Chegou em casa já tarde. O marido quase a enfartar todos os dias. A longa espera fez dela uma mulher amarga. Preparou uma sopa leve e pôs em frente ao esposo. Enquanto tomava banho, questionava a Deus por que tamanha cruz. Outras amigas fizeram bons casamentos, os filhos eram bem decididos, só ela ali naquela prisão. Aos finais de semana, postava fotos com o amado, não fossem as amigas desconfiar de suas tristezas. A mãe tentara lhe alertar: "esse homem é velho demais para você, minha filha". Mas, apaixonada, não ouviu ninguém, casou com orgulho, fez álbum de casamento, pagou filmagem e aos domingos, almoço em família, jogava na cara dos parentes sua felicidade. Nas rodas de amigas comentava, entre feliz e até surpresa, sobre o membro avantajado do marido e ao ouvir os "ohs, amiga", convencia-se de sua escolha. Agora isso, o marido imprestável há anos, dependente dela, sentia-se uma cuidadora de idosos. Na esperança de um acidente, aumentava os pedaços de pão seco que acompanhavam a sopa todos os dias. Ao menos se tivesse beleza; outras amigas tinham casos com seus orientandos, ela, porém, com seus 1,54, via apenas a possibilidade de usar sua autoridade acadêmica. Isso a amargurava ainda mais. Ser possuída com o aluno de olho na banca de defesa lhe reduzia a estatura. Tinha pequenos prazeres, perseguia mansamente os colegas no trabalho, fazia denúncias, insinuações, colocava o tapete para os pés daqueles que estavam no poder e, assim, deixavam-na ter alguns cargos sob a ilusão de que era necessária. Nas redes sociais, a imagem empoderada, em casa, o marido quase a precisar de fraldas. Quantas vezes não limpou o vômito do esposo após a janta? Do banheiro ouviu a tosse seca que vinha da cozinha, aumentou o jato da ducha, ensaboou-se lentamente e quase com lascívia tocou seu corpo, não cabia a ela intervir no caminho natural da vida.
terça-feira, 12 de março de 2024
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