quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Minha prima tem 47 anos
amputou metade dos dois pés
tem 47 anos e tem diabetes.
Ninguém a consola
ela não se consola.
Tem 47 anos e metade dos pés
amputados sem chegar a lugar nenhum.
Não teve filhos, não terá filhos
não deixará ao SUS mais um diabético,
sente-se feliz porque tem 47 anos,
mesmo depois de seu pai tê-la
matado recém-nascida só
para vender um cavalo e fugir ....
não a cavalo, mas de trem...
oqueé-quetem-oqueé-quetem-oqueé-quetem.


O que é o Ano Novo?
Não tenho nada contigo.
Não te conheço, nunca te vi
e por que devo depositar em ti
minhas vagas e repetidas esperanças?
Serão os fracassos do ano anterior?
A insuficiência dos doze meses
para realizar todos meus planos?
Mas aí vem o Ano Novo, 
não espera, tem pressa,
atirando pela janela o Ano Velho.
Será bom para uns e cruel para outros,
mas não posso impedi-lo de chegar
está às portas e bate na sua terna
insistência de entrar tarde da noite
com a promessa de ser melhor
do que o ano que passou.
Não te conheço, mas sinto calmamente
nessa dor que não cessa que terei
de viver com ele mais doze meses.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Arquivo

Abri as gavetas
perambulei pelos armários
respirei o pó da memória
em todas suas partículas.
Uma foto pendia da parede
destroços de um passado
se amontoavam diante
de meus olhos turvos.
Soube, então, que havia restos
de mim naquela casa,
mas não podia juntá-los.
Estavam gastos demais
e quando os vesti
percebi meu eu renegá-los.
Era eu ainda, mas um eu
distante, apagado, uma sombra
que habitava o arquivo da memória.

Primeira Comunhão

Teu sexo se abriu
como um bater de asas
dos pássaros em alvorada.
Voou livre, solto
sobre aquele outro sexo,
duro, enrijecido de prazer.
E aquele pássaro rubro
deitou suas águas apocalípticas
sobre o falo batizado nas águas
da perdição eterna do gozo proibido,
do coito não interrompido
a zombar das sacras religiões.
Teu sangue, meu corpo
que seja em memória de nós
para os tempos vindouros
que anunciam aos prantos
outras chamas e outros amores.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Eu que NÃO quis
que disse NÃO
em todas as possibilidades
e oportunidades do SIM
arrebentei-me contra a realidade
desarmado pelos fatos.
Em doces controvérsias do meu eu
acabei gostando de aceitar
o NÃO, aquilo que negava,
e agora sinto esse prazer estranho
que se desliza em forma de um SIM
no amanhecer de meus dias.

O amor
a dose excessiva do amor
em seus jogos e ocultamentos
a exacerbação do ato,
do ato de amar
cego aos inícios das dores
das perdas e das ausências
que o acompanham
ele [ o amor] se faz indigno
egoísta em seus ensaios
entre o real e a fantasia.
Assim é o amor,
dose embriagante
um torpor que quando passa
deixa os olhos fundos de ressaca.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Não tenho tristeza nem alegria
tão somente um vazio
que me preenche e me completa
enormemente nas transições do dia.
Sinto esse vácuo dentro de mim
essa ausência do pulsar, do gozar
do amar e do sonhar.
Sou eu acompanhado desse vazio
que tomou conta de meu olhar
nada diz, só se contradiz
no brilho que julgam pela luz ser esperança
sem saber que são as ausências de todos
e fez-se a luz e a vida começou
nesse universo que gira ao redor do eu
do meu eu, eclipsado pelo vácuo de mim.

Avisem aos desavisados
que a morte tarda
mas não falha.
Vingança última
da iniludível das gentes
encarnada na figura
dentuça de um Bandeira
tuberculoso de 6 décadas.
Assim quero meu último 
dia "à toa à toa"
igual voo de andorinha
descompromissada com
a tola preocupação das horas.

Sou culpado de uma palavra
ela tem minha digital
emitida por caixas de ressonância
das quais minha boca
é berrante e boiada.
O verbo é um soco no estômago
que roxeia a alma.

Poema do rompimento

As flores
os cacos
os amores
os terrores
os prenúncios
a ruína
anunciada
a cada ato
em pétalas
tingidas
de um rubro
que bem podia
ser meu sangue.

  A poesia é essa água que escorre pela boca e d esce pelas bordas  rompendo a barreira dos lábios. Diz e não diz f abula mundos intangív...