Esses últimos dias têm sido frequentes os incêndios na França. Ontem mesmo a televisão noticiou um outro incêndio no 11e arrondissement de Paris. Houve três mortos e quase trinta feridos. Aqui os dias têm sido longos e as noites extremamente curtas. Então, com o sol ainda alto, mas já sendo 22h00 uma fumaça preta e espessa brotou no apartamento ao lado do meu. Eu estava tentando ver o jogo do Brasil contra o Peru em um link da internet.
Neste momento, a vizinha aperta a campainha e golpeia desesperadamente a porta de meu apartamento. Mal controlando seus maxilares, avisa que o apartamento dela está pegando fogo. Foi ao banheiro e deixou a panela sobre a placa elétrica. Quando saiu, o apartamento estava tomado pela fumaça preta e a cozinha em chamas.
Saio apressadamente em busca de um extintor para entrar no apartamento e apagar as chamas. Logo descubro que não havia nenhum extintor no prédio. Nisto eu já havia subido, descido, batido à porta do síndico e nada. Subo novamente e pego meu passaporte, computador e os comprovantes do término de meu pós-doutorado, tiro o chinelo e coloco um tênis para facilitar a corrida se preciso fosse, desço com o corpo e as roupas que estavam nele (que diga-se de passagem, neste dia, não eram muitas). Com o telefone em mãos disco o 18 para chamar os bombeiros.
Devia estar nervoso, porque a moça do outro lado da linha pedia para eu sair do prédio e ter calma, que os bombeiros logo chegariam. Nesse curto ínterim, eu respondia às perguntas e dizia que não havia feridos, dando o endereço completo. Havia um pouco de pânico em algumas pessoas, principalmente nas do sétimo andar e uma calma excessiva em outros moradores do prédio que ao serem avisados, literalmente saíam à francesa como se não fosse problema deles. Alguns estavam com seus cães, outros indo passear e uma senhora, indiferente à ideia do fogo, subiu para seu apartamento como se fosse imune à fumaça e ao incêndio.
Quando olho para a moça do apartamento que estava em chamas, vi que teve a mesma ideia que eu, pegou seu computador e com ele estava abraçada e trêmula. Descubro que ela é da Guiana Francesa e vamos esperando os bombeiros. Conversa vai, conversa vem, com mais pessoas à volta e tensas, percebo que não havia largado o picolé e enquanto tentava uma solução, não o havia parado de chupar. Já havia outros vizinhos no pátio da garagem e olhávamos com os pescoços tortos para cima na esperança de que o fogo não alastrasse.
Minha cabeça fervilhava e eu pensava que meu último fim de semana na França estava se tornando um verdadeiro desastre. Comecei a calcular possíveis prejuízos e só fiquei mais calmo porque com o passaporte a salvo, era comprar umas roupas e embarcar. Só me lembrei bem depois do incêndio controlado que minha carteira com cartões havia ficado no apartamento.
Os bombeiros chegaram e subiram rapidamente. Fizeram meia dúzia de perguntas, enquanto chegavam a ambulância e uma quantidade exagerada de policiais, que excedia ao número de bombeiros. Graças a Deus, ao universo ou seja lá o que estava olhando por nós, o fogo foi controlado, sobraram as manchas pretas, o cheiro de fumaça e algumas pessoas fazendo inalação, que por curiosos tentaram entrar no apartamento e ver o estrago enquanto ainda estava em chamas.
Clima mais calmo, semelhante ao que acontece nos velórios, falávamos da Copa do Mundo de Futebol Feminino, da Copa América e das diferenças entre Brasil e França, aguardando a liberação para retornar ao sétimo andar. Um pouco de tosse, talvez psicológica, nos demos conta de que era quase meia noite.
O mundo estava voltando à sua ordem e percebo, então, que às vezes a morte pode passar muito perto, talvez ela ronde um pouco, passe do lado, lembre-nos de nossa fragilidade e naquele dia, já tendo levado consigo alguns parisienses, resolveu apenas passar por Lyon e lembrar imigrantes, estudantes estrangeiros e franceses, que se colocar no lugar do outro pode ser mais do que um ato de solidariedade.
A morte pode brotar de uma simples panela no fogão. Espero não ter mais surpresas até a volta.
Au revoir France!!! Priez pour les victimes de l'incendie du 11e arrondissement de Paris. Amen!!
Um comentário:
Meu Deus, Wesley, que drama!
Graças a Deus, deu tudo certo para vocês!!!
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