domingo, 29 de outubro de 2017

À espera de Papai Noel

Tarde de domingo, pouca coisa a fazer, meu time está numa fase péssima que mais perde do que ganha; no dia anterior fui o palestrante de um evento, no qual o único presente fui eu; nem a organizadora apareceu. Perorei aos tijolos e fui embora. Resolvo, então, ir ao Shopping no horário do jogo e, assim, evitar mais uma decepção. Depois, descobri que realmente estava certo e que meu time perdera novamente.
Quase novembro, mas a loucura por comprar invade as almas das pessoas e mesmo no final do mês o cartão de crédito continua satisfazendo os desejos de aquisição. Olho para o pátio do estacionamento lotado e antevejo o empurra-empurra que deve estar dentro do local, a mistura de suores e perfumes, gente apressada como se fosse perder o vagão do metrô. Respiro fundo e investido de muita coragem urbana adentro o recinto dos desejos consumistas.
Cidade de porte médio, às vezes, é um horror. Não há lugar para ir, poucas opções de lugares a se frequentar e mesmo com uma festa literária ocorrendo, as pessoas optam pelo Shopping. Optei por ele também por motivos diversos, que o longo arco entre o céu o inferno não pode explicar.
Inicio o passeio. Mulheres com as melhores roupas, afinal se não usarem no Shopping, não terão onde usar. Homens, nos seus papéis de provedores, torcendo os narizes e balançando as cabeças a desaprovar as compras das esposas; já os noivos estão mais felizes e, ainda, sorriem diante das compras de suas futuras parceiras, afinal, as brigas podem ficar para depois.
Para minha surpresa o Shopping está quase inteiro decorado para o Natal. Árvores natalinas, papais-noéis, pinheiros, bolas vermelhas, laços dourados, lenhadores, bichinhos, presépios, tudo o que as festas natalinas têm direito. Só falta o bom velhinho, que de acordo com o anúncio deve chegar no dia 11 de novembro. Mas, tem outro Shopping da cidade que chega no dia 05. O sonho não pode esperar.
Sem a presença do bom velhinho, o movimento em torno do local decorado ainda é pequeno e atrai pouco as pessoas.
Quando olho para o lado vejo uma menininha. Está com um vestidinho azul, sandália dourada nos pés, uma pulseirinha de ouro no braço e o cabelo castanho levemente bagunçado. Devia ter menos de dois anos, porque a pequena cerca a impedia de ver todo o cenário. Parada, como se estivesse sozinha, sem timidez alguma ela se agarra à cerquinha, fica ligeiramente na pontinha de seus diminutos pés e olha entre o assombro e o maravilhamento para aquele cenário.
A menininha não sorri, apenas olha encantada para aquele mundo de fantasia. Como se dissesse para si mesma: eu sei que ainda não é Natal, mas estou esperando o Papai Noel chegar. Esse modo livre de normas sociais fez meu mundo de fantasias abrir-se àquele gesto meigo, simples e descompromissado com as compras; livre para sonhar o Natal que ainda existirá dentro dela. 
O resto do Shopping desapareceu e o espelho da infância abriu para mim o afago doce da fantasia. Não despregava os olhos daquela cena, embebido no olhar daquela bebê. Ouvi dizer, que as crianças deixam de ser bebês depois dos dois anos, então ela era uma bebê e eu o guardião daquela cena, preocupado com os adultos à sua volta, pois era possível que pisassem em seus pezinhos ou, então, a empurrassem. Naquele momento estava disposto a tudo para mantê-la naquele universo e armei-me de uma face sombria.
Meu domingo mudou de uma hora para outra. Pude sorrir naquele instante. Não sei ao certo quanto tempo durou, talvez apenas o tempo entre o subir e o descer dos pés; suficiente para me libertar deste mundo e viver a intensidade de um presente sem fim. 
Logo, chegou uma mulher, abaixou e falou algo ao ouvido da bebê; ela sorriu, deu os bracinhos e alçada aos ares voou como um anjo no fim da tarde. Aquela mãe roubou o meu anjo de Natal, mas deixou a marca de uma esperança boba e inocente que me fez melhor, pelo menos na fração de tempo que puder admirar algo fora de mim. 
Fui para casa sentindo uma felicidade infantil, porque aquele momento ninguém o roubará mais de mim. 
À tarde e solitário vi um anjo nascer e meus olhos ganharam asas.




sexta-feira, 27 de outubro de 2017

O poema que ainda germina
dorme no fundo do corpo
despreocupado da mão
de quem o escreve.
Está ali, no vazio, na solidão,
todo silêncio e percepções.
Sinto-o e é como se não quisesse
deixá-lo desgarrar de mim.
Invento motivos banais
leituras enviesadas
para evitar que os dedos grávidos
deem à luz [na folha em branco]
a um poema inocente.
O poema não tem culpa de quem o escreve
não quer ser poesia,
não quer esse peso sobre seus ombros.
Então, acaricio-o, deixo ficar
fecho os olhos da realidade
e abro os olhos da fantasia
e o poema criança
[menino ou menina, que importa]
salta e corre livre na grama seca
como se ali houvesse um jardim
e as flores atraíssem as borboletas.
Em algum canto do mundo
alguém se lembra de mim
e estremece à minha vaga lembrança.

Alguém sempre tem
que do amor ou da dor se consola
quando minha imagem à mente vem.

Há alguém que o lampejo
de meu rosto, mudo ou sorridente
treme e espelha os dentes
mesmo me sabendo ausente.

Há alguém que à mente nos vem
e nos altos distantes nos leva além
de nossos corpos.

Há alguém que não se toca
que à mente nos vem,
mas eu sei que tem
em meu nome uma breve oração.

Há alguém que desliza
e ao Hades vem
desde tempos dantescos
à procura daquele bem
e cai e peca feliz
de na mente ter alguém.

Há alguém inevitável,
que nos devora e nos faz bem,
que nos percorre o corpo
quando à mente nos vem.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Subi ladeiras
onde não havia escadas
para tocar o infinito
e alcançar a sombra
do céu de tua boca.

Sem asas, pude voar
em sonhos brancos
e conhecer a fantasia
dos cantos nus e puros.

Não, não posso nem me culparei
pelas asas que me deste.

Só é possível voar
quando não se tem grades no olhar
e um pássaro canta enlouquecido
no jardim de um peito em flores.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Um amor para a vida inteira
é um amor muito grande, longo,
que se espraia no espaço
e preenche todo o tempo disponível
no mundo.
Porém, não temos a vida toda
e um amor tão duradouro
pode cansar e não deixar mais tempo
a não ser para amar e amar e mal'acabar-se.
Amar demais, por tanto tempo, assim sem prazos
deve enjoar e a vida sofrer dos encurtamentos.
Um amor para a vida inteira
poder fazer a vida pequena
e seu tempo muito breve para tanto amor.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Avise a Bandeira

Avise a Bandeira
que não sou amigo nem inimigo
apenas um conhecido,
mas que encontrei a estrela da manhã.
Realmente ia nua
como descrita em seu apelo
nua em pelo,
a vi de costas
e sua bunda nua
qual a lua
reluzia pela manhã.
Desci a ladeira
e a estrela da manhã me abraçou
ultrajada até a última baixeza.
Pelo seu corpo havia dentadas
marcas das bocas dos marinheiros,
dos funcionários públicos, dos sargentos,
e até do Leproso do Pouso Alto.
Agora, também tem meus dentes
e minha boca nela tatuei,
nem precisei, como meu nobre colega,
comer terra ou fazer cavalhadas.
Embalei a estrela da manhã
em meus braços, com minhas mãos
em conchas amparei seus seios
e matei minha fome de outras eras.
Diga a Bandeira, a Manuel,
que se vier, venha armado,
não serei presa de Misael, nem cairei
na rua da Constituição,
que reze uma Ave-Maria,
que chore todas as virgens que conheça,
que a estrela da manhã
já vinha descabaçada
e assim como ele, também quero para mim
a estrela da manhã,
pura ou degradada
além de sua última baixeza.
E quando chegar não estarei em Mata-Cavalos,
Catumbi ou Todos os Santos,
que estarei na Pasárgada
porque lá, eu sou filho do Rei. 

domingo, 22 de outubro de 2017

Chove...
gostaria de dizer que faz sol
mas..chove e é madrugada.
Estou sozinho
e tenho ódio de mim
porque sou igual
Àquele outro
que tanto rejeitei.

Chove...
podiam haver estrelas no céu,
mas, ouço as águas da chuva
e lavo meu corpo
nas memórias familiares
[da única família que conheci].

Sou cara ou coroa,
face da mesma moeda
verso e reverso
daquilo que odeio em mim
por ser parte do Outro
de onde nasci.
Tenho tempo para a poesia,
assim como para o amor,
para a vida e para a morte.

Tenho tempo para os versos
que livres demais
fogem aos meus dedos.

Mas, tenho tempo para a poesia
e seus melindres
a me espiar enquanto vivo.

Tenho tempo para a poesia.
Mas, ela está ausente
e sinto uma falta enorme
daqueles versos a bater
em minha porta.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Teu sorriso

Teu sorriso de portas abertas
me deixou entrar travesso.
Teu sorriso,
fresca sombra em dias quentes,
soube me beber aos goles,
e fiquei sorrindo
boquiaberto diante do azul
daquele celeste fim de tarde.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...