sábado, 27 de julho de 2019

As noites

Aqui as noites são longas
loucas desvairadas
e eu contorço-me na cama
acompanhado da insônia,
esta amante insaciável das horas.

A noite salta diante de meus olhos
e seu breu me alucina.
Lobo aceso atrás do cio louco
remexo-me na cama ensandecido.

As mão se descontrolam,
o corpo entra em convulsões
estranhamente conhecidas 
e busco, amante, a flor em combustão
que me queima as horas.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Primeiros passos

Sobre a linha da imaginação equilibra-se a menina,
bracinho para cá, bracinho para lá e pernas oscilantes
desdenhavam da linha imaginária de seu destino.

Ainda inocente da vida, sua única preocupação
era equilibrar-se para não cair seu cão de pelúcia.

E o respeitável público dos pais
segurava o fôlego  diante de tamanha ousadia

daquela que há poucos dias chorava para não descer
do seguro colo que a mantinha.

Em um extremo: a mãe, no outro extremo: o pai
ambos esticando as cordas do coração.




Anjos no porta-retrato

- Papai, o que é isso?
-Um anjo filha.
-Mas o que ele faz aí?
- Não sei filha! Deve estar voando - [fala um pouco com desdém].
- Não, pai, olha para mim! [muito insistente]. Esse aqui na foto, com asas brancas e um vestido creme.
- Ah...esse aí, no porta-retrato...Deve estar protegendo as pessoas que ficaram presas dentro da moldura.
- Mas, os anjos não ficam na igreja, papai?
- Acho que ficam. Mas, papai está ocupado agora.
- Ah, pai, olha aqui...que é isso nas costas dele?
- São asas, filha. Os anjos têm asas - [pelo menos foi assim que me ensinaram].
- Mas, por que eles não voam? Ficam aí parados? [momento show da Luna e suas intermináveis perguntas]
Pois é, filha...quem explica isso? [no fundo está extremamente irritado, mas responde à filha com o máximo de serenidade possível].
- Não sei filha, papai está ocupado, brinca um pouco.
- Tá bom, papai. [o que pode ser um estou livre para fazer tudo].
Alguns minutos depois o pai resolve olhar o que a filha está fazendo. Ao entrar no quarto, os anjos do porta-retrato estão com chifres e as asas quebradas.
-Eles não voam mais, papai.
-Ah...estou vendo, estão sem asas. Eles viraram diabinhos...mas tudo bem, depois explicamos à sua mãe o acontecido. Eram só anjos no porta-retrato. Vamos brincar...
-Agora não quero, papai, vou ficar aqui no meu quarto.
- Está bem, mas deixe os anjos em paz. [no fundo nunca quis punir a filha, mas neste dia estava se segurando ao máximo para evitar as palmadas nas mãos ou no bumbum].
Nova volta, novas atividades frente ao computador...... hora de olhar a criança e ver o que ela está aprontando.
- Não bate em mim, papai, só estava brincando.
Quando o pai olha o retrato, os anjos não estão mais ali, foram arrancado pelas pequenas mãos da criança e estão no chão sem as cabeças.
- Tudo  bem, papai?
- Sim, tudo bem. Vamos limpar isso antes de sua mãe chegar.
- Mas, eu quero brincar.
- Está bem filha, vamos recolher isso e depois brincamos.
- "Cuida eu", quero atenção, papai, ninguém brinca comigo. [o lamento é sincero e, realmente, a entendo, não é fácil viver em um ambiente de adultos, sem nenhuma outra criança por perto. Quantos de nós já não arrancaram as asas dos anjos? Só para pedir um pouco de atenção?].
- Já brinco, meu amor, espera um pouco.
Com os anjos fora do porta-retrato, o pai bola um maneira de explicar o acontecido à mãe quando chegasse em casa. Isso era o mais seguro, evitar que além dos anjos, o porta-retrato também fosse para o lixo. Afinal, ele custou caro e a perda dos anjos seria suficiente para o mar de asneiras a escutar. Melhor preservar pelo menos a moldura, que agora estava levemente alterada, expondo a cola usada para fixá-los nas bordas.
Pai e filha, cúmplices do delito começam as limpar a sujeira.
-Pai, os anjos não ficam na Igreja?
- Ficam sim, filha! Lembra-se deles no dia que fomos à Missa?
- Lembro sim. Eles ficam cuidando de nós.
- Então...vamos dizer à sua mãe que eles voaram para a Igreja. Quem sabe uma chamada para ir à Missa, faça que ela esqueça o porta-retrato. Ou melhor [ cara de quem pede cumplicidade], deixaremos o porta-retrato longe do alcance dela, assim quando descobrir, terão passado dias e a bronca terá esfriado e ficará sem sentido.
- Boa ideia, papai....vamos mostrar para o pessoal no canal? Para eles verem como ficou o porta-retratos?
- Sim, filha. Vamos.
Em gestos, caras e bocas, a pequena anuncia o episódio do dia no canal imaginário que ela tem no Youtube, pedindo likes e cliques no sininho para que possam segui-la.
Enquanto isso, os anjos que partiram em debandada do porta-retrato, olham sorridentes para a pequena youtuber, que ao lado de seu pai, dança e se exibe frente ao espelho, que se converte em câmera filmadora.
- "Até a próxima pessoal, não esqueça de dar like e marcar o sininho". "Bora lá".

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Diálogo Insólito

Sou de extrema.....
Direita ou esquerda?
Tanto faz [....]
Tudo depende do ângulo
que me vês. 
Sou de direita quando me olhas
aí de onde estás.
Mas, se ocupares meu lugar
[por um instante que seja]
sou de esquerda.
Enfim, sou de extremas
porém, posso ser de centro,
e antes que me perguntes
[só digo]
depende de onde me vês.
Sou de centro esquerda ou direita,
tudo é uma questão ponto de vista.
E nessas questões, prefiro não opinar.

Temores

Ainda temo estar certo,
vivo nas desconfianças
porque certeza mesmo
ninguém tem.

Ainda temo estar errado,
vivi de certezas
até saber que elas não existiam.

Ainda temo não saber
nada disso que eu disse
mas, a vida é assim:
uma eterna (in)certeza.

sábado, 20 de julho de 2019

Sobre o caminho

Para quem carrega um peso,
qualquer caminho se alonga.

Um pedrisco logo vira pedregulho
para em seguida ser ROCHA 

e por fim, MONTANHA

INTRANSPONÍVEL

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Olhar

Tem um olhar em algum lugar
que terrivelmente me desnuda.

Estou sem roupas, nu diante do mundo
a rir de mim.

A menos não há mais nada
a esconder ou ocultar,

Sou apenas o corpo que segue
rumo ao seu fim.

Amarelinha

A vida crava em mim suas unhas
arrastando-me pelas ruas, vielas,
avenidas e becos sem saída.

Cansei de resistir
não atento mais a mim [contra mim]
sigo e não questiono
respiro o ar a dentadas
como se estivesse faminto

Avanço nessa amarelinha saltitando:
um pé, dois pés, um pé
e chego ao Céu
não sem antes ter passado
 pelo INFERNO

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Me segura, que vou dar um troço

Marido e mulher há anos juntos, pode-se dizer, casados, esposa e esposo sempre tem suas picuinhas, suas miudezas que azedam o dia ou até uma semana. 

No andar de cima do prédio onde moro, conheço um casal que tem brigas gigantes por pequenos temas e, não raro, voa algum pires ou alguma porta é batida com estrondo. Ambos em um diálogo extremo levado aos extremismos.

A última arenga foi a polêmica quanto à palavra "enfarto" ou "infarto". Digladiaram por dias a respeito do assunto. Cada qual com sua razão e seu rancor. Buscaram dicionários: novos e antigos, fora de uso, foram ao latim, à filologia românica, só para não terem de dar o braço a torcer. O fato é que um ficou com o enfarto e a outra com o infarto.

Pela manhã, à mesa, e protegidos pela fumaça que levantava de suas xícaras de café, eles rangiam entre dentes: "enfarte" - "infarte" e saíam ambos azedos da mesa do café da manhã. Ele não se despedia para ir caminhar e ela fingia falar com uma amiga ao celular, tudo por causa de um enfarte...ou infarte....

Esta manhã, seu Luis enfartou. Foi um deus nos acuda. Ele caído ao chão, com a mão no peito, urrando de dor, pedia que ela ligasse ao corpo de bombeiros, à ambulância, ao diabo que fosse, que ele estava enfartando. 'Chame o médico, estou enfartando', 'Calma homem, é só um infarte', 'Enfarte', 'Não, é só um 'infarte', 'deixe disso, mulher. Chame o médico'.

Havia um prazer sórdido no olhar da mulher, que sentia seus lábios crispados pela vingança. Olhava-o sem dó nem piedade, devorando cada colherada daquela sopa fria da vingança. Seus olhos brilhavam e ela sentia-se encantadora. Até pensou na encomenda de um vestido preto para o luto triunfal. 

'É só um infarte, não faça escândalos'. 'Está bem, estou INFARTANDO', gritou a todos pulmões. Nisso, a mulher despertou do transe e desesperou, bateu à porta dos vizinhos, ligou aos berros ao corpo de bombeiros, ficou só frangalhos. 

Deitada sobre o corpo do marido ela chorava a partida de seu velho de discussões. Chorava copiosamente e sem vergonha alguma diante dos vizinhos atônitos, que até pouco tempo antes, com os ouvidos colados às paredes ouviam o derradeiro debate.

Ao final do dia seguinte, recebendo os familiares e as visitas pelo luto, ela solenemente declarou: "Ele morreu de enfarte, um homem tão bom, meu Luis". 

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Desertos

Quanto de deserto cabe em um homem?
Quanto de solidão cabe no deserto (em mim)
e no homem que enfrenta o deserto?

A ampulheta mínima da razão
escorre pelos meus olhos
e Sou simplesmente.

Sou deserto, areia que o ar leva no vento.
Mas, também sou solidão
areia que arrasta da palma da mão
o ir e o vir, o subir e o descer
da ampulheta do tempo.

Sou deserto, sou solidão, sou areia
que arrasta em mim o tempo.

sábado, 13 de julho de 2019

Esquecimentos

Vou me esquecer,
esquecer-me de tal modo
e sempre
até que haja em mim
só o esquecimento
puro e simples.

E serei todo esquecimentos
daquilo que passou.
Já nem mais sei
se algo posso dizer[...]
se cabem aos inúteis argumentos
as esmaecidas palavras...

Sem memórias e sem lembranças,
desmemoriado de dias,
terei esquecido, esquecido
de tal modo e sempre
sem as conhecidas esquivanças
até que eu não mais saiba
do que me havia esquecido.

Serei assim: esquecimentos
sem mágoas ou ressentimentos,
apenas folha que se desprende
esquecida do galho ao qual pendia,
como o fôlego tolo à vida se prendia.

sábado, 6 de julho de 2019

Estamos todos sós

E....
a vida recobra seu ritmo modorrento
de monotonias, melancolias e tristezas.

Os adeuses, as partidas indesejadas
as bocas que trocam de lábios

e deixam entreabertos os silêncios
das dores mudas suspensas no ar.

O debate político na televisão
o corpo que se pendura no quarto....

Estamos todos sós....

as pás do ventilador gritam no teto da sala
enquanto a família indiferente
vê o noticiário e come pipocas brancas

diante da última tragédia do casal......

que morreu abraçado ao desespero
do inelutável adeus.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...