Tarde de domingo, pouca coisa a fazer, meu time está numa fase péssima que mais perde do que ganha; no dia anterior fui o palestrante de um evento, no qual o único presente fui eu; nem a organizadora apareceu. Perorei aos tijolos e fui embora. Resolvo, então, ir ao Shopping no horário do jogo e, assim, evitar mais uma decepção. Depois, descobri que realmente estava certo e que meu time perdera novamente.
Quase novembro, mas a loucura por comprar invade as almas das pessoas e mesmo no final do mês o cartão de crédito continua satisfazendo os desejos de aquisição. Olho para o pátio do estacionamento lotado e antevejo o empurra-empurra que deve estar dentro do local, a mistura de suores e perfumes, gente apressada como se fosse perder o vagão do metrô. Respiro fundo e investido de muita coragem urbana adentro o recinto dos desejos consumistas.
Cidade de porte médio, às vezes, é um horror. Não há lugar para ir, poucas opções de lugares a se frequentar e mesmo com uma festa literária ocorrendo, as pessoas optam pelo Shopping. Optei por ele também por motivos diversos, que o longo arco entre o céu o inferno não pode explicar.
Inicio o passeio. Mulheres com as melhores roupas, afinal se não usarem no Shopping, não terão onde usar. Homens, nos seus papéis de provedores, torcendo os narizes e balançando as cabeças a desaprovar as compras das esposas; já os noivos estão mais felizes e, ainda, sorriem diante das compras de suas futuras parceiras, afinal, as brigas podem ficar para depois.
Para minha surpresa o Shopping está quase inteiro decorado para o Natal. Árvores natalinas, papais-noéis, pinheiros, bolas vermelhas, laços dourados, lenhadores, bichinhos, presépios, tudo o que as festas natalinas têm direito. Só falta o bom velhinho, que de acordo com o anúncio deve chegar no dia 11 de novembro. Mas, tem outro Shopping da cidade que chega no dia 05. O sonho não pode esperar.
Sem a presença do bom velhinho, o movimento em torno do local decorado ainda é pequeno e atrai pouco as pessoas.
Quando olho para o lado vejo uma menininha. Está com um vestidinho azul, sandália dourada nos pés, uma pulseirinha de ouro no braço e o cabelo castanho levemente bagunçado. Devia ter menos de dois anos, porque a pequena cerca a impedia de ver todo o cenário. Parada, como se estivesse sozinha, sem timidez alguma ela se agarra à cerquinha, fica ligeiramente na pontinha de seus diminutos pés e olha entre o assombro e o maravilhamento para aquele cenário.
A menininha não sorri, apenas olha encantada para aquele mundo de fantasia. Como se dissesse para si mesma: eu sei que ainda não é Natal, mas estou esperando o Papai Noel chegar. Esse modo livre de normas sociais fez meu mundo de fantasias abrir-se àquele gesto meigo, simples e descompromissado com as compras; livre para sonhar o Natal que ainda existirá dentro dela.
O resto do Shopping desapareceu e o espelho da infância abriu para mim o afago doce da fantasia. Não despregava os olhos daquela cena, embebido no olhar daquela bebê. Ouvi dizer, que as crianças deixam de ser bebês depois dos dois anos, então ela era uma bebê e eu o guardião daquela cena, preocupado com os adultos à sua volta, pois era possível que pisassem em seus pezinhos ou, então, a empurrassem. Naquele momento estava disposto a tudo para mantê-la naquele universo e armei-me de uma face sombria.
Meu domingo mudou de uma hora para outra. Pude sorrir naquele instante. Não sei ao certo quanto tempo durou, talvez apenas o tempo entre o subir e o descer dos pés; suficiente para me libertar deste mundo e viver a intensidade de um presente sem fim.
Logo, chegou uma mulher, abaixou e falou algo ao ouvido da bebê; ela sorriu, deu os bracinhos e alçada aos ares voou como um anjo no fim da tarde. Aquela mãe roubou o meu anjo de Natal, mas deixou a marca de uma esperança boba e inocente que me fez melhor, pelo menos na fração de tempo que puder admirar algo fora de mim.
Fui para casa sentindo uma felicidade infantil, porque aquele momento ninguém o roubará mais de mim.
À tarde e solitário vi um anjo nascer e meus olhos ganharam asas.