Quando começamos a envelhecer? Quando começamos a ficar chatos e reclamar de tudo, como se a vida não nos houvesse trazido nada? Em que momento de nossas vidas perdemos o prazer de ver a chuva cair, de olhar o céu nublado e o vento trazendo aquele cheiro de terra molhada, que aspirávamos com todas as forças dos pulmões? Quando respirar passou a ser apenas uma necessidade de sobrevivência?
Estando aqui em Lyon, percebi esses dias que estava sentindo falta da chuva. Não que aqui não chova. Chove e é uma chuva tão fina e estranha que nos encharca os ossos sem que percebamos sua materialidade. A roupa fica pesada, as pessoas andam de cabeça baixa e de braços cruzados.
Falo daquelas chuvas que avisam antes. Botam a boca no mundo e é um show de trovões e relâmpagos. Depois somos arrastados pelo cheiro de terra molhada, que sobe dos pés às narinas e trazem a sensação de estar comendo bolinho de chuva à tarde, feito pela mãe, que traz café quente ou chá mate nas canecas.
Desconfio de quem nunca tomou um banho de chuva, de pessoas sérias demais, reclamando de seus calçados embarreados ou de suas calças respingadas.
Gosto de gente que se entrega à chuva. Nem precisa abrir os braços como nas cenas clássicas do cinema. Apenas caminham, deixam a chuva molhar, sentem o rosto resfriar ao toque das águas e não apressam o passo. Não saem correndo comprar um guarda-chuva ao primeiro vendedor da esquina e chegam em casa com o sorriso de criança que fez molecagem.
Quando criança, adorava tomar banho de chuva. Nunca saíamos correndo do campinho de futebol ao ver as nuvens negras e grossas se aproximarem. Intensificávamos o jogo e absorvíamos cada gota daquela chuva, dávamos carrinhos no adversário, só pela diversão de ver o corpo escorregar na grama. Ao fim da chuva, corríamos para nossas casas e as mães enraivecidas brigavam conosco por causa da lama e da possibilidade de uma gripe.
No dia seguinte, já com espirros e a garganta ardendo, soltávamos barquinhos feitos de papel que desciam rápido pela enxurrada, enquanto os víamos se desfazerem enroscados nos galhos e gravetos caídos no meio fio. Tomávamos chá com mel ou leite com gemada e logo nos púnhamos inteiros para novas chuvas.
Sempre tomei banhos de chuva. Nada como a sensação de ser lavado pelas águas que descem das nuvens. Os pingos atingem o corpo e sinto que os ossos não reclamam da água que escorre da cabeça aos pés.
A chuva é um ato de liberdade, é sinal de que ainda sou capaz de fazer travessuras, de que sou livre, que o tempo é só minha relação com o calendário e com os cabelos brancos que brotam todos os dias na cabeça. Banho de chuva e depois um banho quente debaixo do chuveiro, ouvindo as gotas lá fora, rindo daqueles que correm, escondem-se, colocam capas e abrem guarda-chuvas, porque é vergonhoso ser pego desprevenido e molhar a roupa.
Desconfio de gente séria demais. Desconfio de quem envelhece fugindo da chuva porque ficou adulto e não pode se molhar. Desconfio, daqueles que fazem da chuva ditados populares negativos ou pessimistas: "Se está na chuva, é para se molhar", "quem planta ventos, colhe tempestade".
Acima de tudo, tenho medo daqueles que dizem não guardar nenhuma memória dos dias de chuvas. Porque mesmo sem ver essas chuvas por aqui, às vezes fecho os olhos e sou capaz de ouvir a chuva batendo naquela janela do quarto e respiro um ar antigo, de outros tempos, de outras noites em que a chuva era companheira e espiava pela janela aquilo que as palavras silenciam por cumplicidade e pudor.
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