- Papai, o que é isso?
-Um anjo filha.
-Mas o que ele faz aí?
- Não sei filha! Deve estar voando - [fala um pouco com desdém].
- Não, pai, olha para mim! [muito insistente]. Esse aqui na foto, com asas brancas e um vestido creme.
- Ah...esse aí, no porta-retrato...Deve estar protegendo as pessoas que ficaram presas dentro da moldura.
- Mas, os anjos não ficam na igreja, papai?
- Acho que ficam. Mas, papai está ocupado agora.
- Ah, pai, olha aqui...que é isso nas costas dele?
- São asas, filha. Os anjos têm asas - [pelo menos foi assim que me ensinaram].
- Mas, por que eles não voam? Ficam aí parados? [momento show da Luna e suas intermináveis perguntas]
Pois é, filha...quem explica isso? [no fundo está extremamente irritado, mas responde à filha com o máximo de serenidade possível].
- Não sei filha, papai está ocupado, brinca um pouco.
- Tá bom, papai. [o que pode ser um estou livre para fazer tudo].
Alguns minutos depois o pai resolve olhar o que a filha está fazendo. Ao entrar no quarto, os anjos do porta-retrato estão com chifres e as asas quebradas.
-Eles não voam mais, papai.
-Ah...estou vendo, estão sem asas. Eles viraram diabinhos...mas tudo bem, depois explicamos à sua mãe o acontecido. Eram só anjos no porta-retrato. Vamos brincar...
-Agora não quero, papai, vou ficar aqui no meu quarto.
- Está bem, mas deixe os anjos em paz. [no fundo nunca quis punir a filha, mas neste dia estava se segurando ao máximo para evitar as palmadas nas mãos ou no bumbum].
Nova volta, novas atividades frente ao computador...... hora de olhar a criança e ver o que ela está aprontando.
- Não bate em mim, papai, só estava brincando.
Quando o pai olha o retrato, os anjos não estão mais ali, foram arrancado pelas pequenas mãos da criança e estão no chão sem as cabeças.
- Tudo bem, papai?
- Sim, tudo bem. Vamos limpar isso antes de sua mãe chegar.
- Mas, eu quero brincar.
- Está bem filha, vamos recolher isso e depois brincamos.
- "Cuida eu", quero atenção, papai, ninguém brinca comigo. [o lamento é sincero e, realmente, a entendo, não é fácil viver em um ambiente de adultos, sem nenhuma outra criança por perto. Quantos de nós já não arrancaram as asas dos anjos? Só para pedir um pouco de atenção?].
- Já brinco, meu amor, espera um pouco.
Com os anjos fora do porta-retrato, o pai bola um maneira de explicar o acontecido à mãe quando chegasse em casa. Isso era o mais seguro, evitar que além dos anjos, o porta-retrato também fosse para o lixo. Afinal, ele custou caro e a perda dos anjos seria suficiente para o mar de asneiras a escutar. Melhor preservar pelo menos a moldura, que agora estava levemente alterada, expondo a cola usada para fixá-los nas bordas.
Pai e filha, cúmplices do delito começam as limpar a sujeira.
-Pai, os anjos não ficam na Igreja?
- Ficam sim, filha! Lembra-se deles no dia que fomos à Missa?
- Lembro sim. Eles ficam cuidando de nós.
- Então...vamos dizer à sua mãe que eles voaram para a Igreja. Quem sabe uma chamada para ir à Missa, faça que ela esqueça o porta-retrato. Ou melhor [ cara de quem pede cumplicidade], deixaremos o porta-retrato longe do alcance dela, assim quando descobrir, terão passado dias e a bronca terá esfriado e ficará sem sentido.
- Boa ideia, papai....vamos mostrar para o pessoal no canal? Para eles verem como ficou o porta-retratos?
- Sim, filha. Vamos.
Em gestos, caras e bocas, a pequena anuncia o episódio do dia no canal imaginário que ela tem no Youtube, pedindo likes e cliques no sininho para que possam segui-la.
Enquanto isso, os anjos que partiram em debandada do porta-retrato, olham sorridentes para a pequena youtuber, que ao lado de seu pai, dança e se exibe frente ao espelho, que se converte em câmera filmadora.
- "Até a próxima pessoal, não esqueça de dar like e marcar o sininho". "Bora lá".