sábado, 23 de junho de 2018

Café com pão

Acordei, tomei um banho e fiz o café. Novidade alguma nessa rotina herdada da época de meu avô, de meus tios, de meu irmão, pode-se dizer: um costume de família. Porém, quis comer um pão, desses de padaria, pão francês, pão com calorias e carboidratos. Aspirei o aroma de café e pão quentinho em minha memória. Inevitável, tive de sair.
Dei-me o direito de olhar o céu, as folhas das árvores caindo, as pessoas andando em sua pressa diária, dois carteiros de bicicleta na mesma rua: será uma greve? um motim? Nada, apenas a rotina do dia. Carros, motos, gente, salões de cabeleireiro, que em minha rua devem ter uns cinco. Um sábado comum.
Queria ver o dia, precisava desse ar de renovo, deixar o mofo do apartamento, das cortinas fechadas, dos ambientes com luzes acesas e ver uma luz natural. Queria a poesia da ruas, levantar a cabeça dos livros, ver uma vida de verdade, que ocorre fora das palavras e das páginas viradas ao desgaste de uma leitura.

Olhei as casas, as calçadas, sujas de folhas, e gente, muita gente passando. Nem parece inverno, o tempo me traiu e saí com uma camiseta de mangas compridas. Tudo bem, detalhes que se corrigem ao longo do dia. Partia em busca de meu pão, que agora o café na garrafa já esperava e nada me impediria, nem a luz vermelha do semáforo que atrasaria meus passos poucos metros à frente.

A poesia do dia se realizou, um gesto simples, de palavras sussurradas, de cumplicidade quase banal aos transeuntes. Apreciava ao longe uma casinha de madeira, um jardim em desordem de flores e vasos que se amontoavam. Mas, a casa inspirava amor, ternura, felicidade simples dos que exigiram da vida a porção que lhes cabia.

Notei que no portão havia uma senhora japonesa, baixinha, avental sobre o vestido, mãos na cintura enquanto olhava um senhor a sair pelo portão. Um senhor negro, estátua de ébano fundida pelo tempo dos anos, trazia ao seu lado, uma bicicleta monark, vermelha, aquelas que ainda têm garupeira. Parecia feliz diante do dia que o aguardava. Mochila nas costas, pronto ao trabalho. A cena se alongou por alguns momentos mais....e a breve senhora, como lhe permitiu os anos, deu-lhe um beijo de despedida, os lábios se tocaram ternamente por alguns segundos e ela o acompanhou com os olhos. Eu estava quase ao lado, mas eles não podiam me perceber tão puro e lírico era aquele momento íntimo no portão da casa e eles tinham os pés na calçada e o dia todo por enfrentar.

Continuei meu trajeto e percebi um mundo novo que se abria aos meus olhos. Um senhor negro, magro, de chapéu igual aqueles  usados pelos candidatos a escritor, recolhia papelão e o colocava em seu carrinho, ele que puxaria o dia sobre suas costas e com certeza ninguém lhe daria bom dia. Poucos metros depois, em um quartinho de uns míseros metros quadrados, resiste ao tempo uma sapataria, que coloca salto nos sapatos gastos, sola nos sapatos furados e zíper nas blusas de couro.

Percebi que o tempo é essa resistência, que a poesia pode estar diante de nossos olhos todos os dias. Não precisamos abrir um livro, precisamos abrir uma janela em nosso egoísmo e ver os outros, ver o Outro ao nosso lado. Pode ser piegas, eu sei, mas é a melhor maneira de viver. Enfim, cheguei à padaria para comprar o pão francês.

Saí de lá e vim para casa. Abri o computador e tento agora registrar esses momentos, não deixá-los escapar, mesmo que pobremente em minhas palavras. Ah...sim..há Copa do Mundo, mas há tanta coisa mais urgente, tanta vida real para viver, que me nego a ligar a TV e como um pouco mais o pão desta manhã.


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