Minha relação com a literatura de Rubem Braga tem muitos anos. Vem da época em que eu era adolescente e frequentava a biblioteca pública da cidade de Palmital, no interior do Estado de São Paulo. Aquele Centro Cultural, com concha acústica, teatro e biblioteca era meu canto favorito da cidade, meu refúgio. Em uma dessas visitas, brilhou em frente aos meus olhos o livro Ai de ti, Copacabana! Na época como estava ficando meio crente, o livro me chamou a atenção pelo apelo quase bíblico do "Ais" do Novo Testamento.
No entanto, logo me identifiquei com o cronista porque ele não gostava de usar guarda-chuva. Se a memória não me falha, era uma crônica sobre o Chile e Braga sempre dizia tomar chuvas pelas cidade, pelo simples fato de ter ódio em carregar o apetrecho com seu aspecto negro e meio fúnebre. De cara ele me conquistou. Eu vivia a perder guarda-chuvas, por onde passava deixava um, que raramente me era devolvido.
Essa noite, quase uma da manhã, mais uma chuva em nossa cidade de Maringá. Todos os dias tem chovido, seja pela manhã, tarde ou noite. Confesso que à noite gosto do som da chuva para dormir, após contemplar o céu vermelho que anuncia as águas. Mas, em Maringá, estamos virando sapos nesse início de janeiro de 2018. Quando era criança, ouvia os mais velhos dizerem que se chovesse os primeiros doze dias do mês, teríamos chuva o ano todo, o que na visão deles, era ótimo para a agricultura. Por essa lógica, 2018 terá de uns 15 meses pelo menos e será o ano mais longo da breve história maringaense.
Rubem Braga, sim, estávamos falando do cronista e seu livro profético. De novo, janeiro, chuvas, alagamentos no Rio de Janeiro, trânsito complicado, atraso para chegar em casa. Foi a época, porém, que os jornais davam o foco sobre essas tragédias quase naturais da cidade fluminense. Agora, a bola da vez é a violência. Que pena, Rio. Uma cidade tão bela, de praias, lagoas, Cristo Redentor, Bondinho, Aquário, Copacabana, Ipanema, Leblon, Arcos da Lapa, Botafogo, Flamengo, Jardim Botânico, Cinemas, poesia, suas universidades, uma quase morrendo, Teatro, Museu, música, samba e todas suas maravilhosas exceções.
Ano passado, há exatamente um ano estava no Rio de Janeiro. Uma semana de passeios, sol, praia, Cristo e tudo o que um turista adora. Já havia estado no Rio duas vezes, mas a trabalho, para o Encontro de Literatura Brasileira Contemporânea, na UFRJ. Na volta do evento, pegava o ônibus e cruzava todas as linhas até chegar a um hostel em Copacabana. O máximo que dava era para sentar um pouco na areia e tomar uma cerveja olhando o mar. Mas, estava valendo, era o Rio e pelo menos contemplar o mar era uma obrigação.
A voz de Rubem Braga continua a me incomodar, com seu Ai de ti, Copacabana! Em janeiro de 2017, passeei muito pelo Rio. Não vi nenhum arrastão, não ouvi nenhum tiro, nem vi nenhum assalto. A não ser pela televisão. Parece que a cidade me protegia em sua concha. Era chegar ao hotel, em frente à praça Cardeal Arcoverde, bem na boca do metrô, ligar a televisão e ver a Globo News noticiar mais um arrastão em Copacabana, que como turista, eu novamente via pela tela de um televisor.
Chamou-me a atenção a notícia de uma mulher grávida que levara um tiro, uma bala perdida, e o projétil atingira o bebê. Mãe no hospital, parto às pressas, recuperação de um, de outro, notícias boas, más e, por fim, a criança não resistiu. Ai de ti, Copacabana! Qual foi teu pecado? Que de horrendo fizeste para merecer tal castigo? Ano de 2018, janeiro novamente. Não fui ao Rio, estou trabalhando e, quando posso, contemplo a chuva pela sacada de meu apartamento, como fiz essa madrugada. Ai de ti, Copacabana! Os ais não cessaram em 2017 e mais uma mulher grávida, agora baleada na cabeça, passa por um parto às pressas e a criança está por morrer. Mais uma vez a história se repete. Onde estás, Rubem Braga? Por onde caminhas que não vês teu Rio, que continua lindo, mas violento demais? Ai de ti, Copacabana! A voz ainda ressoa e vou dormir, porque amanhã trabalho de novo.
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