavam anjos e demônios 

pequenos anões verdes e barbudos 

a girar em torno de minhas pernas.

Nessa ciranda mortal

estendi ao teu seio uma taça 

e me amamentei de tua seiva impura

e branca que escorria pelos meus lábios.

Era uma homem a devorar baratas

e o branco da goma inerte

era leite, sêmen, visgo

adubando o jardim de girassóis 

que brotava de meu peito.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

 Nua, ofereces a mim

a ilusão do teu corpo.

Desejo-te e aceito a oferta

sabendo-me navegante

sem porto nas ondas de teu ventre.

Perco-me e nada preciso dizer

sempre soube que eras nuvem

e que partiria às vozes

dos ventos báquicos do amor.

 Vejo bater à porta o tempo

e tenho a pressa dos minutos.

As horas me entendiam

e tudo é urgência.

As primeiras rugas gritam

a necessidade de amor.

O corpo lateja ao infinito 

e sem pudores

anuncio o cio dos animais.

Espera

 E depois da cama?

Este sabor de ausência 

a alimentar minhas lembranças.

Tenho-te e isto finda

por isso gozo-te

em todos os detalhes 

até a exaustão.

Sei que a morte me espera

e eu a adio vivendo em tuas entranhas.

Brinco com o tempo

faço do prazer a espera

que o gozo encerra.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Do encontro

 O que resta de ti em minha boca

é suave desejo de colher em teus lábios 

essa correnteza que brota arrastando 

os móveis dentro do meu peito.


O coração sem freio cavalga acelerado 

por um campo desconhecido

ignorando os perigos do caminho.


Em tuas mãos tomo de tuas águas 

levo à minha boca o sabor de tuas entranhas

estremeço e experimento o início de tudo.


Teu corpo existe

exploro, então, a geografia de teu prazer

tão sonoros são os gritos que adivinho 

virem de tua fenda de mulher.


Perco-me e isso é tudo.

Gememos alheios à insanidade

que só se aplaca com o grito gutural do gozo.




sexta-feira, 22 de março de 2024

 Onde a poesia?

Desço a este inferno mudo das palavras

que se calam diante dos fatos.

Emudecidas estão diante do horror cotidiano

da fome, da violência, da política.

Onde o poeta?

Esse ser que se arrisca entre as ruas

tropeçando na indiferença das pessoas.

As avenidas são binárias

as ruas seguem um único sentido

e todos estão de costas.

Torço para que brote do asfalto uma flor

que gentil alguém abra a janela

e escute em sua homenagem uma serenata invisível.

As crianças estão engaioladas nos parques infantis

Não se escuta nas ruas os gritos ardidos dos pequenos seres de sonho.

Submersos estamos no pesadelo

ninguém mais contempla o sol amarelo

todos usamos filtros solares

e em cápsulas tomamos a dose diária de serotonina

todos sorriem encabulados

e dizem ser o Alzheimer a doença do século.

terça-feira, 12 de março de 2024

A orientadora

 Chegou em casa já tarde. O marido quase a enfartar todos os dias. A longa espera fez dela uma mulher amarga. Preparou uma sopa leve e pôs em frente ao esposo. Enquanto tomava banho, questionava a Deus por que tamanha cruz. Outras amigas fizeram bons casamentos, os filhos eram bem decididos, só ela ali naquela prisão. Aos finais de semana, postava fotos com o amado, não fossem as amigas desconfiar de suas tristezas. A mãe tentara lhe alertar: "esse homem é velho demais para você, minha filha". Mas, apaixonada, não ouviu ninguém, casou com orgulho, fez álbum de casamento, pagou filmagem e aos domingos, almoço em família, jogava na cara dos parentes sua felicidade. Nas rodas de amigas comentava, entre feliz e até surpresa, sobre o membro avantajado do marido e ao ouvir os "ohs, amiga", convencia-se de sua escolha. Agora isso, o marido imprestável há anos, dependente dela, sentia-se uma cuidadora de idosos. Na esperança de um acidente, aumentava os pedaços de pão seco que acompanhavam a sopa todos os dias. Ao menos se tivesse beleza; outras amigas tinham casos com seus orientandos, ela, porém, com seus 1,54, via apenas a possibilidade de usar sua autoridade acadêmica. Isso a amargurava ainda mais. Ser possuída com o aluno de olho na banca de defesa lhe reduzia a estatura. Tinha pequenos prazeres, perseguia mansamente os colegas no trabalho, fazia denúncias, insinuações, colocava o tapete para os pés daqueles que estavam no poder e, assim, deixavam-na ter alguns cargos sob a ilusão de que era necessária. Nas redes sociais, a imagem empoderada, em casa, o marido quase a precisar de fraldas. Quantas vezes não limpou o vômito do esposo após a janta? Do banheiro ouviu a tosse seca que vinha da cozinha, aumentou o jato da ducha, ensaboou-se lentamente e quase com lascívia tocou seu corpo, não cabia a ela intervir no caminho natural da vida. 

sexta-feira, 1 de março de 2024

Convite à minha cama

Podias estar aqui em minha cama

macia

lúbrica

lasciva

molhada entre meus dedos.

Por que preferes a memória

se meu corpo queima

e deseja tuas carnes possuir?

Que delícias teríamos

se abertas as tuas pernas

me recebesses para contigo

nos deitarmos nesse mar

de ondas convulsas.

Tomaria teus seios

e me amamentaria em tuas veias

ouviria teus uivos misturados aos meus

se na minha cama te deitasses

e com dedos, língua e pênis te penetrasse.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Outras margens

Prometeu a voz divina

que da terra fluiria leite e mel,

mas o que fazer desta mistura,

se vivo de outras águas

e tenho a maldição de ser humano?

Queima-me a pele de outro corpo

e busco nas tuas águas

apagar a chama que me consome.

Tornei-me pastor de teus olhos

e com cânticos ao pé do ouvido

guiei-te mansamente às margens de outro rio.

Ali, sem disfarces, despimos as vestes

e pondo a nu a humana carnatura

descobrimos a geografia das águas.

Não, não nos importamos com o pó

que um dia serão nossos corpos.


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